DA AUDIÊNCIA OBRIGATÓRIA DE CONCILIAÇÃO/MEDIAÇÃO: PRIMEIRAS IMPRESSÕES
A crise no judiciário e a busca de soluções para aprimoramento no funcionamento da justiça, desaguou em uma série de medidas ao redor do mundo, sendo uma tônica à ênfase dada aos meios de autocomposição[1]. Aqui no Brasil, especialmente com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, em 18 de março de 2016 (CPC/2015) e da Lei Federal n.° 13.140 de 26 de junho de 2015, em 29/12/2015 (Lei de Mediação), o modelo multiportas de resolução de disputas foi incorporado ao nosso ordenamento jurídico. Nas palavras de João Luiz LESSA NETO: “De acordo com este modelo a disputa deve ser encaminhada para a técnica ou meio mais adequado sua solução. A mediação e a conciliação passam a ser fortemente estimuladas, num esforço de aproximação das partes e de empoderamento dos cidadãos como atores da solução de seus conflitos. Trata-se de uma mudança de grande envergadura em todo o funcionamento do sistema de justiça civil brasileiro. É uma mudança de concepção que reclama uma mudança na estrutura funcional e física dos fóruns e brasileiros e que, igualmente, requer uma modificação cultural e de formação dos operadores jurídicos[2]”.
Na realidade, o instituto da conciliação não é propriamente novo, sendo utilizada no Brasil desde o período colonial, já que na legislação portuguesa (Ordenações Afonsinas (L. 3 tit. 20 § 5, como nas Ordenações Manuelinas, tal instituto já era consagrado), tendo sido ainda revigorado nas Ordenações Filipinas (L. 3. tit. 20 § 1), que permaneceu em vigor, no Brasil em matéria civil até 1916. O texto contido no L. 3. tit. 20 § 1, da Ordenações Filipinas era o seguinte: “E no começo da demanda dirá o Juiz à ambas as partes”, que antes que façam despezas, e se sigam entre elles os odios e dissensões, se devem concordar (5), e não gastar suas fazendas por seguirem suas yontades, porque o vencimento da causa sempre he duvidoso. E isto, que dissemos de reduzirem as parles à concordia, não he de necessidade, mas sómente de honestidade (6) nos casos, em que o bem podérem fazer. Porém, isto não haverá lugar nos feitos crimes (7), quando os casos forem taes, que segundo as Ordenações a Justiça haja lugar”.
A Constituição Política do Império do Brasil de 1824, em seu artigo 161, condicionava a propositura de processo judicial à comprovação da tentativa, pré-processual, de conciliação. Tal regra, inspirada no código do processo civil francês, tornou a prévia tentativa de conciliação condição essencial para distribuição de todos os processos civis.
No atual panorama legislativo, em que a mediação/conciliação foi revigorada, em razão da entrada em vigor do CPC/2015 e da Lei de Mediação, a tentativa de conciliação/mediação não é condição prévia para poder ingressar em juízo, porém foi inserida como fase processual, nos procedimentos civis.
O fato que chama a atenção é que apesar dos projetos de lei, que redundaram no CPC/2015 e Lei de Mediação, terem tramitado quase que simultaneamente, tendo sido aprovados, no Congresso Nacional, com pequena diferença temporal; ao final, tais leis contêm normas conflitantes. Tal falta de uniformidade pode ser percebida quando se analisa a obrigatoriedade da realização de audiência de conciliação/mediação, como fase processual. No CPC/2015, tal audiência é prevista no art. 334 para as ações do procedimento comum e no art. 695 para as ações de família.
De acordo com a regra contida no art. 334 do CPC/2015, desde que a petição inicial atenda aos requisitos legais e se o objeto do litígio admitir autocomposição, deverá ser designada audiência de conciliação ou de mediação. A audiência de conciliação ou mediação é de obrigatória realização; a exceção para que tal audiência não ocorra são tão somente duas: quando os litigantes (Réu e Autor), de forma expressa, manifestarem desinteresse ou quando o conflito não admitir autocomposição.
Ademais, o § 8º desse mesmo artigo, estabelece, também, que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação deve ser considerado ato atentatório à dignidade da justiça e deve ser sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa.
