Reajuste Por Faixa Etária Nos Planos De Saúde Coletivos E Empresariais.
Em meados de 2016, publicamos artigo sobre a abusividade do reajuste por faixa etária e a proteção do estatuto do idoso. A jurisprudência, neste interim se alterou e, portanto, a necessidade de atualizá-los.
O STJ analisou a questão em julgamento de recurso repetitivo, tendo fixado a seguinte orientação:
“O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que: (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso” (REsp 1568244/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, DJe 19/12/2016).”
Conforme, expressamente, constou na tese fixada (tema 952), se aplica, especificamente, aos planos de saúde individuais ou familiares, tendo inaplicável tal tese aos contratos coletivos.
Percebe-se que o STJ, ao invés de exercer sua função jurisdicional de dirimir os conflitos como interprete da lei federal, optou por “delegar” a legalidade do reajuste à Agência Nacional de Saúde Suplementar (“ANS”). Com isso, a insegurança jurídica permanece, na medida em que, não foi fixado parâmetro claro para verificar a legalidade de referidos aumentos, tendo sido concedida à ANS competência para definir referidos parâmetros. Tal situação é delicada, considerando o recente parecer do Tribunal de Contas da União (“TCU”), sobre falhas da ANS no exercício de sua função fiscalizadora e reguladora.
Em outras palavras, a fixação de tal tese tem causado questionamentos por parte dos consumidores, não só por dar margem à múltiplas interpretações ao utilizar os termos vagos como “desarrazoados ou aleatórios”, mas também pelo fato das normas expedidas pelos órgãos governamentais, serem confusas e, ao que tudo indica, sem parâmetros adequados.
Para ilustrar tal situação, seguem abaixo as regras de reajuste por faixa etária autorizadas pela ANS:
Contratação | Faixa etária | Observações |
Até 2 de Janeiro de 1999 | Não se aplica | Deve seguir o que estiver escrito no contrato. |
Entre 2 de Janeiro de 1999 e 1 de Janeiro de 2004. | · 0 a 17 anos · 18 a 29 anos · 30 a 39 anos · 40 a 49 anos · 50 a 59 anos · 60 a 69 anos · 70 anos ou mais | A Consu 06/98 determina, também, que o preço da última faixa (70 anos ou mais) poderá ser, no máximo, seis vezes maior que o preço da faixa inicial (0 a 17 anos) Consumidores com mais de 60 (sessenta) anos e que participem do contrato há mais de 10 (dez) anos, não podem sofrer a variação por mudança de faixa etária. |
Após 1 de Janeiro de 2004 (Estatuto do Idoso) | · 0 a 18 anos · 19 a 23 anos · 24 a 28 anos · 29 a 33 anos · 34 a 38 anos · 39 a 43 anos · 44 a 48 anos · 49 a 53 anos · 54 a 58 anos · 59 anos ou mais | A Resolução Normativa (RN nº 63), publicada pela ANS em dezembro de 2003, determina, que o valor fixado para a última faixa etária (59 anos ou mais) não pode ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa (0 a 18). A Resolução determina, também, que a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não pode ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas. |
De se notar, na coluna “observações” que as regras criadas pela agência regulatória são confusas e, portanto, geraram uma série de dúvidas entre os consumidores.
Portanto, com relação especificamente ao reajuste por faixa etária nos planos coletivos e empresariais, as operadoras, afirmam que deve –se acompanhar a tese fixada no Tema 952, abordado no Recurso Especial nº 1.568.244/RJ, ou seja, reconhecer a legalidade, também nos planos coletivos ou empresariais, do reajuste de mensalidade fundado na mudança de faixa etária desde que haja previsão contratual, sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.
Os consumidores, bem como os órgãos que representam tal classe, por outro lado, exigem que o Judiciário, ao decidir essa questão, declare a abusividade de tal reajuste.
Um dos fortes argumentos trazidos pelos consumidores é que em 28/03/2018, o Plenário do TCU, prolatou acórdão, nos autos, da Auditoria Operacional nº. TC 021.852/2014-6, realizada em face da ANS, a qual foi realizada com o objetivo de avaliar as ações da agência referentes aos reajustes anuais dos planos de saúde suplementar.
Em referida Auditoria Operacional, o TCU apresentou uma série de determinações e recomendações à ANS, pois identificou graves irregularidades cometidas pela agência regulatória, ao exercer sua função de determinar o limite de reajuste anual, permitido aos planos privados de saúde suplementar, como prevê o art. 3º, XVIII da Lei 9.961/2000 (Lei que criou a ANS):
“Art. 3º A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.
