CONSIDERAÇÕES SOBRE A POSSIBILIDADE DE REGISTRO DO CONTRATO DE BUILT TO SUIT NO REGISTRO IMOBILIÁRIO.

1. O Contrato de Built to Suit:

 

Instituído pela Lei 12.744/2012, que introduziu o art. 54-A na Lei 8.245/91 (Lei de Locações), trata-se, segundo Gasparetto, “de um negócio jurídico por meio do qual uma empresa contrata outra, usualmente do ramo imobiliário ou de construção, para identificar um terreno e nele construir uma unidade comercial ou industrial que atenda às exigências específicas da empresa contratante, tanto no que diz respeito à localização, como no que tange às características físicas da unidade a ser construída. Uma vez construída, tal unidade será disponibilizada, por meio de locação, à empresa contratante, por determinado tempo ajustado entre as partes”.

 

As vantagens dessa modalidade de contratação residem na possibilidade da empresa contratante, que não atua no setor da engenharia civil, obter um imóvel novo e segundo suas especificações e necessidades, sem assumir os custos da aquisição e/ou construção do imóvel e sem imobilizar seu capital. Em contrapartida, o investidor ou construtor firma um contrato de longo prazo, podendo obter lucro com a cessão de uso do espaço, remunerando o investimento da construção.

 

Por reunir elementos próprios da locação comercial e da empreitada, é considerado pela maioria da doutrina como contrato atípico, isto é, que não possui seus aspectos essenciais regulados de forma completa pela lei.

 

Os próprios objetivos do contrato built to suit demonstram a importância da garantia de continuidade da utilização do imóvel pelo período determinado estipulado pelas partes, situação que pode ser alcançada com seu registro junto à matrícula do imóvel, nos termos do art. 8º da Lei de Locações.

 

Relativamente ao exercício do direito de preferência na aquisição do imóvel, a discussão quanto a possibilidade de averbação do contrato built to suit na matrícula é praticamente inexistente, diante do que dispõe o art. 246 da Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/73) e, por isto, não é tema do presente artigo.

 

Não obstante, com relação ao registro do contrato para fins de exercício do direito de continuidade da locação em caso de alienação do imóvel pelo construtor/locador, a questão é tormentosa, diante de sua atipicidade.

 

2. Da Possibilidade de Registro do Contrato de Built to Suit no Cartório de Registro de Imóveis:

 

As obrigações podem ser divididas em obrigações pessoais e obrigações reais. A obrigação pessoal é estabelecida numa relação jurídica horizontal, que vincula tão somente devedor e credor ao cumprimento de determinada prestação. As obrigações reais se estabelecem em uma relação vertical, entre um sujeito e uma coisa e podem ser oponível a toda a coletividade.

 

Há, ainda, as obrigações híbridas, que são obrigações que mantém sua natureza pessoal, porém, quando registradas junto ao registro imobiliário, adquirem eficácia erga omnes. O exemplo mais comum desse tipo de obrigação é justamente o contrato de locação que, se for escrito, tiver prazo determinado, cláusula de vigência em caso de alienação e for registrado no registro de imóvel, deverá ser respeitado por eventual adquirente.

 

Nesses casos, o locatário tem a segurança de que eventual adquirente do imóvel locado ficará obrigado a respeitar o prazo da locação. Daí a importância do debate acerca da registrabilidade do contrato built to suit.

 

Não obstante a Lei de Locações, no art. 8º, falar em averbação, nos termos do art. 167, inc. I, alínea 3 da Lei de Registros Públicos, na verdade, esse direito é objeto de registro:

 

Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I – o registro:

(…)

3)  dos contratos de locação de prédios, nos quais tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada.;

(…)

 

Antes da entrada em vigor da Lei nº 12.744/12, que incluiu o contrato de built to suit na Lei de Locações, não havia muita discussão quanto à impossibilidade do registro, conforme se verificava no entendimento recorrente da Corregedoria Geral de Justiça do TJSP:

 

Os atos de registro em sentido estrito, previstos no incido I do art. 167 da Lei 6.015/73, são destinados à inscrição da aquisição de direitos e constituição de ônus, o que é feito em consonância com o princípio da tipicidade dos direitos reais.” (CGJSP, Processo 0001159-24.2019.8.26.0515, Des. Ricardo Mair Anafe, j. 14/12/2020).

 

A problemática toma corpo quando essa modalidade contratual passa a constar do art. 54-A da Lei de Locações, pois, a despeito dos doutrinadores defenderem a possibilidade de registro do built to suit junto à matrícula do imóvel, na prática, alguns registradores ainda recusam o registro desse tipo contratual.

 

O principal argumento é justamente sua atipicidade, que não encontraria respaldo na taxatividade do art. 167, inc. I da Lei 6.015/73. Em outras palavras, somente poderiam ser registrados os negócios jurídicos descritos nas alíneas de 1 a 48 do inciso I da referida norma e, como o contrato de built to suit é atípico, ele não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas nela.

 

A despeito da posição dos registradores, várias teorias foram desenvolvidas no sentido de demonstrar a possibilidade do registro do built to suit, como forma de garantir a continuidade da locação, nos termos do art. 8º da Lei de Locações.

 

Para Vitor Frederico Kumpell, se o núcleo da locação ou a causa locatícia do negócio puder ser identificado, não haveria razoabilidade em impedir o registro do contrato que a própria lei considera subespécie de locação não residencial.

 

Segundo o autor, não há como equiparar indiscriminadamente a taxatividade das hipóteses de registro previstas no art. 167, inc. I da Lei de Registros Públicos, a uma exigência de tipicidade negocial, pois, a preocupação com a segurança jurídica não pode suplantar a eficácia dessa modalidade contratual, que busca articular de forma eficiente o interesse do locatário e do locador.

 

No mesmo sentido, o Enunciado nº 29 da 1ª Jornada de Direito Notarial e Registral do Conselho da Justiça Federal já definiu que a locação built to suit pode ser registrada ou averbada nas hipóteses do art. 167, I, alínea 3 e II, alínea 16 da Lei de Registros Públicos.

 

As justificativas para referido enunciado se vinculam à própria dinâmica deste modelo de contratação, que “embora seja intitulado built to suit e, portanto, não expressamente elencado no referido rol [do art. 167, I da Lei de Registros Públicos] não há como negar que possui como principal prestação contratual a própria cessão do uso remunerada (locação) e, portanto, título apto para o registro ou averbação.”

 

Para a corrente que defende a registrabilidade do built to suit, a tipicidade dos direitos reais não acarreta direta e necessariamente a tipicidade dos fatos inscritíveis, pois são duas realidades distintas. O que identifica um determinado ato como apto ao registro é a capacidade do título de, sem vícios, constituir ou modificar direitos reais ou direitos obrigacionais com eficácia real.

 

Sobre o tema, Carlos Kennedy da Costa Leite defende que devem ser acolhidos a registro quaisquer títulos que formalizem legitimamente atos inter vivos, objetivando a transferência de propriedade ou constituição de direitos reais ou obrigacionais com eficácia real sobre imóveis, aí incluídos os contratos atípicos.

 

Sob este aspecto, o built to suit é fato registralmente típico, na medida em que cria direito obrigacional com eficácia real, sendo inadequado impedir seu registro como forma de assegurar eficácia da cláusula de vigência da locação contra todos.

 

3. Conclusão:

 

O contrato de locação built to suit adquiriu importância no direito brasileiro, em razão da sua capacidade para promover o desenvolvimento econômico do país, ao permitir o uso eficiente da propriedade imobiliária, sem a necessidade de o locatário desembolsar grande soma de dinheiro na aquisição, construção ou reforma do imóvel, podendo destinar esse investimento ao desenvolvimento de seu negócio.

 

Para que esta modalidade contratual represente efetivamente uma vantagem para seus contratantes, é imprescindível dotá-la da garantia de continuidade da cessão de uso remunerado do imóvel pronto, em caso de modificação na propriedade do bem.

 

Os benefícios do built to suit enfrentam hoje um obstáculo concernente à segurança jurídica, em razão da resistência de grande parte dos registradores em permitir seu ingresso no registro imobiliário para fins de exercício do direito de continuidade, por não figurar no rol taxativo previsto no art. 167, inc. I da Lei de Registros Públicos.

 

As correntes favoráveis ao registro do contrato built to suit defendem que a recusa é infundada, pois, o que determina a registrabilidade não é a taxatividade do rol legal, mas sim o escopo do negócio jurídico sob registro. Desde que o negócio jurídico validamente constitua ou modifique direitos reais ou direitos obrigacionais com eficácia real, ele deve ser admitido ao registro.

 

Nesse sentido, não há dúvidas de que o contrato de built to suit, apesar de atípico, permite a identificação precisa da locação, além de ser considerado pela Lei uma subespécie de locação não residencial e, portanto, apto a registro.

 

Bibliografia

 

DIP, Ricardo. São Taxativos os Atos Registráveis? In https://www.irib.org.br/obras/sao-taxativos-os-atos-registraveis Acesso em 09/03/2025.

GASPARETTO, Rodrigo Ruete. Contratos Built to Suit: um estudo da natureza, conceito e aplicabilidade dos contratos de locação atípicos no direito brasileiro. São Paulo: Scortecci, 2009, p. 58

KUMPEL, Vitor Frederico. Aspectos registrais do contrato de locação não residencial de imóvel cm prévia aquisição, construção ou substancial reforma por parte do locador ou de terceiros (built to suit) – Parte II. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/registralhas/246754/aspectos-registrais-do-contrato-de-locacao-nao-residencial-de-imovel-com-previa-aquisicao–construcao-ou-substancial-reforma-por-parte-do-locador-ou-de-terceiros–built-to-suit—-parte-ii. Acesso em 09/03/2025.

PETROCELLI, Moacyr de Ávila Ribeiro e OLIVEIRA, João Camilo Rodrigues de. Da Registrabilidade do Contrato Built to Suit: Apontamentos sobre o seu acesso ao Registro de Imóveis. Revista de Direito Imobiliário. Ano 45. Número 93. p.

 

Flávia de Faria Horta Pluchino