NATUREZA DO VÍNCULO JURÍDICO DO EMPREGADO ELEITO DIRETOR E OS CUIDADOS A SEREM TOMADOS PELA SOCIEDADE

Com o aumento da complexidade dos negócios e da concorrência do mercado, passou a ser recorrente o recrutamento de administradores profissionais para gerirem sociedades empresárias.

 

Os administradores profissionais são eleitos pelos sócios da sociedade, mas não possuem vínculo familiar ou de amizade com eles

 

Em razão de sua capacidade de gestão e formação profissional em administração, focam na integração entre os interesses conflitantes dos sócios (lucro máximo) e dos empregados, fornecedores e da comunidade onde a empresa está inserida. Com isso, conseguem maximizar a produtividade e o crescimento da empresa.

 

Muitas vezes os dirigentes profissionais são recrutados no mercado, sem possuírem qualquer vínculo anterior com a sociedade, mas há muitos casos em que eles são recrutados entre os empregados da sociedade, aqueles que já mantinham com ela contrato de trabalho.

 

Neste sentido, tema bastante relevante se refere à definição do vínculo jurídico destes administradores com a sociedade, se seria mantido vínculo de emprego ou se eles passariam a ser regidos pelas regras do direito de empresa.

 

A questão não é simples e depende de uma visão interdisciplinar entre o Direito de Empresa e o Direito do Trabalho.

 

Perante o direito societário, são considerados administradores, apenas os diretores eleitos em ato solene. No caso das sociedades limitadas, a eleição deve ser formalizada em ata de assembleia ou de reunião de sócios ou no contrato social; e no caso das sociedades anônimas, em ata de assembleia. Estes sujeitam-se às regras do direito de empresa, sendo regidos pelo contrato/estatuto social, conforme o tipo societário seja uma sociedade limitada ou uma sociedade anônima.

 

Assim, devem observar os deveres impostos a todos os administradores, devendo exercer suas funções com lealdade, visando o interesse social, e não o seu interesse individual ou de quem o indicou, e com elevado padrão de conduta, probidade e prudência, sob pena de responder pessoalmente pelos prejuízos causados à sociedade, nos termos do art. 117 da Lei S/A e do art. 1.016 do CC.

 

Por outro lado, perante o direito do trabalho, a questão da natureza jurídica do vínculo jurídico do empregado eleito diretor é mais complexa.

 

Conforme Pontes de Miranda (MIRANDA, 2000), os administradores, enquanto órgãos da sociedade, presentam a mesma, isto é, ao atuarem, quem está efetivamente praticando o ato é a própria pessoa jurídica, porque o ato do órgão é ato dela.

 

Em outras palavras, os deveres e responsabilidade do administrador não são derivados do contrato. Decorrem da lei e por isso são orgânicos.

 

Nesse sentido, ensina Miranda Valverde (2001, p. 278-279 apud CALVO, 2005, p. 66):

 

“O administrador ou diretor eleito pela Assembleia Geral, ou indicado por quem tenha autoridade para tanto, como nas Sociedades Anônimas de economia mista, não contrata com a sociedade o exercício das funções. Se o nomeado aceita o cargo, deverá exercê-lo na conformidade das prescrições legais e estatutárias, que presidem ao funcionamento da pessoa jurídica.”[1]

 

Diante do entendimento de que o administrador é órgão da sociedade, responsável por representá-la junto a terceiros, surge a dúvida de qual seria o vínculo jurídico desse administrador, quando já era empregado da sociedade ao assumir o cargo. Como fica o contrato de trabalho desse empregado, ao assumir função de administração da sociedade?

 

Para explicar a questão, alguns doutrinadores defendem a plena possibilidade de coexistir a função de administração e a relação de emprego, de modo que, mesmo quando assume a direção da sociedade, o contrato de trabalho então existente é mantido íntegro. Justificam seu posicionamento no que disciplinam os arts. 156 e 157, §1º, alínea d da LSA. Ainda, há aqueles que entendem que a natureza diretiva da função de administrador é incompatível com a subordinação indispensável para caracterizar a relação de emprego, nos termos do art. 3º da CLT.

 

Dentre os últimos, duas teorias surgiram: a teoria da extinção do contrato de trabalho, defendida por Mozart Victor Russomano dentre outros; e a teoria da suspensão do contrato de trabalho, defendida por Arnaldo Sussekind, dentre outros, que foi a que prevaleceu em nosso direito desde 1988, com a edição do Enunciado 269[2] do Tribunal Superior do Trabalho.