(…)
XVIII – expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômico-financeira pelas operadoras, com vistas à homologação de reajustes e revisões”.
Especificamente em relação ao tema aqui tratado, ou seja, os planos empresariais e coletivos, a auditoria do TCU identificou falhas da ANS na identificação e correção de reajustes abusivos e “falta de informação adequada disponibilizada aos contratantes e falha na fiscalização das informações fornecidas pelas operadoras”.
A questão é grave. O que está acontecendo é que, em relação aos contratos coletivos, a ANS optou por não intervir na negociação entre os contratantes e as operadoras, e por isso, não possui instrumentos para prevenção, identificação e correção de reajustes coletivos, ou seja: os dados repassados a ANS pelas empresas não são conferidos por esta última, o que gera riscos concretos de prejuízos aos consumidores.
Cabe destacar alguns trechos do parecer da Auditoria do TCU, que são de extrema relevância: “O RPC (Sistema de Comunicado de Reajuste de Planos Coletivos) não possui mecanismos suficientes de validação das informações inseridas pelas operadoras, o que resulta na introdução no sistema de comunicados de percentuais de reajuste com erros. Esses dados são utilizados no cálculo do percentual máximo de reajustes dos planos individuais. Tanto o aumento quanto a redução artificial do percentual calculado, decorrente dos erros nas bases de dados, geram riscos de prejuízo ao consumidor, no caso de aumento inadequado, e de prejuízo à sustentabilidade do setor, no caso de diminuição indevida. Em ambos os casos, gera-se risco à atuação regulatória decorrente de decisões baseadas em dados com ruídos possivelmente elevados”.
Em outros dois trechos do relatório do TCU, fica evidenciado o acima colocado. Vejam:
“325. Quanto à atuação da ANS na regulação dos reajustes de planos de saúde coletivos, restou evidenciado que a agência não possui procedimentos e mecanismos adequados e suficientes para prevenção, identificação e correção de reajustes abusivos em planos coletivos. (…) Consequentemente, conclui-se que a atuação regulatória da agência não é suficiente para mitigar o risco de que os reajustes dos planos de saúde coletivos onerem excessivamente o consumidor.
“326. Quanto à atuação da ANS na regulação dos reajustes de planos de saúde individuais, restou evidenciado que há falhas nos procedimentos e mecanismos utilizados pela agência na definição do teto dos reajustes, uma vez que os filtros existentes no sistema RPC necessitam de aprimoramento para evitar a inclusão de comunicados com erros no sistema e que falta transparência na metodologia utilizada. Além disto, a agência tem adicionado, em alguns anos, uma parcela extra ao percentual máximo de reajuste para compensação de fatores exógenos, que já são levados em consideração na metodologia dos reajustes dos planos coletivos, o que pode levar ao duplo impacto dos fatores exógenos no cálculo do índice de reajuste.” (grifos nossos).
A questão se tornou tão controvertida, que foi objeto de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (“IRDR”) pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (proc. nº 0043940-25.2017.8.26.0000).
Isso porque, conforme dito acima, no Recurso Especial nº 1.568.244/RJ, foi examinada a validade da cláusula contratual de reajuste por faixa etária de plano de saúde, na modalidade individual ou familiar, nada mencionado em relação aos planos coletivos.
Referido IRDR aguarda julgamento, o qual deverá ocorrer após a manifestação das partes, inclusive das entidades que lá figuram na qualidade de amicus curiae (OAB, ANS, IDEC, PROCON, etc.). Portanto, em relação à reajuste por faixa etária nos planos coletivos e empresariais, ainda não existe definição jurisprudencial sobre o tema, sendo certo que o IRDR deverá uniformizar a jurisprudência apenas no Estado de São Paulo, ou seja, deverá ser seguido por todas as Comarcas Paulistas, mas não em todo o país.
Diante do exposto, pode-se concluir que, ao tratar de planos coletivos ou empresariais, o consumidor está completamente desamparado e à mercê dos reajustes aplicados sem qualquer transparência por parte das operadoras, bem como sem qualquer fiscalização por parte da ANS.
Aguardamos que, nos próximos meses, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, atento às gravidade e delicadeza do tema, atue com o brilhantismo que lhe é peculiar e reconheça a situação de vulnerabilidade dos consumidores que aderem aos planos de saúde coletivos e, considerando a completa ausência de fiscalização por parte dos órgãos governamentais, em especial a ANS, e os abusos praticados pelas operadoras, declare a ilegalidade de reajustes por faixa etária aos 59 nos planos de saúde coletivos.
Por: Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho