artigo | O DIREITO DE PREFERÊNCIA DO LOCATÁRIO E A ALIENAÇÃO FIDUÁCIRIA EM GARANTIA

O DIREITO DE PREFERÊNCIA DO LOCATÁRIO E A ALIENAÇÃO FIDUÁCIRIA EM GARANTIA

O direito de preferência é o direito que o locatário tem de comprar o imóvel locado, em iguais direitos e condições (igualdade de preço, prazo, forma de pagamento, etc.) caso o proprietário deseje vender, prometer vender, ceder, prometer ceder, ou dar em pagamento o imóvel locado.

O direito de preferência está regulamentado nos artigos 27 a 34 da Lei de Locação (Lei nº 8.245/91).

Caso o proprietário opte por vender, prometer vender, ceder, prometer ceder, ou dar em pagamento o imóvel locado, ele tem o dever de oferecer ao locatário, para que este exerça ou não seu direito de preferência em igualdade de condições com o pretenso comprador.

Esse ato – de garantir o exercício do direito de preferência – é formal e deverá ser feito através de notificação (judicial ou extrajudicial) que deverá conter todas as condições do negócio (preço, forma de pagamento, etc.) bem como local e horário para que o locatário possa examinar a documentação pertinente.

Caso essa formalidade não seja observada pelo proprietário, o locatário poderá exigir perdas e danos. Caso o contrato de locação esteja averbado na matrícula do imóvel, o locatário poderá, inclusive, depositar o preço e demais despesas do ato da transferência (através de medida cautelar inominada de depósito preparatório), para haver para si o imóvel, conforme prevê o art. 33 da Lei de Locação.

Exceção à regra do direito de preferência, é o caso dos imóveis objeto de alienação fiduciária. Para melhor compreender a questão, é necessário esclarecer o que significa a alienação fiduciária: no caso de imóveis, trata-se de compra e venda na qual o devedor transfere ao credor a propriedade resolúvel do bem, até que o débito seja quitado (Lei n. 9.514/97, arts. 22 a 33).

Via de regra ocorre quando a instituição financeira (Banco) recebe como garantia de financiamento, a propriedade do imóvel; somente após a quitação integral do financiamento pelo comprador, a garantia será cancelada e este passará a ser o proprietário definitivo.

Pois bem, temos aqui diversas hipóteses. Vamos pensar que o sujeito já é o proprietário de um determinado imóvel, e celebrou contrato de locação que está em vigor; posteriormente, e no curso de tal contrato, visando “levantar recursos”, se dirige à instituição financeira, onde contraí empréstimo e oferece o imóvel em garantia fiduciária. Neste caso, o debate na doutrina é grande; o locatário poderia ter suprimido seu direito de preferência, por ato posterior do proprietário, do qual sequer teve ciência? Nosso entendimento é no sentido de que por se tratar de ato posterior, o oferecimento do imóvel ao Banco, mesmo com alienação fiduciária em garantia, não derroga direito já incorporado ao patrimônio jurídico do locatário; porém, tal entendimento não é unânime.

Situação diversa, é quando o proprietário já alienou seu imóvel fiduciariamente à instituição financeira e, posteriormente, vem a locá-lo. Neste caso, para validade do contrato de locação e validade do direito de preferência, perante a instituição financeira, é necessária a anuência da mesma. Caso o contrato de locação, não tenha anuência do credor fiduciário, o locatário não poderá arguir seu direito de preferência, no caso de venda do imóvel, para realização da garantia, por inadimplemento do proprietário devedor.

Caso do contrato de locação, tenha a instituição financeira participado e anuído, vige a regra contida no artigo 31 da Lei de locações, ou seja, nos contratos de locação firmados antes de 1º de outubro de 2001, o locatário, independentemente de cláusulas contratuais específicas, tem direito à preferência no caso do proprietário ficar inadimplente e o Banco levar o imóvel à venda para realização da garantia. Nos casos dos contratos firmados após 1° de outubro de 2001, apenas não existirá direito de preferência, caso conste expressamente no contrato, em cláusula contratual específica, a inexistência do direito de preferência. Tal cláusula, deve inclusive, se destacar das demais por sua apresentação gráfica. Transcrevemos abaixo o artigo 32 da Lei de Locação:

“Art. 32. O direito de preferência não alcança os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação.
Parágrafo único. Nos contratos firmados a partir de 1o de outubro de 2001, o direito de preferência de que trata este artigo não alcançará também os casos de constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização de garantia, inclusive mediante leilão extrajudicial, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)”

Portanto, para que tenha validade (a renúncia ao direito de preferência), a Lei exige que essa situação conste expressamente no contrato, inclusive com destaque (negrito, etc.). Tal exigência tem o condão de dar ciência inequívoca às partes de que, em se tratando de “constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização de garantia”, o locatário não terá tal direito.

Por fim, destaca-se que nos casos de locação de imóve,l objeto de alienação fiduciária, recomenda-se que o locatário exija a anuência do Banco, para evitar alegações futuras de ignorância, pois, conforme já dito, nos casos de constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização de garantia o locatário não tem direito de preferência, sem que o Banco tenha anuído com o contrato. Esse é justamente o entendimento da jurisprudência:

“APELAÇÃO. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. ALIENAÇÃO EXTRAJUDICIAL. ARREMATAÇÃO. IMÓVEL OCUPADO POR SUPOSTO LOCATÁRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO DE PREFERÊNCIA. 1. A transferência da propriedade do imóvel dos locadores à Caixa Econômica Federal, e à autora, em seguida, decorreu da inadimplência das prestações do financiamento que celebraram para viabilizar o pagamento do preço. O imóvel já estava alienado fiduciariamente à CEF quando celebrada a locação, sendo que a instituição financeira apenas consolidou a propriedade resolúvel do bem e o alienou a autora mediante leilão público, conforme lhe faculta a Lei, diante da inadimplência do devedor fiduciante. Daí a previsão contida no parágrafo único do art. 32 da Lei de Locação para afastar o direito de preferência do locatário de imóvel alienado fiduciariamente. 2. De todo modo, o contrato de locação não foi averbado junto à matrícula correspondente, de modo que a credora fiduciária, bem como a arrematante do imóvel, não poderiam conhecer a sua existência até a tentativa de ingresso na posse do imóvel. Logo, não cabia a pretendida intimação para exercício do direito de preferência. 3. O ajuizamento da ação em face da Caixa Econômica Federal para discutir a legalidade da execução extrajudicial levada a efeito não tem força para retirar do negócio jurídico firmado entre esta última e a autora os efeitos que ele tem, notadamente porque nada nos autos demonstra que os devedores tenham sido autorizados a permanecer no imóvel naquela demanda. 4. Sentença mantida. Recurso não provido.” (TJSP – Apelação nº 0000156-15.2013.8.26.0266 – 10ª Câmara de Direito Privado – Desembargador Relator Carlos Alberto Garbi – J. 19/05/2015)

Por: Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho e Rodrigo Elian Sanchez