 

Diante do objeto de estudo do presente artigo, vamos nos ater à teoria da suspensão do contrato de trabalho, na medida em que é ela a aplicável pela jurisprudência na solução de controvérsias envolvendo o tema.

 

Segundo a teoria da suspensão do contrato de trabalho, a mesma pessoa física não pode exercer o poder de comando, típico da figura de empregador, e, ao mesmo tempo, permanecer juridicamente subordinada a esse mesmo poder.

 

Logo, a regra adotada em nosso ordenamento jurídico é a de que o recrutamento do empregado para exercer o cargo de administrador da sociedade, suspende o contrato de trabalho, pelo período em que ele ocupar o cargo.

 

Entretanto, a regra não é absoluta e a definição quanto ao vínculo jurídico do diretor que era empregado da sociedade deve ser realizada caso a caso, tendo como base a verificação da subordinação jurídica.

 

Como muito bem esclarece Amauri Mascaro do Nascimento:

 

“A decisão significa que em cada caso concreto a Justiça do Trabalho examinará o modo como o trabalho é prestado pelo Diretor, para ver se há subordinação trabalhista. Observará a posição hierárquica, os tipos de pagamentos, o número de ações, a natureza técnica ou administrativa do cargo, as pessoas que dão ordens ao Diretor etc.”[3]

 

Em tese, portanto, cessam os direitos trabalhistas do empregado eleito diretor, e a relação dele com a sociedade passa a ser regida pelo direito de empresa. Logo, não receberá salário, mas pro labore; o direito a férias será exercido conforme as regras do contrato/estatuto social, e não conforme a CLT; e quanto às verbas rescisórias, terá direito apenas às obrigações que a sociedade estabeleceu no contrato/estatuto social para os diretores.

 

Entretanto, caso a justiça do trabalho, analisando o caso concreto, declare a relação de emprego entre o diretor estatutário e a sociedade, todas as participações não salariais recebidas por ele passam a ser consideradas salário, com a computação em todos os reflexos.

 

Em outras palavras, os seus direitos passam a ser os mesmos previstos na legislação trabalhista para os demais empregados.

 

Desta forma, é de extrema importância que a sociedade, ao alçar o empregado ao cargo de diretor, tenha o cuidado de observar estritamente o que a legislação empresarial prevê para o cargo, dotando a pessoa de verdadeiro poder gestão.

 

Ainda que a decisão do diretor, no final, reflita as visões dos sócios para o negócio, é imprescindível que ele tenha autonomia na tomada de decisões e liberdade para conduzir o negócio social com independência.

 

Em outras palavras, o diretor não pode atuar como se fosse mero preposto do sócio ou do membro do conselho de administração, mas sim, como um cargo de natureza independente.

 

Além disso, as sociedades devem ter o cuidado de evitar dar ao diretor tratamento semelhante ao que é dado aos demais empregados como, por exemplo, utilizar comunicações em impressos iguais aos que são utilizados para comunicação dos demais empregados, pois, é comum na justiça do trabalho processos em que os diretores requerem reconhecimento de vínculo de emprego, alegando que recebem o mesmo tratamento e os mesmos pagamentos dos demais empregados.

 

Com o aumento da complexidade dos negócios e das relações profissionais, torna-se, portanto, cada dia mais importante o aconselhamento jurídico na estruturação da organização da empresa e no controle de suas relações com profissionais, a fim de mitigar riscos e reduzir o passivo social.

 

 

Bibliografia

 

CALVO, Adriana Carrera. A Natureza Jurídica do Vínculo do Diretor Estatutário na Sociedade Anônima. Tese (Mestrado em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005.

 

SUSSEKIND, Arnaldo. Empregado de S.A. eleito Diretor. Revista Forense. São Paulo, v. 339, 1989.

 

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller, Tomo III, 2000.

 

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Enunciado 269.

 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2002.

 

BRASIL. Lei nº 6.404, de 16 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedade por Ações. Brasília, DF: Diário Oficial de União, 1976.

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, RJ: Diário Oficial da União, 1943.

 

 

[1] VALVERDE, Miranda. Das Sociedades. São Paulo: Atlas,2001, p. 278-279. In

[2] “O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço desse período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego.”

[3] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

Flavia de Faria Horta Pluchino