OS VETOS PRESIDENCIAIS À LEI 1.179/2020 – A ENTRADA EM VIGOR DA LEI 14.010/2020 E SUAS IMPLICAÇÕES NA LOCAÇÃO E NOS CONTRATOS EM GERAL

Em 10 de junho de 2020, o Presidente da República comunicou ao Presidente do Senado Federal, que decidiu vetar, parcialmente, a Lei 1.179/2020, que “dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). ”

Os vetos, como se poderá notar abaixo, foram parciais e tiveram como objetivo manter a coerência e a ordem no país, sem caráter político, ou seja, apenas caráter jurídico, buscando evitar que se criasse desordem, por meio de proposições legislativas mal formuladas.

 

O assunto provocou um grande debate, na medida em que a pandemia causou um enorme impacto em todo o mundo, tanto social quanto econômico, tendo reflexos nas mais diversas áreas.

 

É quase certo que os reflexos da pandemia ainda estão por vir, quando se tornarem públicos os resultados dos mais diversos decretos que determinaram o completo fechamento da economia, sendo eles caracterizados por um provável e forte aumento no desemprego, e um provável e forte aumento da inflação.

E, antevendo estas consequências, é que o Poder Legislativo elaborou o projeto de Lei 1.179/2020, que previa diversas modificações nas relações jurídicas, de caráter emergencial, durante o período de pandemia.

 

Dentre as medidas, o Presidente da República houve por correto vetar o art. 9º, que proibia a concessão de liminar no âmbito de ações de despejo em algumas situações do art. 59, § 1º da Lei 8.245/1991:

 

“Art. 9º Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59, § 1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020.

Parágrafo único – O disposto no “caput” deste artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020.”

 

Alguns juristas entendem que tal disposição legal apenas evitaria que pessoas e empresas fossem despejadas durante a pandemia, o que, na sua visão, poderia transformar a crise de saúde pública em uma crise de moradia.

 

Porém, para justificar seu veto, o Presidente da República enfatizou que “a propositura legislativa, ao vedar a concessão de liminar nas ações de despejo, contraria o interesse público, por suspender um dos instrumentos de coerção ao pagamento das obrigações pactuadas na avença de locação (o despejo), por um prazo substancialmente longo, dando-se, portanto, proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor, além de promover o incentivo ao inadimplemento e em desconsideração da realidade de diversos locadores que dependem do recebimento de alugueis como forma complementar ou, até mesmo, exclusiva de renda para o sustento próprio.”

 

Respeitando entendimentos contrários, importante destacar que a mera expectativa de proibição de despejos, já criou um alvoroço no mundo jurídico, na medida em que diversos proprietários de imóveis – que tem na locação o próprio sustento – estavam sendo injustamente pressionados por locatários para reduzir os aluguéis, sem que houvesse comprovação de real necessidade, ou seja, apenas porque havia uma possibilidade de permanecer no imóvel sem pagar aluguel e com uma garantia legal de não serem despejados.

 

Neste ponto, portanto, o legislativo cometeria um verdadeiro retrocesso, na medida em que a Lei nº 12.112/2009, muito embora tenha sido muito criticada, na verdade, corrigiu um enorme problema que existia para os proprietários que levavam anos para conseguir despejar locatários inadimplentes, arcando com severos prejuízos. Tal modificação estabeleceu procedimentos mais céleres que garantiram mais confiança aos proprietários de imóveis, estimulando as relações locatícias. Logo, em nosso sentir, impedir ordens liminares não seria um caminho acertado, devendo cada situação ser tratada entre as partes, de forma amigável.

Não é menos verdade que, em um momento emergencial, de pandemia, pode a parte, com base em diversas outras disposições legais já conhecidas, requerer a revisão de contrato.

 

Foi justamente nesta linha, que o Presidente da República, também manifestou seu veto ao Capítulo IV, arts. 6º e 7º, que assim dispunha:

 

“DA RESILIÇÃO, RESOLUÇÃO E REVISÃO DOS CONTRATOS”

 

Art. 6º As consequências decorrentes da pandemia do coronavírus Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos.

 

Art. 7º Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário.

§1º As regras sobre revisão contratual previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, não se sujeitam ao disposto no caput deste artigo.

§2º Para os fins desta Lei, as normas de proteção ao consumidor não se aplicam às relações contratuais subordinadas ao Código Civil, incluindo aquelas estabelecidas exclusivamente entre empresas ou empresários.”

 

Para justificar seu veto, o Presidente da República enfatizou que “a propositura legislativa, contraria o interesse público, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro já dispõe de mecanismos apropriados para modulação das obrigações contratuais em situação excepcionais, tais como os institutos da força maior e do caso fortuito e teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva”.

 

Em outras palavras, em que pese a boa intenção do legislador, é preciso evitar comportamentos oportunistas, de pessoas que, sem ter a real necessidade, possam buscar a revisão de um contrato, ou deixar de pagar um aluguel, impedindo um despejo, simplesmente porque uma lei assim o autoriza.

 

Em sendo realmente o caso, basta que a parte que foi prejudicada, comprove documentalmente que aquela determinada relação contratual se tornou excessivamente onerosa, em razão de fato imprevisível, e que está impossibilitada de cumprir a obrigação, para com isso obter tutela jurisdicional que lhe garanta o reequilíbrio contratual, cabendo ao judiciário dosar, caso a caso, a exata medida para encontrar o reequilíbrio.

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho