OS DIREITOS DO CONSUMIDOR NA AQUISIÇÃO DE UNIDADE IMOBILIÁRIA EM INCORPORAÇÃO.

A compra de um imóvel na planta é, sem sombra de dúvidas, um bom negócio por contar com boas vantagens e facilidades em termos de financiamentos.

 

No que se refere à incorporação em si, a construção do empreendimento, a legislação de observância é tratada a Lei 4.591/1964 (“Lei de Incorporações Imobiliárias”), a Lei 6.766/1979 (“Lei de Parcelamento do Solo Urbano”) e, mais recentemente, pela Lei 13.786/2018 (“Lei do Distrato”), no que se refere ao compromisso de compra e venda de unidades.

 

Porém, no que se refere aos diretos e obrigações das partes vendedora e compradora, e a forma como devem se comportar nesta relação, a matéria é tratada pela Lei 8.078/990 (“Código de Defesa do Consumidor” ou “CDC”), sendo importante destacar, que ela se aplica tanto para aqueles que adquirem unidades para fins de moradia, quanto para aqueles que o fazem como investimento.

 

Excetua-se, apenas, os casos em que o comprador exerce profissionalmente a atividade de compra e venda de imóveis, quando então fica descaracterizada a relação de consumo, conforme jurisprudência pacífica do STJ:

 

“(…) Há relação de consumo na compra e venda entabulada para fins de investimento, desde que o comprador não exerça referida atividade de forma profissional”. (AgInt no REsp n. 1.973.751/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 15/8/2022, DJe de 17/8/2022.)

 

Pois bem. No Brasil, há uma enorme demanda de consumidores por imóveis na planta, sendo um mercado considerado extremamente atrativo. Por outro lado, historicamente, esse tipo de negócio, por mais de uma vez, foi severamente impactado por desistências em massa, decorrente de fatores externos (crises econômicas; instabilidades políticas etc.). Nas próprias justificativas da Lei do Distrato, consta que as desistências dos negócios envolvendo imóveis na planta, por parte do adquirente, era um verdadeiro tormento ao consumidor, em face da ausência de norma legal que regulamentasse a questão.

 

Antes dela, um número relevante de desistências era levado aos Tribunais pátrios que, convergia no sentido de ser possível a resolução do contrato, mas divergia sobre o percentual de retenção pelas incorporadoras a título de ressarcimento de custos (as decisões variavam de 10% a 25% do valor pago pelo consumidor e, em alguns casos, percentual até maior), o prazo de devolução, questões relativas à comissão de corretagem, e outros pontos.

 

Em boa hora, a Lei do Distrato tratou dos pontos mais nefrálgicos e deixou a relação entre as partes mais transparente e previsível ao estipular cláusulas obrigatórias para os modelos de contratos de compra e venda, deixando-os em harmonia com as regras previstas no CDC, bem como ao estabelecer limites para o percentual de retenção em casos de desistências.

 

Em relação às cláusulas obrigatórias nos contratos de compra e venda, que passaram a ser exigidas, a Lei do Distrato estabeleceu a inclusão do art. 35-A na Lei de Incorporações Imobiliárias, com o seguinte teor:

 

“Art. 35-A Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária serão iniciados por quadro-resumo, que deverá conter:

 

I – o preço total a ser pago pelo imóvel;

 

II – o valor da parcela do preço a ser tratada como entrada, a sua forma de pagamento, com destaque para o valor pago à vista, e os seus percentuais sobre o valor total do contrato;

 

III – o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;

 

IV – a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;

 

V – os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;

 

VI – as consequências do desfazimento do contrato, seja por meio de distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do incorporador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente;

 

VII – as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;

 

VIII – as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial;

 

IX – o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do auto de conclusão da obra pelo incorporador;

 

X – as informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel, em especial quando o vinculem como garantia real do financiamento destinado à construção do investimento;

 

XI – o número do registro do memorial de incorporação, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente;

 

XII – o termo final para obtenção do auto de conclusão da obra (habite-se) e os efeitos contratuais da intempestividade prevista no art. 43-A desta Lei.

 

Com relação à possibilidade de atraso na entrega da obra, a Lei do Distrato consignou expressamente o limite de 180 dias de atraso, e estabeleceu a inclusão do art. 43-A na Lei de Incorporação Imobiliária, com o seguinte teor:

 

“Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.

 

  • 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.

 

  • 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato.

 

  • 3º A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação.”

 

Com relação à possibilidade de desfazimento do contrato, por solicitação do adquirente, a Lei do Distrato estabeleceu importantes regras, tanto com relação ao percentual máximo de retenção e os prazos para devolução, como também relativas à comissão de corretagem, previstas no art. 67-A na Lei de Incorporação Imobiliária, com o seguinte teor:

 

“Art. 67-A. Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:

 

I – a integralidade da comissão de corretagem;

 

II – a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.

 

  • 1º Para exigir a pena convencional, não é necessário que o incorporador alegue prejuízo.

 

  • 2º Em função do período em que teve disponibilizada a unidade imobiliária, responde ainda o adquirente, em caso de resolução ou de distrato, sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, pelos seguintes valores:

 

I – quantias correspondentes aos impostos reais incidentes sobre o imóvel;

 

II – cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores;

 

III – valor correspondente à fruição do imóvel, equivalente à 0,5% (cinco décimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato, pro rata die;

 

IV – demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato.

 

  • 3º Os débitos do adquirente correspondentes às deduções de que trata o § 2º deste artigo poderão ser pagos mediante compensação com a quantia a ser restituída.

 

  • 4º Os descontos e as retenções de que trata este artigo, após o desfazimento do contrato, estão limitados aos valores efetivamente pagos pelo adquirente, salvo em relação às quantias relativas à fruição do imóvel.

 

  • 5º Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindo-se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga.

 

Portanto, a partir da entrada em vigor da Lei do Distrato (28/12/2018), os contratos de compra e venda de imóvel na planta, ou loteamentos, obrigatoriamente devem conter as cláusulas previstas acima.

 

Indo além, as questões relativas ao desfazimento do negócio por culpa das Partes (seja por resilição, seja por inadimplemento), passaram a obedecer aos limites e formas nela previstos, encerrando-se uma insegurança jurídica que até então havia.

 

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho