BOLETIM INFORMATIVO – DEZEMBRO 2021

Boletim RES, Advogados 

Dezembro de 2021 

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: empresarial, processual civil, cível e trabalhista. 

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Boletim Informativo – Setembro 2021

Boletim RES, Advogados

Setembro de 2021

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: trabalhista, empresarial, digital e imobiliário.

No campo do direito trabalhista, abordamos a estabilidade gestante no contrato de experiência à luz do atual entendimento jurisprudencial sobre a matéria.

No espaço reservado para o direito empresarial, tratamos da possibilidade de recuperação judicial de Sociedades de Propósito Específico – SPEs, utilizadas para estruturação de empreendimentos imobiliários.

Na área de direito digital, os parâmetros da jurisprudência na aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados e sua importância na adequação das empresas ao novo regramento, são objeto de cuidadoso exame.

Por fim, no campo do direito imobiliário, é analisada recente decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sobre a utilização do valor venal de referência do imóvel para fins de cálculo do Imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI).

Lembramos que em nosso site você pode sempre encontrar notícias atualizadas. Uma boa leitura.


Índice:

Direito Trabalhista:

Estabilidade de gestante no contrato de experiência.

Fls…………………..……………………………………………………………………………………….3-5

– Eduardo Galvão Prado

Direito Empresarial:

SPE nos empreendimentos imobiliários e recuperação judicial.

Fls………………………………………………………………………………………………………….6-14

– Rodrigo Elian Sanchez e Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi

Direito Digital:

Parâmetros da jurisprudência na aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados e sua importância na adequação das empresas ao novo regramento.

Fls………………………………………………………………………………………………………….15-20

– Flávia de Faria Horta Pluchino

Direito Imobiliário:

TJSP define que o valor venal de referência não pode ser utilizado para fins de cálculo do ITBI.

Fls………………………………………………………………………………………………………….21-24

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho


Estabilidade de Gestante no Contrato de Experiência.

A estabilidade gestante é prevista no artigo 10, do ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal/88 e protege a empregada gestante contra demissão sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Não obstante o artigo 10 do ADCT prever que a empregada grávida é protegida apenas contra demissão sem justa causa, o TST ao interpretar tal norma, ampliou sua aplicação para contratos por prazo determinado, como o contrato de experiência, tendo sedimentado este entendimento, através da súmula 244, III.

O término do contrato de experiência é uma modalidade de encerramento do contrato de trabalho, em razão do prazo determinado pelo qual o contrato terá sua vigência, que não se confunde com a demissão sem justa causa, porém, pelo entendimento do TST, o direito à estabilidade gestante, também deve ser aplicado ao contrato de experiência.

Este entendimento não é pacífico nos tribunais regionais (instância inferior ao TST). De forma majoritária, o tribunal regional da 2ª região, que abrange a capital e algumas cidades de São Paulo, entende que a empregada gestante não tem direito à garantia provisória de emprego prevista no artigo 10, do ADCT, na hipótese de admissão por “contrato a termo”.

Por este entendimento, a empregada gestante não tem estabilidade no caso do término do contrato de experiência. Inclusive, este entendimento foi sedimentado na “TESE JURÍDICA PREVALECENTE Nº 05” do TRT2.

Esta divergência de entendimento, gera certa insegurança jurídica e dificulta o empregador na tomada de decisões nos casos concretos, já que, em 1ª instância e nos tribunais regionais (2ª instância), especificamente no tribunal regional de São Paulo, é possível obter decisões que não aplicam a estabilidade gestante no caso de término do contrato de experiência (contrato por prazo determinado), enquanto a posição do tribunal superior do trabalho (TST) é em sentido oposto.

A questão se torna ainda mais complexa, pois pouquíssimos recursos endereçados ao TST são admitidos, em razão de diversos filtros e pressupostos processuais que são exigidos. Segundo a Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST, de janeiro a julho de 2021 foram interpostos 224.411 Recursos de Revista e, desse total, 15.370 foram admitidos, ou seja apenas 6,8%[1].

Neste sentido e apesar da jurisprudência de alguns tribunais regionais do trabalho serem conflitantes com o entendimento do TST, tais decisões acabam prevalecendo em razão da dificuldade de se acessar a instância superior.

Eduardo Galvão Prado


SPE nos Empreendimentos Imobiliários e Recuperação Judicial.

Forma usual de estruturar empreendimentos imobiliários é a constituição de Sociedades de Propósito Específico – SPEs.

Em resumo, a SPE segrega cada “projeto” dos demais empreendimentos de uma incorporadora, e traz diversas vantagens, uma vez que seu objeto social tem por escopo a realização de obra determinada, assumindo obrigações exclusivas e autônomas. Neste sentido, após a realização da obra e venda das unidades, se procede liquidação das obrigações sociais e se encerra a SPE.

É comum, inclusive, que cada empreendimento tenha investidores específicos, sendo bastante prático para o incorporador se utilizar da estrutura societária da SPE para cada projeto, de forma a tratá-lo de forma segregada contabilmente.

Tal mecanismo ganhou bastante uso após o caso da quebra da Encol[2], em que a segurança de compra de imóveis na planta foi bastante abalada. Em 1999 quando da falência da Encol S.A., a legislação aplicável aos contratos de incorporação imobiliária não trazia a segurança necessária para aquisição de unidades em construção.

É necessário destacar, porém, que o uso apenas da SPE para estruturar empreendimento imobiliário não é capaz, por si só, de afastar a insegurança de que os recursos auferidos com a venda de unidades, sejam destinados para fins diversos, bem como que o mútuo obtido de agentes financeiros seja empregado na consecução de outros projetos do incorporador.

Assim a entrada em vigência da Lei n.° 10.931/2004 constituiu importante marco para retomada da segurança jurídica na aquisição de imóveis na planta, ao inserir na Lei n.° 4.591/64, os artigos 31-A a 31-F, pelos quais foi instituída a possibilidade do incorporador se submeter ao regime de afetação, “pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes”.

O §1° do art. 31-A, por sua vez estabelece: “O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva”.

Para além de restabelecer confiança no mercado imobiliário no que se refere à compra de unidades em construção, discussão tem surgido em relação a possibilidade de SPEs aderirem à recuperação judicial, considerando que são idealizadas para que a eventual falência da incorporadora não as “contamine”.

O tema tem sido discutido em alguns casos esparsos, sendo que o entendimento que vem se consolidando é no sentido de que a SPE sem patrimônio de afetação pode ser objeto de recuperação judicial. Tal interpretação vem ocorrendo, caso a caso, ante a inexistência de previsão legal específica.

Contudo, a questão é bastante polêmica, considerando a natureza jurídica da SPE, que é uma modalidade com fim específico e prazo determinado, elementos que por si só se diferem dos requisitos da Lei nº 11.101/2005, cujo principal objetivo é a preservação e a continuidade da empresa.

A Lei 11.101/2005 prevê a possibilidade de planos de recuperação de sociedades a longo prazo – àquelas de prazo indeterminado – o que não é o caso das SPE´s, que teoricamente não poderiam se beneficiar desta lei.

Porém e quando se refere à SPEs com patrimônio de afetação, a jurisprudência tem caminhado no sentido de não admitir sua submissão ao regime de recuperação, considerando que o art. 31-F da Lei n.° 4.591/64, prevê que os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação.   

Em recente julgado, o TJRJ[3] decidiu que SPE´s com patrimônio de afetação não podem se valer da Lei 11.101/2005 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência.

O principal argumento da decisão se baseou no entendimento de que o patrimônio de afetação possui autonomia em relação ao patrimônio do incorporador, não respondendo por dívidas estranhas à sua finalidade, bem como porque seu objetivo é de proteger os interesses dos adquirentes, em caso de insolvência do incorporador. Na decisão foram citadas as considerações contidas em parecer do Prof. Fábio Ulhoa Coelho, elaborado exclusivamente para a recuperação judicial da sociedade em questão, que assim dispôs:

“(…) E, aliás, precisamente este o significado jurídico da afetação: determinados bens e direitos não são mais da livre disponibilidade da incorporadora, porque devem ser, a partir da especialização patrimonial, administrados por ela exclusivamente para a realização da finalidade indicada, ou seja, a construção daquele condomínio edilício em particular. Há um vínculo entre aquela parcela afetada do patrimônio da incorporadora e a conclusão de um determinado empreendimento. Nada pode desvirtuar este vínculo, enquanto ele perdurar na forma da lei. (…) entre as consequências da decisão empresarial de constituição do patrimônio de afetação, como decorrência da indisponibilidade dos bens afetados, encontra-se a impossibilidade de recuperação judicial. afinal, não tendo mais a livre disponibilidade dos elementos patrimoniais afetados (ativos e passivos), não os possui a incorporadora como meios para tentar se recuperar das dificuldades que alega estar enfrentando. em suma, a incorporadora que opta pelo regime de afetação patrimonial não tem direito à recuperação judicial”.

Por outro lado, na mesma decisão do TJRJ, foi acolhido entendimento de que as SPE´s sem patrimônio de afetação se enquadram no princípio da preservação da empresa, e poderiam gozar os benefícios da lei de recuperação.

No mesmo sentido, o TJMG[4], em recente decisão, para além de referendar o entendimento de que as SPEs sem patrimônio de afetação podem pleitear pela recuperação, fez distinção temporal pela qual, se as SPEs com patrimônio de afetação, a priori, não se submetem ao regime recuperacional, após a conclusão do empreendimento, mediante o registro das unidades no cartório de registro de imóveis, a afetação se extinguiria, e, portanto, seria possível pleitearem pela recuperação judicial. Tal entendimento, se fundamentou em interpretação do artigo 119, IX da Lei de recuperações[5]:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO (SPE) COM PATRIMONIO DE AFETAÇÃO. CONCLUSÃO DO EMPREENDIMENTO MEDIANTE REGISTRO NO CRI. EXTINÇÃO DA AFETAÇÃO. ART. 31-E, DA LEI N.º 4.591/1964. AUSÊNCIA DE ÓBICE AO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. A SPE – Sociedade de Propósito Específico, conforme se denota da previsão contida no art. 981, do Código Civil, trata-se de pessoa jurídica criada com a finalidade única de executar um determinado empreendimento ou desenvolver um projeto específico. A Lei nº 11.101/05, nas exceções elencadas em seu art. 2º, não faz nenhuma menção às SPEs. Todavia, a interpretação sistemática da norma autoriza a conclusão de que não é possível o processamento da recuperação judicial das referidas sociedades com patrimônio de afetação; ao contrário, é permitida a recuperação judicial das SPEs sem patrimônio de afetação. Nos termos do inciso I, do art. 31-E, da Lei n.º 4.591/1964, o patrimônio de afetação extinguir-se-á pela “averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento”. Concluídas as obras do empreendimento desenvolvido pela requerente e registradas as matrículas individualizadas no Registro de Imóveis, é certo que ocorreu a extinção do patrimônio de afetação. Não mais existente o patrimônio de afetação da SPE, não há óbice legal ao processamento de sua recuperação judicial, ante a ausência de vedação legal. Recurso não provido”.

A questão ainda carece de maior apreciação pelo poder judiciário, o que se denota em decisão do STJ que acolheu pedido de tutela provisória apresentado por JOÃO FORTES ENGENHARIA S.A. e outras, visando à atribuição de efeito suspensivo a Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro[6], que negou a possibilidade de SPEs com patrimônio de afetação aderirem à recuperação judicial. Transcrevemos abaixo a decisão dada no pedido de tutela provisória:

“…. No caso, a questão central posta a desate cinge-se à definição, à luz da interpretação da legislação infraconstitucional invocada no apelo nobre interposto pela primeira requerente, a respeito da possibilidade de que as Sociedades de Propósito Específico (SPEs) que compõem um mesmo grupo empresarial, ainda que possuam patrimônio de afetação, possam ser submetidas ao processo de recuperação judicial. Pesquisando a base jurisprudencial desta Corte Superior, observa-se que o tema ventilado ainda não foi objeto de exame no âmbito do STJ, não havendo o registro de nenhum precedente específico. Assim, verificada a razoabilidade da tese ventilada, bem como a plausibilidade, ao menos em tese, do direito invocado no apelo nobre interposto, deve ser reconhecida a presença do pressuposto relacionado ao fumus boni iuris na hipótese….”

A jurisprudência que existe sobre o tema é ainda muito incipiente, mas já caminha no sentido de permitir que SPEs sem patrimônio de afetação, possam se utilizar da recuperação judicial para sair da crise pela qual atravessam, enquanto nos casos em que as SPEs adotaram patrimônio de afetação, o entendimento é da incompatibilidade com o regime recuperacional.

A definição desta questão é de grande relevância para todo o mercado imobiliário, sendo importante que o judiciário pacifique a questão de forma definitiva, para que a definição do tema mantenha a segurança aos adquirentes de unidades em construção, conforme idealizado pela Lei n.° 10.931/2004, ao ter criado a figura jurídica do patrimônio de afetação, de forma a garantir que os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atinjam os patrimônios de afetação constituídos.

Rodrigo Elian Sanchez e Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi


Parâmetros da Jurisprudência na Aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados e sua Importância na Adequação das Empresas ao Novo Regramento.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) alterou a natureza das relações entre os titulares dos dados pessoais e os agentes de tratamento, até então meramente fáticas, para serem encaradas como, também, jurídicas[7]. Assim, a LGPD reconheceu direitos aos titulares dos dados pessoais e impôs deveres aos agentes de tratamento dos dados pessoais.

Na medida em que que o titular dos dados pessoais, na maioria dos casos, não possui consciência tecnológica e não compreende os potenciais riscos do tratamento de dados pessoais, o objetivo da nova Lei, a partir da evolução do conceito de privacidade, associado ao direito à liberdade de expressão, foi elevar a proteção de dados pessoais para uma posição em que haja o equilíbrio entre o estado de vulnerabilidade do cidadão, frente aos agentes de tratamento (públicos ou privados).

A partir de primeiro de agosto de 2021, a LGPD passou a ser totalmente operante, com a possibilidade de aplicação das sanções administrativas previstas nos artigos 52, 53 e 54, pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD), que vão desde advertência, com prazo para adoção de medidas corretivas, a multas que podem alcançar a cifra de R$ 50.000.000,00.

Entretanto, mesmo antes das sanções na nova Lei entrarem em vigor, já havia ações judiciais em curso junto ao Poder Judiciário, fundadas na LGPD. Recentemente, a empresa JUIT, especializada no uso de ferramentas autorizadas para fazer varredura em Tribunais, divulgou a existência de 600 ações envolvendo o uso de dados pessoais pelos titulares de empresas[8].

Apesar da ANPD não ter ainda finalizado a regulamentação das sanções previstas na Lei, a análise da jurisprudência é um importante ponto de referência para orientar os agentes de tratamento de dados quanto às medidas necessárias à adequação de seu sistema de tratamento de dados pessoais.

Tendo em vista que o assunto é novo, a maior parte das demandas está ainda em primeira instância, mas recentemente o TJSP, no julgamento do recurso de apelação n. 1003122-23.2020.8.26.0157, decidiu a lide com base na Lei Geral de Proteção de Dados associada às regras de proteção do consumidor.

No caso, um consumidor adquiriu produto, através do website da empresa ré, tendo sido informado horas depois, por um desconhecido, através de Whatsapp, que seus dados pessoais estavam expostos na página eletrônica da ré.

O autor informou que tentou contatar a ré no mesmo dia, porém, sem sucesso, sendo atendido somente dias depois.

A ré, em sua defesa, alegou que o relato do autor demonstraria apenas um equívoco no sistema da empresa, que, muito embora possa ocorrer raramente, são adotados todos os cuidados necessários, de modo que os problemas são imediatamente resolvidos. A despeito de suas alegações, não apresentou provas dos cuidados adotados, mas apenas o link de acesso ao seu site, onde não se verifica nenhuma diretriz em caso de vazamento de dados, sequer indicando o nome do encarregado, conforme comanda o art. 41, da LGPD, em sua política de privacidade.

Para o Tribunal, a empresa não teria justificado adequadamente o evento descrito pelo consumidor. Assim, como o defeito na segurança do website da ré insere-se no próprio risco da atividade desenvolvida, ele concluiu que “(…) a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n. 13.709/2018) dispõe que o operador de dados pessoais deve responder por eventual dano decorrente de falha de segurança, sem prejuízo da aplicabilidade das disposições consumeristas (…)” e condenou a empresa a indenizar o consumidor.

Neste sentido, é importante destacar que o art. 6º, inciso X da LGPD, consagrou o princípio do accountabulity, definido como sendo a “demonstração pelo agente [de tratamento] da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas.”

A prática do accountability está diretamente relacionada ao grau de responsabilização do agente de tratamento de dados e possibilita até mesmo a isenção da obrigação de reparar os danos causados aos titulares de dados quando conseguir demonstrar que não violou a legislação de proteção de dados (art. 43).

Na esteira do que dispõe a LGPD, é possível encontrar decisão em que o agente de tratamento não foi responsabilizado pelo tratamento de dados pessoais.

Como exemplo, cita-se decisão proferida pela justiça do trabalho, na Ação Civil Pública n. 002.0014-30.2021.5.04.0261, movida pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Montenegro contra a JBS.

No caso, a decisão julgou improcedentes os pedidos do sindicato relacionados à LGPD, pois considerou que a empresa logrou êxito em comprovar a adequação de seu procedimento de tratamento de dados pessoais às normas da LGPD, através da juntada aos autos do manual de privacidade, da designação do encarregado pelo tratamento de dados pessoais, da política de privacidade da empresa e da apresentação de cartilhas informativas aos funcionários, além da demonstração do uso de recursos tecnológicos compatíveis para prover a segurança da informação.

