O BLOQUEIO ABUSIVO PELOS SÓCIOS MINORITÁRIOS NAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

I.O princípio majoritário e a proteção das minorias

 

O cerne do direito societário brasileiro é o princípio da cooperação, que decorre do fenômeno associativo. Ainda que o objetivo final da reunião de pessoas para desenvolver um negócio seja o lucro, a forma como este objetivo será alcançado perpassa pelos diferentes interesses individuais de cada sócio.

 

Neste sentido, as normas de organização societária têm como finalidade harmonizar os interesses conflitantes das partes que se juntam para constituir uma sociedade.

 

Dentre estas normas, merece destaque aquelas que organizam o processo jurídico de formação da vontade coletiva. No direito brasileiro, adotou-se o sistema majoritário, segundo o qual, o acionista ou sócio que possuir a titularidade de metade das ações ou quotas mais uma, tem o poder de comandar a sociedade e definir os rumos dos negócios sociais.

 

Conforme ensina KOMPARATO (2008, p. 60), o princípio majoritário parte do postulado que a sociedade existe no interesse dos sócios e, como ninguém, em princípio, está investido da prerrogativa de decidir pelos interesses alheios, prevalece sempre a vontade do maior número, julgando cada qual seu próprio interesse.

 

Entretanto, a adoção do sistema majoritário não significa constranger a minoria e desprezar seus interesses. Desta forma, como contraposição do princípio majoritário, surgem as regras de proteção da minoria, que impõem deveres e limites à atuação da maioria, a fim de se evitar que ela, por comandar os rumos sociais, conduza os negócios em prol exclusivamente de seus interesses particulares, com o esvaziamento do processo de deliberação assemblear.

 

As regras de proteção à minoria, portanto, são a forma encontrada pela doutrina e pela Lei para se evitar que os minoritários se tornem meros acompanhantes ou assistentes dos majoritários, sem jamais deterem a possibilidade de influenciar a política societária. Segundo Marcelo Vieira Von Adamek, citando os ensinamentos de Herbert Wiedemann:

 

“(…) A função de proteção da minoria é evitar riscos de uma desigualdade de tratamento, quando a relação de supremacia e subordinação se torna uma relação estável de dominação.”[1]

 

Integram o rol de proteção à minoria, os direitos formais de minoria, tais como os que exigem determinado quórum de votação ou de capital para o seu exercício, tais como, quórum de 5% para convocação de assembleia geral, ante à recusa dos administradores em atenderem, no prazo de 8 dias, o pedido de convocação que os minoritários apresentarem; mesmo quórum para convocar assembleia geral destinada à instalação do Conselho Fiscal; e, ainda, a exigência de que no processo de cisão, as ações integralizadas com parcelas de patrimônio da companhia sejam atribuídas a todos os titulares na mesma proporção das ações/quotas que detinham na companhia cindida, de modo a evitar que a maioria possa reservar para si a melhor parte da sociedade cindida e aos minoritários as partes indesejadas.

 

Além destes, há também os direitos substanciais de minoria, que compreendem a garantia da minoria de requerer o voto múltiplo, que lhe permitirá participar da administração social; a exigência de maiorias qualificadas para a sociedade decidir sobre matérias relevantes, onde a efetiva participação da minoria no processo decisório se torna indispensável; a possibilidade de sua participação nos órgãos de fiscalização e de administração, além do controle administrativo e judicial dos atos da maioria.

 

II. O Abuso da Minoria do Direito Brasileiro

 

Apesar da preocupação do direito societário com os mecanismos de proteção à minoria, não se pode ignorar o fato de que ela também pode utilizar suas prerrogativas e direitos de forma desleal e abusiva, em prejuízo à sociedade.

 

Em outras palavras, assim como o poder majoritário é exercido no limite do interesse social, também os direitos dos minoritários encontram neste os limites de seu exercício. Ambos representam o mesmo espectro do dever de lealdade, regra geral de conduta para a delimitação de interesses e poderes de sócio.

 

Na sociedade, deve-se respeitar o interesse do sócio que não se contraponha ao escopo comum de realização do objeto social com fim lucrativo.

 

Justamente aí se insere a regra geral de conduta enunciada pelo dever de lealdade: o sócio deve se abster de qualquer comportamento que, de alguma forma, possa impedir a realização pela sociedade do fim social, independentemente de sua condição de majoritário ou minoritário.

 

O abuso da minoria, portanto, é o uso dos direitos e prerrogativas conferidos aos minoritários, como meio para perseguir interesses individuais que contrariam ao interesse social.

 

Várias são as formas de abusos das posições minoritárias, sendo que a maneira mais comum é através do bloqueio abusivo, que é o foco deste trabalho e será melhor demonstrado a seguir.