Cabe ainda consignar, que apenas nas ações de família (artigo 695, CPC/2015) e no conflito coletivo de posse velha (artigo 565, CPC/2015), a designação de audiência de mediação é obrigatória, não comportando qualquer flexibilização. Nas ações de família o mandado de citação deverá conter apenas os dados necessários para a audiência. Ou seja, o réu não recebe, ainda cópia da petição inicial. O objetivo é estimular a autocomposição, já que, em ações de família, as petições contêm, com grande frequência, acusações desnecessárias e exageradas; o que acirra os ânimos e dificulta diálogo entre as partes.
De outro lado, a Lei de mediação em seu art. 27, foi além; prevê a obrigatoriedade da audiência de conciliação ou mediação em todos os tipos de processo, caso não seja caso de improcedência liminar do pedido. Evidente o conflito normativo.
Alguns critérios utilizados para resolver conflitos normativos (conflito de normas) são o da especialidade (norma especial prevalece sobre a geral) e o cronológico (norma posterior revoga a anterior). Apesar da Lei de Mediação ter entrado em vigor em 29/12/2015 e o CPC/2015, em 18/03/2016 a doutrina diverge sobre tal conflito normativo, existindo, atualmente, quatro correntes diversas sobre qual norma deve prevalecer. Não iremos detalhar tais correntes, pois seria cansativo.
Porém e a despeito desta divergência normativa é evidente que a audiência de conciliação/mediação passou a ser fase do processo civil e/ou que existem mínimas hipóteses em que pode ser dispensada (a teor do art. 334. CPC/2015). Não obstante, na prática os tribunais não têm observado tal procedimento, sendo corriqueiro que os magistrados se utilizem de diversos fundamentos para não designá-la, como: (i) que as audiências prévias de tentativa de conciliação têm provocado maior demora na solução dos processos, seja em razão dos casos de redesignações de audiências por impossibilidade temporal de citação dos réus, seja em razão da pauta não permitir designação em curto período de tempo; (ii) critérios meritórios como baixo número de acordos realizados nessas audiências iniciais; (iii) que não haveria nulidade ou prejuízo às partes, em caso de não designação, até porque nada impediria de as partes postularem a homologação de acordos extrajudiciais ou requererem, em conjunto e a qualquer tempo, designação de audiência conciliatória.
Alguns jurisdicionados irresignados com o resultado do julgamento das demandas em que são parte, já buscaram anular tais sentenças em razão dos magistrados não ter designado a realização da audiência de conciliação, em situações em que inexiste dúvida sobre a obrigatoriedade de sua realização. Não obstante, o TJSP, em reiteradas decisões, tem afirmado que a designação da audiência de conciliação, prevista no art. 334, do CPC/2015, não é obrigatória (Apelação nº 1013402-35.2016.8.26.0564, 14ª Câmara de Direito Privado, Rel. Ligia Araújo Bisogni, j. 13/06/2017; Agravo de Instrumento nº 2068970-28.2017.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Privado, Rel. Jacob Valente, j. 08/06/2017. TJSP, Apelação nº 1004829-14.2016.8.26.0271, 26ª Câmara de Direito Privado, Rel. Bonilha Filho, j. 09/06/2017), mesmo quando não estão presentes as hipóteses taxativas, para sua dispensa.
Apesar da obrigatoriedade de submeter as partes à procedimento auto compositivo ser bastante questionável, especialmente no que se refere à violação à voluntariedade das partes em participarem de tal mecanismo, não é menos aflitivo notar como a nova legislação tem sido desconsiderada. Neste sentido, pelo menos neste momento, com apenas três anos de início de vigência do CPC/2015 e um pouco mais da entrada em vigência da Lei de mediação, a promessa contida em tais diplomas ainda está longe de sua concretização, mas vamos aguardar o tempo….
Rodrigo Elian Sanchez
[1] Tal tendência internacional pode ser verificada nos ordenamentos jurídicos: Argentino, Australiano, Espanhol, Francês, Inglês (Civil Procedure Rules, Part 3, Rules 3.1 a 3.10), Italiano (decreto legislativo n. 28/2010 e Lei 162/2014), Japonês, Uruguaio entre outros.
[2] João Luiz LESSA NETO, O NOVO CPC ADOTOU O MODELO MULTIPORTAS!!! E AGORA?! Revista de Processo. vol. 244. ano 40. p. 428. São Paulo: Ed. RT, jun. 2015.