A adoção de boas práticas de aderência à Lei pela JBS constituiu o fundamento relevante da decisão, para afastar sua responsabilidade. Apesar da decisão estar sujeita a recurso, ela nos dá um norte sobre as ações do controlador e do operador de dados pessoais consideradas suficientes para minimizar e até mesmo afastar sua responsabilidade por eventuais falhas no tratamento de dados pessoais.

Embora a questão da responsabilidade civil na LGPD deva ser interpretada em cada caso concreto, junto com as normas específicas a depender da relação jurídica (consumidor, trabalhista, tributária, administrativa, etc.), da comparação das duas decisões tratadas neste artigo, em áreas distintas do direito, conclui-se que não basta aos agentes de tratamento de dados pessoais estarem adequados à LGPD, mas sim, serem capazes de comprovarem a eficácia das medidas exigidas pela Lei para a proteção dos dados pessoais e, principalmente, para correção imediata de eventuais falhas verificadas.

Muito provavelmente, estes mesmos parâmetros serão observados pela ANPD na aplicação das sanções administrativas.

Por isto, é de extrema relevância que as empresas não apenas revisem as normas e políticas de segurança da informação, a fim de dotar seu sistema de capacidade de proteção e resposta rápida à vazamentos; revisem os contratos, termos de uso, política de privacidade, a fim de verificar se contém os requisitos mínimos exigidos pela LGPD; elaborem um termo de conformidade com a LGPD para ser assinado por parceiros, fornecedores, prestadores de serviços; implementem campanhas de conscientização dos colaboradores; mas, principalmente mantenham o registro das ações, processos e políticas da empresa para adequação e aprimoramento das medidas de proteção de dados pessoais.

Flávia de Faria Horta Pluchino


TJSP Define que o Valor Venal de Referência não Pode ser Utilizado para Fins de Cálculo do ITBI.

O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (“ITBI”) é um tributo municipal, que tem como fato gerador a efetiva transmissão intervivos, a qualquer título, de bens imóveis sendo que o fato gerador ocorre com o registro da transação perante o Oficial de Registro de Imóveis (conforme entendimento fixado pelo STF em sede de repetitivo). Em outras palavras, na aquisição de bens imóveis, além do comprador pagar o preço acordado, também terá que recolher aos cofres municipais, o ITBI.

No Brasil, o ITBI tem origem histórica de longa data, tendo surgido em 1809, por meio do Alvará 3, de junho do referido ano, com a denominação de imposto da sisa (pela qual este tributo é vulgarmente conhecido até os dias atuais). A primeira previsão constitucional surgiu na Carta de 1891, que estabelecia, em seu art. 9º, inciso 3º, como sendo de competência dos Estados o imposto sobre transmissão de propriedade[9].

Atualmente, é a Constituição de 1988 que prevê a incidência do ITBI, atribuindo aos Municípios a competência para a sua instituição (CF, art. 156, II).

No caso específico do município de São Paulo, o ITBI está previsto na Lei Municipal nº 11.154/91, regulada pelo Decreto nº 31.134/92 e Decreto 37.344/98.

E o art. 7º da Lei 11.154/91, com redação dada pela Lei n° 14.256/2006, prevê que “Para fins de lançamento do Imposto, a base de cálculo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado”.

Apesar da Lei municipal dispor que a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, ou o valor negociado, o Decreto municipal nº 46.228/05, que aprovou o regulamento do imposto, aumentou a base de cálculo do ITBI, ao dispor no art. 8º, que ela deveria corresponder ao valor venal atualizado do imóvel, o chamado “Valor Venal de Referência”.

Em resumo, o Munícipio, através desta manobra, criou para o mesmo imóvel dois valores venais, um que serve de cálculo para o pagamento do IPTU e outro que serve de base de cálculo para apuração do ITBI.

Portanto, na prática, o Município de São Paulo criou outra base de cálculo para o ITBI, distinta da do IPTU e superior a esta última.

Porém, o TJSP, em acórdão proferido no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (“IRDR”) nº 2243516-62.2017.8.26.0000, entendeu ser ilegal para cobrança do ITBI, a instituição de um valor venal distinto daquele utilizado para o IPTU, uma vez que implicaria em afronta ao princípio da segurança jurídica e legalidade, considerando que a alteração de base de cálculo de imposto não pode ser realizada por ato do poder executivo (decreto), mas sim apenas por lei.

E sendo assim, o TJSP fixou a tese jurídica “DA BASE DE CÁLCULO DO ITBI, DEVENDO SER CALCULADO SOBRE O VALOR DO NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO E, SE ADQUIRIDO EM HASTAS PÚBLICAS, SOBRE O VALOR DA ARREMATAÇÃO OU SOBRE O VALOR VENAL DO IMÓVEL PARA FINS DE IPTU, AQUELE QUE FOR MAIOR, AFASTANDO O VALOR VENAL DE REFERÊNCIA”.

Referida decisão ainda não transitou em julgado e foi objeto de recurso especial pelo município de São Paulo (REsp nº 1937821 / SP). O recurso especial ainda não tem previsão de data para julgamento.

A despeito do entendimento do TJSP, a Prefeitura Municipal de São Paulo continua a praticar o valor venal de referência, em descumprimento ao entendimento do E. TJSP, situação que pode ser afastada mediante mandado de segurança junto ao Poder Judiciário.

Em alguns casos, a diferença do ITBI em razão da base de cálculo ilegal, gera graves distorções e nossa equipe está à disposição para assessorar clientes neste tema, realizando a análise caso a caso.

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho


Todos os direitos reservados – Rodrigo Elian Sanchez Sociedade de Advogados S/S.


[1] Movimentação Processual dos TRTs.  Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST, Brasília, 2021. Disponível em:

http://www.tst.jus.br/documents/18640430/24359788/Movimenta%C3%A7%C3%A3o+Processual+TRT+2021.pdf/a81adaf1-f57b-ab99-b6cb-861a0d17d967?t=1616597110913. Acesso em 02, out. 2021.

[2] CÂMARA, Hamilton Quirino. Falência do incorporador imobiliário: o caso Encol. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

[3] TJ-RJ – AI: 00322404220208190000, Relator: Des(a). Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho, Data de julgamento: 30/09/2020, Sétima Câmara Cível, Data de publicação: 08/10/2020.

[4] TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.515429-7/001, Relator(a): Des.(a) Corrêa Junior, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/02/2021, publicação da súmula em 26/02/2021).

[5] “Art. 119. […] IX: os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica, obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer”.

[6]   STJ, PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA nº 3572 – RJ (2021/0265210-4), Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 19 de agosto de 2021.

[7]   TAMER, Maurício Antonio. Processo Civil e Alguns Reflexos da LGPD no Contencioso: os titulares de dados pessoais e os agentes de tratamento em compliance. In Proteção de Dados: desafios e soluções na adequação à Lei. Organiz. Renato Ópice Blum. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 214.

[8] KRUSTY, Ricardo. Justiça já possui 600 decisões envolvendo a LGPD. Juristas, 06 jul. 2021. Disponível em: http://juristas.com.br/2021/07/06/justica-ja-possui-600-decisoes-envolvendo-a-lgpd/. Acesso em 23.08.2021.

[9] CONTI, José Maurício. O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI): principais questões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4n. 361 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1401.

BOLETIM INFORMATIVO – JUNHO DE 2021

Boletim RES, Advogados

Junho de 2021

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: trabalhista, imobiliário, cível e empresarial.

 

No campo do direito trabalhista, abordamos as situações em que o empregador deverá emitir o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) ao empregado contaminado por coronavírus.

 

Na área cível, o artigo trata da fraude à execução, apontando as principais diferenças entre a anulação e a ineficácia do ato fraudulento.

 

No campo do direito imobiliário, o artigo aborda a recente decisão do STJ sobre locação de imóveis através de aplicativos (Airbnb).

 

Por fim, na área de direito empresarial, tratamos do recente projeto de lei aprovado na Câmara do Deputados que institui o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador.

 

Lembramos que em nosso site você pode sempre encontrar notícias atualizadas. Uma boa leitura.

 

 

Índice:

 

 

Direito Trabalhista:

 

Emissão de CAT para empregado contaminado por Covid-19.

Fls…………………..……………………………………………………………………………………….3-4

– Eduardo Galvão Prado

 

 

Direito Cível:

 

Fraude à execução: entre a anulação e ineficácia do ato fraudulento.

Fls………………………………………………………………………………………………………….5-9

– Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Direito Imobiliário:

 

Análise da decisão do STJ sobre locação de imóveis através de aplicativos (Airbnb)

Fls………………………………………………………………………………………………………….10-19

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

Direito Empresarial:

 

PLC 146/2019 – Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador

Fls………………………………………………………………………………………………………….20-25

– Flávia de Faria Horta Pluchino

 

 

 

Emissão de CAT para Empregado Contaminado por Covid-19.

 

É comum a existência de dúvidas sobre a necessidade de emitir o CAT em casos de empregados contaminados pelo coronavírus.

 

Para esclarecer esta questão, é importante lembrar o conceito do CAT e as situações em que deve ser emitido.

 

O CAT é o comunicado para a Previdência Social, da ocorrência de acidente do trabalho ou de doença equiparada a acidente do trabalho e deve ser emitido pelo empregador, quando o acidente ou a doença, ocorrer em virtude das atividades laborais do empregado.

 

Já está pacificado que a Covid-19 pode ser considerada doença ocupacional, quando houver nexo de causalidade entre a contaminação e as atividades laborais.

 

Nas atividades com alto risco de contaminação, como atividades médicas por exemplo, há uma presunção que a contaminação por Covid-19 decorre das atividades laborais, mas essa presunção admite prova em contrário. Neste caso, o empregador deve emitir o CAT, exceto se houver prova que a contaminação ocorreu fora das atividades laborais.

 

Fora as atividades com alto risco de contaminação, o nexo de causalidade deve ser comprovado e neste caso, o empregador só deve emitir o CAT, se houver evidências que a contaminação por Covid-19 ocorreu em decorrência das atividades laborais, como por exemplo, o contato com outro empregado contaminado.

 

Porém, há decisões judiciais minoritárias no sentido de que, pelo fato de o empregador não ter tomado ou não ter comprovado que tomou as providências de prevenção, se presume que a contaminação ocorreu em virtude das atividades laborais e, consequentemente, a contaminação de Covid-19 é considerada doença laboral, com a necessidade da emissão do CAT pelo empregador e sua responsabilização pela doença.

 

Desta forma, para reduzir o risco de ser responsabilizado por eventual contaminação de empregado, é aconselhável que o empregador tome todas as providências possíveis para evitar contaminação no ambiente laboral e, principalmente, registre de todas as formas possíveis as providências tomadas, de forma a afastar entendimentos de presunção de responsabilidade do empregador no caso de contaminação do empregado pelo Covid-19.

 

Eduardo Galvão Prado

 

 

Fraude à Execução: Entre a Anulação e a Ineficácia do Ato Fraudulento.

 

Nas operações imobiliárias, tema recorrente é o exame pelo interessado em adquirir o imóvel, se a aquisição pode ser considerada fraudulenta, ou mesmo se a operação pela qual o atual proprietário adquiriu o bem foi assim considerada.

 

A fraude à execução caracteriza-se quando a alienação de bens é feita já na pendência de um processo cujo desfecho possa conduzir à imposição de medidas sobre o bem alienado[1]. Com essas condutas, o obrigado deseja prejudicar o titular do direito a ser satisfeito, alienando seus bens de modo que, ao final do processo e vencido, já não tenha patrimônio para responder pela dívida ou obrigação.

 

Neste tipo de situação é comum a confusão entre dois conceitos diferentes: nulidade e ineficácia.

 

A nulidade é a consequência de um defeito intrínseco do ato, que o tira a capacidade de produzir os efeitos programados. Em princípio a validade do ato depende do tríplice requisito: agente capaz, objeto lícito e juridicamente possível, e forma obediente à lei (ex. a compra e venda feita por pessoa incapaz é nula).

 

Por outro lado, o negócio pode ser válido, porém não produzir efeitos em face de terceiros (ineficácia). A ineficácia é o fenômeno jurídico pelo qual o ato não produz efeito em relação a algum, ou alguns sujeitos de direito, permanecendo hígido e válido em relação aos demais.

 

Neste sentido, a ineficácia é a técnica utilizada para que a venda fraudulenta não impacte na diminuição do credor em receber seu crédito, após ter se sagrado vencedor em um processo.

 

Assim, o negócio fraudulento produz efeitos em relação ao devedor e ao alienante, porém é ineficaz perante o credor. As fraudes do devedor devem ser encaradas, exclusivamente, pelo prisma do empenho em preservar o bem para a execução, pouco importando ao credor que ele haja passado de um dono a outro, desde que continue à disposição para satisfazer o crédito[2].

 

Por isso, o ato judicial que reconhece a fraude não retira do negócio fraudulento a eficácia programada de transferir a propriedade em favor de terceiro, mesmo que se trate de disposição do bem já constrito. Por outro lado, a anulação do negócio jurídico, seria um prêmio ao devedor alienante e um ônus desproporcional ao terceiro adquirente, que ficaria inteiramente privado do bem.

 

Podemos imaginar a hipótese que após uma operação realizada em fraude à execução ter sido declarada como “nula”, o devedor venha a ter sucesso nos embargos à execução, sendo extinta a execução que gerou a decisão de fraude em razão de prescrição. Neste caso, o bem teria desnecessariamente retornado ao patrimônio do vendedor, em evidente prejuízo ao comprador, que se veria despossuído de bem.

 

Outra hipótese seria de, após satisfeito o crédito com o leilão do bem penhorado, ainda restar saldo (o valor pago para arrematar o imóvel é superior ao do débito que o levou a ser leiloado), sendo que, se anulada a compra e venda fraudulenta, recolocando-se o devedor na posição de dono do bem, a ele seria restituído saldo e não ao adquirente[3]!

 

Outra questão, que é objeto de grandes dúvidas, é a possibilidade do registro de transferência de bem imóvel, após ter sido reconhecida como fraudulenta a operação pela qual o atual proprietário tenha adquirido o imóvel (inclusive com averbação, na matrícula do imóvel, de ineficácia de tal operação).

 

Retomando as premissas deste artigo, a ineficácia não se confunde com a nulidade do ato. Neste sentido, a existência de averbação de ineficácia não impede a alienação do imóvel, nem seu registro.

 

Tal tema já foi objeto de análise pela E. Corregedoria Geral de Justiça do TJSP (autos n.° 1070704-51.2019.8.26.0100, Relatora Dra. Tânia Mara Ahualli), que assim decidiu:

 

[…] “Há ineficácia quando os efeitos do negócio jurídico não se produzem em relação a algum, ou alguns sujeitos de direito, mas se irradiam relativamente a outro, ou outros. […]

Daí ser possível concluir que a declaração de ineficácia, com relação a um sujeito de direito, não acarreta nulidade do negócio, o que resultaria no cancelamento do registro. Neste contexto, a transferência da propriedade permanece existente e válida […].

Ressalto que o reconhecimento da fraude à execução não contamina o registro, já que não lhe tira a validade”.

Em resumo e de acordo com robustos e sólidos entendimentos da doutrina e jurisprudência da E. Corregedoria Geral de Justiça do TJSP, não é necessário o prévio cancelamento de averbação de ineficácia para que o atual proprietário possa vender o imóvel, não obstante o adquirente terá ciência da existência de tal “constrição” sobre o imóvel, que poderá responder ao crédito devido a quem a declaração de ineficácia aproveite.

 

Tais conceitos apesar de vagos, têm grande relevância prática nos negócios imobiliários, não somente em razão da preservação dos interesses dos terceiros adquirentes, como também, em razão de permitir compra de imóvel, em que a operação atual ou anterior possa ser considerada como fraudulenta. Caberá, nesses casos, ao interessado bem assessorado, analisar os riscos e oportunidades de sua eventual aquisição, à luz do valor do débito que gerou ou poderá gerar o reconhecimento da fraude em comparação com o valor do próprio imóvel.

 

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Análise da Decisão do STJ sobre Locação de Imóveis Através de Aplicativos (Airbnb).

 

Conforme abordamos em artigos anteriores, em razão da alta rotatividade e curtos períodos de locação via AIRBNB, surgiram conflitos entre condomínios e proprietários de imóveis que locavam suas unidades através do aplicativo.

 

A questão foi então debatida pelo STJ, em um caso específico e sem efeito vinculante (REsp 1819075/RS), mas que acreditamos, possa influenciar os julgamentos pelos demais Tribunais do país. O caso específico tratou de três questões centrais: (a) se a locação ou sublocação de imóveis pelo período de até 90 dias, a chamada locação temporária prevista em lei, retira a característica residencial do imóvel; (b) se há limite para o direito de propriedade ou se o proprietário pode dar a destinação que quiser ao seu imóvel; (c) se há diferença entre a hospedagem comercial e a locação temporária de imóvel residencial para fins de hospedagem.

 

O Superior Tribunal de Justiça, por três votos a um, decidiu que o condomínio residencial pode proibir que suas unidades sejam disponibilizadas para locação através do Airbnb, conforme ementa abaixo transcrita:

 

“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO RESIDENCIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. LOCAÇÃO FRACIONADA DE IMÓVEL PARA PESSOAS SEM VÍNCULO ENTRE SI, POR CURTOS PERÍODOS. CONTRATAÇÕES CONCOMITANTES, INDEPENDENTES E INFORMAIS, POR PRAZOS VARIADOS. OFERTA POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS ESPECIALIZADAS DIVERSAS. HOSPEDAGEM ATÍPICA. USO NÃO RESIDENCIAL DA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE, COM POTENCIAL AMEAÇA À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À SAÚDE DOS CONDÔMINOS. CONTRARIEDADE À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTINAÇÃO RESIDENCIAL. RECURSO IMPROVIDO.

  1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem.
  2. Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo.
  3. Trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados, sendo a atividade comumente anunciada por meio de plataformas digitais variadas. As ofertas são feitas por proprietários ou possuidores de imóveis de padrão residencial, dotados de espaços ociosos, aptos ou adaptados para acomodar, com certa privacidade e limitado conforto, o interessado, atendendo, geralmente, à demanda de pessoas menos exigentes, como jovens estudantes ou viajantes, estes por motivação turística ou laboral, atraídos pelos baixos preços cobrados.
  4. Embora aparentemente lícita, essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra, ainda, clara definição doutrinária, nem tem legislação reguladora no Brasil, e, registre-se, não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada (art. 48 da Lei de Locações).
  5. Diferentemente do caso sob exame, a locação por temporada não prevê aluguel informal e fracionado de quartos existentes num imóvel para hospedagem de distintas pessoas estranhas entre si, mas sim a locação plena e formalizada de imóvel adequado a servir de residência temporária para determinado locatário e, por óbvio, seus familiares ou amigos, por prazo não superior a noventa dias.
  6. Tampouco a nova modalidade de hospedagem se enquadra dentre os usuais tipos de hospedagem ofertados, de modo formal e profissionalizado, por hotéis, pousadas, hospedarias, motéis e outros estabelecimentos da rede tradicional provisória de alojamento, conforto e variados serviços à clientela, regida pela Lei 11.771/2008.
  7. O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício.
  8. O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV).
  9. Não obstante, ressalva-se a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (de dois terços das frações ideais), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio.
  10. Recurso especial desprovido.

 

De início, importante destacar que, o caso em julgamento foi muito peculiar: os proprietários de duas unidades no condomínio realizaram uma “locação fracionada do imóvel para pessoas sem vínculo entre si, por curtos períodos”. As salas dos apartamentos foram divididas por divisórias de escritório, para criar mais quartos, que eram alugados para pessoas diferentes e sem qualquer vínculo entre si.

 

Para o Tribunal Gaúcho, no julgamento do recurso de apelação, esta situação caracterizou contrato de hospedagem, atividade comercial proibida pela convenção de condomínio.

 

O STJ, ao julgar o recurso especial dos proprietários, manteve o entendimento da instância ordinária. Segundo o voto vencedor, a solução da lide passa pela análise dos conceitos de residência e domicílio, que nos termos da Lei Civil, estão ligados às concepções de permanência habitual e de definitividade anímica.

 

Segundo a Corte Superior, portanto, “os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem. ”

 

Para o STJ, a admissão de terceiros, estranhos entre si, em cômodos existentes nos apartamentos e por curtos períodos, com considerável rotatividade de ocupantes, não se confunde com as espécies tradicionais de locação, nem mesmo com o denominado aluguel por temporada e nem com as usuais modalidades de hospedagem, de modo profissional, realizadas por hotéis, hospedarias, etc.

 

Trata-se, segundo o voto vencedor, de verdadeiro contrato atípico de hospedagem, que ainda não possui regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro. Neste ponto, concluiu a Corte Superior que a hipótese dos autos se subsome aos arts. 1.332 a 1.336, do CC, que, “por um lado, reconhecem ao proprietário o direito de usar, fruir e dispor livremente de sua unidade e, de outro, impõem o dever de observar sua destinação e usá-la de maneira não abusiva, com respeito à Convenção Condominial…”, ao que a Lei Civil concedeu autonomia e força normativa.

 

Assim, uma vez que a Convenção de Condomínio possui regra que impõe destinação residencial às unidades autônomas, procede sua pretensão de vedar o uso destas unidades para fins de hospedagem remunerada, com múltipla e concomitante locação de aposentos existentes nos apartamentos, a diferentes pessoas, por curta temporada.

 

Ao final, o STJ faz importante ressalva – e que entendemos ser relevante destacar a nossos clientes e parceiros – no sentido de que caberia aos condomínios, através de assembleia (com votação de dois terços das frações ideais), deliberar se permite ou não a utilização das unidades para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais.

 

Referido julgamento ainda não foi encerrado, pois em 03/06/2021, o AIRBNB, na qualidade de assistente, opôs embargos de declaração para sanar contradições e erros de fato que entendeu haver no acórdão, principalmente quanto ao reconhecimento da possibilidade dos condôminos, reunidos em assembleia geral, autorizarem ou vetarem a locação nos moldes discutidos, uma vez que esta questão não teria sido suscitada no recurso.

 

Diante dos embargos de declaração, nossa equipe seguirá monitorando este processo a fim de que atualizar os clientes e parceiros assim que for proferida nova decisão.

 

Feita esta análise, é importante mencionar que, em recente matéria jornalística, publicada em 30/02/2021[4], o CEO e cofundador do Airbnb – Brian Chesky -, afirmou que o futuro do Airbnb inclui ‘morar’, e não apenas viajar, destacando que a pandemia de Covid-19 precipitou “a mudança mais profunda nas viagens desde o avião”.

 

Portanto, em um momento em que o mundo todo tenta se recuperar de uma severa crise econômica causada pela Covid-19 e, considerando o enorme impacto econômico que este tipo de negócio tem, com sua capacidade – demonstrada – de gerar renda aos cidadãos, bem como a necessidade de conferir segurança jurídica aos proprietários das unidades, ao condomínio edilício e aos próprios usuários dessa modalidade, é fácil concluir que a regulamentação da matéria é essencial.

 

Neste sentido, se encontra em trâmite na Câmara dos Deputados o projeto de lei n. 2.474/2019, de autoria do Senador Angelo Coronel, que propõe a alteração da Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991, “para disciplinar a locação de imóveis residenciais por temporada por meio de plataformas de intermediação ou no âmbito da economia compartilhada“, com a inserção do art. 50-A ao referido estatuto legal.

 

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

PLC 146/2019 – Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador.

 

Recentemente, em 11 de maio, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do Projeto de Lei Complementar nº 146/2019, conhecido como Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador, com a aprovação de sete, das dez emendas do Senado Federal. O projeto, agora, segue para sanção presidencial.

 

Referido projeto de lei tem como objetivo favorecer o ambiente de negócios inovadores e trazer maior segurança jurídica para empreendedores e investidores, mediante a desburocratização do setor das startups e da denominada nova economia.

 

A nova economia diz respeito às transformações pelas quais o mercado e as empresas estão passando, em um contexto de mudanças cada vez mais velozes, relacionadas à chamada 4ª revolução industrial.

 

Segundo Saty Nadella, CEO da Microsoft, ao escrever o prólogo do livro Aplicando a Quarta Revolução Industrial, de KLAUS SCHWAB (2019), “Os dados, o enorme armazenamento computacional e o poder cognitivo transformarão a indústria e a sociedade em todos os níveis, criando oportunidades antes inimagináveis, desde a saúde e a educação, até a agricultura, a indústria e os serviços.[5]

 

As diferentes tecnologias emergentes (robótica avançada, inteligência artificial, análise preditiva) transformarão, ao longo do tempo, a forma como nos comunicamos, colaboramos e desfrutamos do mundo que nos rodeia[6] e para acompanhar esta mudança na forma de se pensar a sociedade e seus modelos econômicos, é indispensável criar um ambiente que impulsione formatos inovadores de empreendedorismo e negócios disruptivos. E isto somente pode ser alcançado em um ambiente que traga segurança jurídica aos empreendedores e seus investidores.

 

O principal player da nova economia são as startups, “(…) empresa que nasce a partir de um modelo de negócio ágil e enxuto, capaz de gerar valor para seu cliente resolvendo um problema real do mundo real. Oferece uma solução escalável para o mercado e, para isso, usa tecnologia como ferramenta. ” [7]

 

A startup não é um tipo societário. Ao contrário, ela é modelo de negócios que pode adotar qualquer um dos tipos societários próprios das sociedades personificadas: sociedade simples, sociedade de responsabilidade limitada e até a sociedade anônima. A startup pode, também, se constituir como empresário individual ou cooperativa.

 

A característica mais forte de uma startup é inovar. Ocorre que empresas que desenvolvem modelos de negócios inovadores, são normalmente jovens e precisam captar recursos financeiros para experimentarem suas inovações no mercado. Ao mesmo tempo, atuam em um cenário de extrema incerteza e, consequentemente, de alto risco, o que dificulta a captação de investidores nos modelos tradicionais de negócios.

 

Surge, então, a figura do investidor-anjo, emprestada dos empresários que na década de 20 bancavam os altos custos das produções teatrais da Broadway e participavam de seu retorno financeiro, sem assumirem nenhuma responsabilidade perante fornecedores, artistas, teatro, etc.

 

No ramo do empreendedorismo, o investidor-anjo é pessoa física experiente, que investe o próprio patrimônio (cerca de 5% a 10%), seus conhecimentos e sua rede de contatos em empresas nascentes com alto potencial de crescimento, para alavancar o negócio, em troca do direito a um percentual deste, a ser combinado em contrato de participação.

 

Esta figura foi prevista no direito brasileiro pela Lei Complementar 155/2016, que introduziu o art. 61-A na Lei Complementar 123/2006. A parti daí, houve a primeira contribuição para construção de um modelo legal voltado ao fomento de negócios inovadores. Entretanto, para o efetivo aprimoramento do ambiente desses novos negócios no país, era necessário instituir um processo de regulação adequado.

 

O Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador, portanto, assume relevante papel de incentivar e favorecer o ambiente desses negócios no país, ao estabelecer normas que garantam ética, transparência e, como consequência, segurança jurídica, sem interromper o desenvolvimento ou dificultar a inserção de criações inovadoras.

 

Os pontos mais relevantes para dar efetividade à esta nova forma da sociedade se relacionar e criar valor podem ser enumerados da seguinte forma:

  1. a) definição de investidor-anjo, prevista no art. 2º, inc. I, como o investidor que não é considerado sócio, não tem qualquer direito à gerência ou a voto na administração da sociedade, não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes;
  2. b) criação de um ambiente regulatório experimental, denominado sandbox, voltado à exploração de modelos de negócios inovadores e ao teste de técnicas tecnológicas experimentais, onde as entidades reguladoras ficam autorizadas as suspender temporariamente para as startups determinadas regras exigidas para empresas que atuam no setor (art. 2º, inc. II);
  3. c) a definição de startups e dos critérios para o enquadramento na modalidade de tratamento especial destinado a este modelo de negócios (art. 4º, §1º);
  4. d) a possibilidade das startups admitirem o aporte de capital de pessoa física ou jurídica, mediante contratos conversíveis em participação societária, sem que o investidor se torne sócio da sociedade, exceto após a conversão do instrumento de aporte em efetiva participação societária (art. 5º, §§1º e 2º);
  5. e) prerrogativa do investidor pessoa física de redução tributária, nos termos do art. 7º;
  6. f) o afastamento da responsabilidade do investidor por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial e em desconsideração da personalidade jurídica nas esferas civil, trabalhista, consumerista e fiscal (art. 8º, inc. II).

 

Para serem enquadradas na modalidade de tratamento especial instituída pelo Marco Legal, as empresas deverão obedecer aos seguintes requisitos: i) ter receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou até R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil, trezentos e trinta e quatro reais) por mês no ano-calendário anterior, quanto a empresa esteja em funcionamento há menos de 12 meses; ii) ter no máximo 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ; e iii) declaração em seu ato constitutivo ou alterador de utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços ou estar enquadrada no regime especial Inova Simples, tendo se autodeclarado como startup.

 

A nova revolução tecnológica está reformulando a economia global e as sociedades como um todo e para acompanhar estes novos paradigmas, tornou-se essencial aos países se capacitarem para conseguirem gerenciar os riscos e as complexidades desse novo modelo.

 

Neste aspecto, entendemos que o PLC 146/2019, representa um importante marco inicial na estruturação de um ambiente de negócios no país, favorável aos investimentos em inovação.

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

Todos os direitos reservados – Rodrigo Elian Sanchez Sociedade de Advogados S/S.

 

[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Malheiros Editores, 2019, p. 404.

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Malheiros Editores, 2019, p. 408.

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Malheiros Editores, 2019, p. 409.

[4] https://www.moneytimes.com.br/ceo-diz-que-futuro-do-airbnb-inclui-morar-nao-apenas-viajar/

[5] SCHWAB, Klaus. Aplicando a Quarta Revolução Industrial. [livro eletrônico]. Klaus Schwab, Nicholas Davis; prefácios de Satya Nadella, João Dória; tradução Daniel Moreira Miranda – São Paulo: Edipro, 2019.

[6] Ob. citada. P.

[7] https://abstartups.com.br/definicao-startups/.

BOLETIM INFORMATIVO – FEVEREIRO DE 2021

Boletim RES, Advogados

Fevereiro de 2021

 

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: digital, imobiliário, cível e societário.

 

No campo do direito digital, abordamos as principais características da Lei Geral de Proteção de Dados, em seu início de vigência.

 

No campo do direito imobiliário, recente decisão do STF que reviu precedente vinculante do próprio STF pela constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador do contrato de locação comercial é objeto de análise, bem como a insegurança jurídica gerada.

 

Na área cível, o artigo trata da abusividade da exclusão dos dependentes de planos de saúde familiar, que permaneceram como beneficiários por décadas após terem atingido a idade limite.

 

Por fim, na área de direito societário, do abuso dos sócios minoritários nas sociedades empresárias.

 

Lembramos que em nosso site você pode sempre encontrar notícias atualizadas. Uma boa leitura.

Índice:

 

 

Direito Digital:

 

Lei Geral de Proteção de Dados.

Fls…………………..……………………………………………………………………………………….3-6

– Eduardo Galvão Prado

 

 

Direito Imobiliário:

 

A (Im)penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação comercial e o RE 605.709 do STF.

Fls……………………………………………………………………………………………………………7-14

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Direito Cível:

 

Abusividade da exclusão de dependentes de planos de saúde familiar, após longo período em que atingiram a idade limite.

Fls………………………………………………………………………………………………………….15-18

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

Direito Empresarial:

 

O bloqueio abusivo pelos sócios minoritários nas sociedades empresárias.

Fls………………………………………………………………………………………………………….19-27

– Flávia de Faria Horta Pluchino

 

 

Lei Geral de Proteção de Dados. 

 

A Lei Geral de Proteção de Dados – “LGPD” (Lei Federal nº 13.709/2018), entrou em vigor no dia 18/09/2020, sendo um marco regulatório de grande relevância.

 

A LGPD regulamenta a utilização de dados pessoais na posse de terceiros, tanto em meios físicos quanto em plataformas digitais. O objetivo da lei é de proteção dos direitos fundamentais da liberdade, privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade do titular dos dados.

 

O titular dos dados pessoais protegidos é a pessoa física a quem se referem os dados, e o controlador é a empresa ou órgão público ou privado ou mesmo uma pessoa física, que possui os dados e de acordo com a lei, é responsável por seu tratamento.

 

O conceito de dado pessoal abrange qualquer informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável, inclusive os dados pessoais sensíveis: informação sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.

 

O tratamento, consiste na coleta e recepção dos dados pessoais, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração.

 

Para cumprir sua finalidade, a lei estabeleceu direitos aos titulares dos dados pessoais, bem como, deveres e responsabilidade aos controladores, que devem zelar principalmente, pela privacidade dos dados.

 

O controlador apenas poderá manter a posse de dados pessoais de um terceiro, nas hipóteses previstas na lei. As principais são: obrigação legal para o controlador possuir os dados; consentimento dos titulares, que pode ser revogado a qualquer momento; contratos realizados entre o controlador e o titular dos dados; utilização das informações em processos (judiciais, administrativos ou arbitrais), quando necessárias para a defesa de direitos do controlador; utilização para a proteção da saúde do próprio titular, proteção de crédito entre outras situações.

 

O titular, sempre terá direito ao acesso facilitado das informações sobre a utilização dos seus dados pessoais, como a finalidade, a forma e duração da utilização, identificação e contato do controlador entre outras informações.

 

Após o tratamento, os dados devem ser eliminados, salvo se houver consentimento do titular pela manutenção ou algumas situações previstas na lei, em que o controlador poderá permanecer com os dados. Nessas situações, sempre que possível, os dados devem ser anonimizados, que é a exclusão de elementos que identifiquem o titular.

 

A fiscalização para garantir o cumprimento da lei, será realizada pela autoridade nacional de proteção de dados que, em caso de violação poderá aplicar multa de até cinquenta milhões de reais, bem como, pelos titulares dos dados, que poderão buscar a reparação dos danos, através de processo judicial.

 

De acordo com a lei, as sanções administrativas aplicadas pela autoridade nacional de proteção de dados, como a multa, poderão ocorrer apenas a partir de agosto de 2021, porém, como a lei está vigente desde 18/09/2020, os titulares dos dados já podem ingressar com medidas judiciais em caso de violação dos seus direitos.

 

Portanto, as empresas e órgãos, públicos ou privados, devem se adequar às normas estabelecidas na lei, para evitar possíveis sanções.

 

A nova legislação é bastante complexa e a consulta de especialistas é necessária, diante de questões complexas como: aplicação da LGPD em hipóteses em que os dados tenham sido coletados em território nacional e o controlador tenha sua sede em outro país ou lá estejam localizados os dados; hipóteses de não aplicação da LGPD em razão do tratamento ser realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos; ou para fins exclusivamente: jornalístico, artísticos ou acadêmicos, segurança pública, entre outras exceções previstas no art. 4° da novel legislação, ou até mesmo a polêmica questão em relação à extensão da proteção dada aos dados das pessoas naturais às pessoas jurídicas[1].

 

Eduardo Galvão Prado

 

 

A (Im)penhorabilidade do Bem de Família do Fiador do Contrato de Locação Comercial e o RE 605.709 do STF.

 

 

De acordo com a legislação brasileira o fiador do contrato de locação não tem a proteção da impenhorabilidade do bem de família.

 

Tal possibilidade, advém da lei de locações urbanas (Lei n.º 8.245/91) ter alterado a redação do art. 3° da Lei n° 8.009/1990 (que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família), e ter incluído entre as exceções a impenhorabilidade, a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

 

Em outras palavras, existindo débito locatício, o fiador poderá responder, inclusive, com seu imóvel residencial, que poderá ser penhorado e posteriormente leiloado ou adjudicado, para quitação do débito locatício.

 

Tal regra foi convalidada pela jurisprudência, tendo sido sua inconstitucionalidade, arguida intensamente perante os tribunais de justiça estaduais.  Alguns processos que tratavam desta questão chegaram até os tribunais superiores: STJ e STF.

 

A questão é realmente de alta indagação, diante dos direitos que estão em jogo. Não são poucos os que defendem que o cidadão não se pode despojar o fiador e sua família do refúgio de sua residência para, mediante expropriação forçada, converter o bem de família em pecúnia, a fim de satisfazer o crédito do locador. Nessa linha de pensamento, se autorizada a penhora do bem de família do fiador, estaria por esvaziar o princípio da solidariedade e a absoluta indiferença com a dignidade do garantidor e sua família, diante da sobreposição de um direito disponível – crédito – sobre um direito fundamental – moradia.

 

Contudo, a jurisprudência da Suprema Corte firmou-se no sentido da constitucionalidade do artigo 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990, em face do artigo 6º da Constituição Federal, que consagra o direito à moradia.

 

“FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.” (RE 407.688, Rel. Min. CEZAR PELUSO, TRIBUNAL PLENO, DJ 06.10.2006) ”.

 

Ainda o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, em 2010, ao julgar o recurso paradigma RE 612.360, resolveu a questão, em sede de repercussão geral (tema 295/STF) tendo firmado a seguinte tese:

 

É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, em virtude da compatibilidade da exceção prevista no art. 3°, VII, da lei 8.009/90 com o direito à moradia consagrado no art. 6° da CF, com redação da EC 26/20“.

 

Posteriormente, a segunda seção do Superior Tribunal de Justiça, em 2014, ao julgar o REsp 1363368/MS pela sistemática dos recursos repetitivos (tema 708/STJ) também entendeu legítima a penhora do bem de família do fiador de contrato de locação, tendo fixado a seguinte tese:

 

“É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da lei 8.009/90”.

 

A “pá de cal” veio em 2015, quando o Superior Tribunal de Justiça pacificou de vez a questão com a publicação da súmula 549: É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação“.

 

Os precedentes do STJ, tanto o REsp 1.363.368/MS, que serviu de paradigma para o tema 708/STJ, quanto os recursos: AgRg no AREsp 624.111/SP; REsp 1.363.368/MS; AgRg no AREsp 160.852/SP; AgRg no AREsp 31.070/SP; AgRg no Ag 1.181.586/PR; e AgRg no REsp 1.088.962/DF, tiveram, na origem, a possibilidade da penhora do bem de família do fiador em locação comercial.

 

A questão estava pacificada, quando em 12 de junho de 2018, a 1ª turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 605.709,  aplicou o distinguishing[2], conheceu referido recurso e deu provimento por entender que os precedentes do STF tratavam de casos em que a penhorabilidade do bem de família do fiador tinha como origem contratos de locação residenciais, sendo que o caso versado no RE 605.709 se tratava de hipótese diversa: contrato de locação comercial.

 

Em resumo, em referido julgamento, o STF reviu sua posição e declarou inconstitucional a penhora do bem de família do fiador de contrato de locação comercial, mesmo que a Lei de locações urbanas não faça distinção entre a locação residencial e comercial.  A decisão se deu pela maioria de 3 x 2, tendo votado pela tese vencedora a Ministra Rosa Weber, Redatora para o acórdão, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Relator, e Luís Roberto Barroso.

 

Em face de tal acórdão foi interposto embargos de divergência, tendo sido suscitado que o julgamento diverge do precedente fixado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, no RE 612.360, processo paradigma que originou o Tema n. 295, que tratava especificamente de locação de imóvel comercial. Tal recurso está pendente de julgamento.

 

Não obstante, a decisão do STF no RE 605.709 já tem causado grande insegurança jurídica no mercado de locações urbanas. Isso porque, a jurisprudência que era pacífica até recentemente, já apresenta divergências:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de Despejo c.c. Cobrança. Locação não residencial. Fase de cumprimento de sentença. Penhora que recaiu sobre imóvel de propriedade da fiadora coexecutada, que opõe Exceção de Pré-executividade, com arguição de impenhorabilidade do bem, sustentando tratar-se de “bem de família”. Decisão que rejeita a Exceção, autorizando o prosseguimento do cumprimento de sentença. INCONFORMISMO deduzido no Recurso. ACOLHIMENTO. Direito fundamental à moradia que se sobrepõe aos interesses da livre iniciativa, justificando-se a prevalência da impenhorabilidade do “bem de família”, a despeito da previsão do artigo 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/90, por versar a execução débito decorrente de locação de imóvel não residencial. Aplicação do entendimento adotado pelo C. Supremo Tribunal Federal no RE nº 605.709/SP. Decisão reformada. RECURSO PROVIDO[3].

 

A verdade é que a recente decisão do STF mesmo que tenha por trás as melhores intenções, implicou na alteração de precedentes fixados pela própria corte, sem o devido cuidado e observância dos procedimentos; o quê infunde imensa insegurança jurídica.

 

O STF se utilizou do distinguishing para superar os precedentes, porém para se utilizar de tal técnica seria necessário à 1° Turma do STF o ônus argumentativo de demonstrar que os casos paradigmas em que foram fixados os precedentes tratavam exclusivamente de casos de locação residencial, bem como que a razão de decidir pela constitucionalidade da regra da penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, residiu nesta peculiaridade.

 

Tal premissa cai por terra quando se verifica que no caso do RE nº 612.360/SP, o litígio tinha com pano de fundo locação comercial.

 

De outra banda, o que se verifica é que tanto o julgamento do RE 407.688, (Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, dj 06.10.2006), como do RE nº 612.360/SP (Rel. Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, dj 16.09.2010), não se fundam, exclusivamente, na tese de que a robustez da garantia fidejussória viabiliza o direito à moradia, na medida em que os proprietários se sentem mais atraídos para colocar imóveis à locação, bem como em razão da fiança não ter custo (ao contrário de caução ou garantias bancárias) e ser mais acessível aos locatários.

 

Pela leitura dos votos se verifica que a colegiado entendeu existir conflito normativo entre a proteção da moradia e a proteção do direito fundamental da autonomia da vontade (pelo qual alguém pode dispor de seu bem oferecendo-o em garantia), bem como que o direito de propriedade não se confunde com o direito de moradia.

 

Em resumo, entendemos que a forma com que a superação dos precedentes ocorreu não observou as cautelas e procedimentos devidos. Devemos lembrar, que o Código de Processo Civil de 2015 almeja a construção de regime dos precedentes, sendo que a regra contida no art. 926 do referido código destaca a necessidade de os tribunais uniformizarem a sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

 

É imprescindível, portanto, que os próprios tribunais que estabelecem as decisões vinculantes “mantenham uma jurisprudência razoavelmente estável“.  Porém, no caso do julgamento do RE 605.709 o que chama a atenção é que a 1° turma do STF não seguiu tese fixada pelo seu próprio plenário, sem observar os devidos cuidados.

 

Neste sentido o deslinde do julgamento do RE 605.709, ganha contornos que vão muito além do mercado imobiliário e que servirão para demonstrar o “compromisso” do judiciário com a construção e um verdadeiro sistema de precedentes.

 

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Abusividade da Exclusão de Dependentes de Planos de Saúde Familiar, Após Longo Período em que Atingiram a Idade Limite:

 

 

Nos contratos de plano de saúde familiar existe a figura do titular e dos dependentes (estes últimos, geralmente, cônjuge e filhos). No que se refere aos filhos, os contratos geralmente preveem idade limite (via de regra, 25 anos), que, quando atingida, acarreta a exclusão dos dependentes do plano.