 

III. Abuso do direito de voto: imposição da vontade minoritária pelo bloqueio abusivo

 

O bloqueio abusivo, também chamado abusos negativos da minoria, ocorre quando os minoritários, exercem seu direito de voto de modo a impedir que a política almejada pela maioria possa se desenvolver.

 

Segundo aponta ADAMEK (2010, p. 246), o obstrucionismo pode se manifestar através do bloqueio expresso em votos contrários à proposta submetida à deliberação; pelo não comparecimento ao conclave ou pela abstenção dos minoritários presentes, quando seu voto é indispensável à aprovação da matéria; e através do distúrbio, do tumulto promovido intencionalmente pelos sócios reunidos em assembleia, visando obstar o processo decisório.

 

Exemplo prático de obstrução abusiva pode ser verificado na deliberação sobre contas da administração e demonstrações financeiras do exercício social. Como na deliberação sobre as contas e as demonstrações financeiras, os sócios administradores estão impedidos de votar, a minoria pode se encontrar numa situação em que definirá sozinha o resultado da deliberação, ocasião em que por capricho ou para tentar valorizar seu “passe” dentro da sociedade, sem apresentar qualquer justificativa, pode rejeitar as referidas contas.

 

Esta situação traz evidentes problemas à gestão social, pois impede, no plano interno, a distribuição de lucros e, no plano externo, gera descrédito da sociedade perante o mercado, dificultando o desenvolvimento do escopo social.

 

Esta mesma situação abusiva pode ser verificada quando a minoria hostil, antevendo a impossibilidade de impor a sua vontade na deliberação social, promove tumulto no ambiente em que os sócios estão reunidos, de modo a obstruir os debates e as deliberações.

 

E, também quando o minoritário, ciente da essencialidade de seu voto, se abstém ou se recusa a aprovar aumento de capital necessário à continuidade da empresa, em montante compatível e por preço justificado, apenas porque pretende fazer prevalecer interesse pessoal. Aqui, é importante revelar que nem mesmo o receio da minoria em ver diluída a sua participação social justifica a oposição a um aumento essencial à sobrevida da sociedade.

 

Exceto se restar demonstrado que o aumento não seja a solução para o problema, a recusa ou a abstenção do minoritário será considerada abuso negativo.

 

É certo que nenhuma destas condutas são toleradas à luz do dever societário de lealdade. Entretanto, não é qualquer oposição da minoria que se configura exercício abusivo do direito de voto. Fosse isto possível, haveria o esvaziamento do processo de deliberação e o minoritário se tornaria mero espectador e acompanhante da maioria, justamente a situação que se busca evitar.

 

Assim, a configuração do bloqueio abusivo depende de demonstração da intenção dissociada do escopo comum da sociedade, cuja sanção vai desde o afastamento do voto abusivo à responsabilização por perdas e danos e suprimento de declaração de vontade não emanada, culminando com a exclusão dos sócios minoritários, por decisão da sociedade ou até mesmo judicialmente.

 

IV. Conclusão

Conquanto seja o abuso da maioria o foco de atenção do direito societário brasileiro, é certo que a mesma correlação entre poder e responsabilidade permite abusos dos minoritários, pelo uso desleal dos direitos e prerrogativas instituídos para sua proteção.

 

A forma mais comum dos minoritários exercerem abusivamente suas prerrogativas é através do denominado bloqueio abusivo, que ocorre quando a minoria exerce seu direito de voto apenas com vistas em interesses individuais e em detrimento do interesse social, impedindo que a política almejada pela maioria possa se desenvolver.

 

Entretanto, o abuso da minoria não é presumível e ainda que o controlador seja muitas vezes tentado a enquadrar qualquer recusa dos minoritários como conduta abusiva, justamente porque as sanções previstas são gravíssimas, é necessária sua comprovação por aquele que procura afastar o direito de voto do sócio.

 

Assim, mesmo sendo uma realidade no âmbito societário brasileiro, o enquadramento do exercício do voto abusivo por parte de um minoritário, depende de criteriosa análise caso a caso, não ficando ao arbítrio da maioria controladora sua definição.

 

Por: Flávia de Faria Horta Pluchino

 

Bibliografia

VON ADAMEK, Marcelo Vieira. Abuso de Minoria em Direito Socitário: abuso das posições sujetivas minoritárias. Tese (Doutorado em Direito Comercial). Universidade de São Paulo. 2010.

AMENDOLARA, Leslie. Direito dos Acionistas Minoritários. 2a. ed. São Paulo: Quartier Latan, 2002.

KOMPARATO, Fábio Konder e SALOMÃO FILHO, Calixto. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 5a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

 

[1] VON ADAMEK, Marcelo Vieira. Abuso da Minoria em Direito Societário (abuso das posições subjetivas minoritárias). Tese (Doutorado em Direito Comercial). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. p. 39.