 

Ocorre que, não raras vezes, mesmo atingindo a idade limite, o plano de saúde simplesmente deixa de excluir os dependentes, fazendo com que estes continuem como beneficiários do titular.

 

Tal inércia das operadoras, quando se consolidam por longos anos, criam expectativas e o que tem ocorrido na prática é que, não mais do que de repente, estes dependentes são surpreendidos com uma carta do plano de saúde os informando que perderam a elegibilidade prevista no contrato de plano de saúde individual/familiar, não sendo permitida sua permanência como dependentes.

 

Não é preciso mencionar as diversas vicissitudes geradas por tal situação, já que, junto com a notícia da exclusão, é informado prazo peremptório, em torno de 60 (sessenta) dias, a contar do recebimento da carta, em que, escoado, são os dependentes excluídos do plano, sendo que, são notórias as dificuldades para ingressar em um novo plano de saúde, notadamente por conta de novos prazos de carência, além do alto custo para novas contratações.

 

Ocorre que, em casos assim, ou seja, quando se trata de contratos familiares, em que os dependentes permanecem como beneficiários do plano por longo período após terem atingido a idade limite, o Judiciário tem entendido que a exclusão é abusiva.

 

Em outras palavras, quando, durante anos posteriores ao implemento da idade, os dependentes são mantidos como beneficiários do plano, usufruindo de sua cobertura e cumprindo com seus deveres de forma correta e pontual – inclusive com o pagamento de mensalidades, fica caracterizada a supressio, que decorre do não exercício de determinado direito por seu titular, no curso da relação contratual, gerando para a outra parte, em virtude do princípio da boa-fé objetiva, a legítima expectativa de que não mais se mostrava sujeito ao cumprimento da obrigação.

 

No caso, ao manter os dependentes do plano de saúde por longo período após terem completado a idade limite, o plano de saúde gera a legítima expectativa de que renunciou ao exercício da cláusula que autorizaria a exclusão, não sendo razoável que o plano de saúde escolha o momento para exercício da faculdade contratual, pois, se assim fosse, os beneficiários ficariam em situação de extrema vulnerabilidade e desequilíbrio contratual.

 

Na linha do que foi explicado acima, em recente caso patrocinado por nosso escritório, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou a manutenção dos beneficiários no plano, vejam:

 

“Ação cominatória. Restabelecimento de plano de saúde. Beneficiários dependentes da titular do plano. Plano que foi cancelado sob o argumento de ausência de elegibilidade dos Autores. Questão que não pode ser a eles imputada. Incidência do princípio da boa-fé objetiva. Inércia por longo período da Ré em exigir o cumprimento de cláusula contratual. Inadmissibilidade da resilição unilateral em casos de contratos individuais/familiares, observado o artigo 13 da Lei 9.656/98. Restabelecimento do plano de saúde dos Autores que é medida de rigor. Sentença de procedência mantida. Honorários sucumbenciais majorados para 15% do valor da causa (art. 85, § 11, do CPC). Recurso não provido. (TJSP – Apelação nº 1015151-85.2020.8.26.0002 – 3ª Câmara de Direito Privado – Des. Rel. João Pazine Neto – J. 03/11/2020) ”.

 

A questão se relaciona, na essência, com a segurança jurídica e proteção da confiança, fundamental para evitar distorções de direitos legitimamente constituídos e considerando que a: “segurança jurídica é um valor constitutivo do Direito, visto que sem um mínimo de certeza, de eficácia e de ausência de arbitrariedade não se pode, a rigor, falar de um sistema jurídico. [4]

 

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

            

O Bloqueio Abusivo pelos Sócios Minoritários nas Sociedades Empresárias.

 

1. O princípio majoritário e a proteção das minorias:

 

O cerne do direito societário brasileiro é o princípio da cooperação, que decorre do fenômeno associativo. Ainda que o objetivo final da reunião de pessoas para desenvolver um negócio seja o lucro, a forma como este objetivo será alcançado perpassa pelos diferentes interesses individuais de cada sócio.

 

Neste sentido, as normas de organização societária têm como finalidade harmonizar os interesses conflitantes das partes que se juntam para constituir uma sociedade.

 

Dentre estas normas, merece destaque aquelas que organizam o processo jurídico de formação da vontade coletiva.

 

No direito brasileiro, adotou-se o sistema majoritário, segundo o qual, o acionista ou sócio que possuir a titularidade de metade das ações ou quotas mais uma, tem o poder de comandar a sociedade e definir os rumos dos negócios sociais.

Conforme ensina KOMPARATO (2008, p. 60), o princípio majoritário parte do postulado que a sociedade existe no interesse dos sócios e, como ninguém, em princípio, está investido da prerrogativa de decidir pelos interesses alheios, prevalece sempre a vontade do maior número, julgando cada qual seu próprio interesse.

 

Entretanto, a adoção do sistema majoritário não significa constranger a minoria e desprezar seus interesses. Desta forma, como contraposição do princípio majoritário, surgem as regras de proteção da minoria, que impõem deveres e limites à atuação da maioria, a fim de se evitar que ela, por comandar os rumos sociais, conduza os negócios em prol exclusivamente de seus interesses particulares, com o esvaziamento do processo de deliberação assemblear.

 

As regras de proteção à minoria, portanto, são a forma encontrada pela doutrina e pela Lei para se evitar que os minoritários se tornem meros acompanhantes ou assistentes dos majoritários, sem jamais deterem a possibilidade de influenciar a política societária.

 

Segundo Marcelo Vieira Von Adamek, citando os ensinamentos de Herbert Wiedemann:

 

“(…) A função de proteção da minoria é evitar riscos de uma desigualdade de tratamento, quando a relação de supremacia e subordinação se torna uma relação estável de dominação. ”[5]

 

Integram o rol de proteção à minoria, os direitos formais de minoria, tais como os que exigem determinado quórum de votação ou de capital para o seu exercício, tais como, quórum de 5% para convocação de assembleia geral, ante à recusa dos administradores em atenderem, no prazo de 8 dias, o pedido de convocação que os minoritários apresentarem; mesmo quórum para convocar assembleia geral destinada à instalação do Conselho Fiscal; e, ainda, a exigência de que no processo de cisão, as ações integralizadas com parcelas de patrimônio da companhia sejam atribuídas a todos os titulares na mesma proporção das ações/quotas que detinham na companhia cindida, de modo a evitar que a maioria possa reservar para si a melhor parte da sociedade cindida e aos minoritários as partes indesejadas.

 

Além destes, há também os direitos substanciais de minoria, que compreendem a garantia da minoria de requerer o voto múltiplo, que lhe permitirá participar da administração social; a exigência de maiorias qualificadas para a sociedade decidir sobre matérias relevantes, onde a efetiva participação da minoria no processo decisório se torna indispensável; a possibilidade de sua participação nos órgãos de fiscalização e de administração, além do controle administrativo e judicial dos atos da maioria.

 

2. O abuso da minoria do direito brasileiro:

 

Apesar da preocupação do direito societário com os mecanismos de proteção à minoria, não se pode ignorar o fato de que ela também pode utilizar suas prerrogativas e direitos de forma desleal e abusiva, em prejuízo à sociedade.

 

Em outras palavras, assim como o poder majoritário é exercido no limite do interesse social, também os direitos dos minoritários encontram neste os limites de seu exercício. Ambos representam o mesmo espectro do dever de lealdade, regra geral de conduta para a delimitação de interesses e poderes de sócio.

 

Na sociedade, deve-se respeitar o interesse do sócio que não se contraponha ao escopo comum de realização do objeto social com fim lucrativo.

 

Justamente aí se insere a regra geral de conduta enunciada pelo dever de lealdade: o sócio deve se abster de qualquer comportamento que, de alguma forma, possa impedir a realização pela sociedade do fim social, independentemente de sua condição de majoritário ou minoritário.

 

O abuso da minoria, portanto, é o uso dos direitos e prerrogativas conferidos aos minoritários, como meio para perseguir interesses individuais que contrariam ao interesse social.

 

Várias são as formas de abusos das posições minoritárias, sendo que a maneira mais comum é através do bloqueio abusivo, que é o foco deste trabalho e será melhor demonstrado a seguir.

 

3. Abuso do direito de voto: imposição da vontade minoritária pelo bloqueio abusivo:

 

O bloqueio abusivo, também chamado abusos negativos da minoria, ocorre quando os minoritários, exercem seu direito de voto de modo a impedir que a política almejada pela maioria possa se desenvolver.

Segundo aponta ADAMEK (2010, p. 246), o obstrucionismo pode se manifestar através do bloqueio expresso em votos contrários à proposta submetida à deliberação; pelo não comparecimento ao conclave ou pela abstenção dos minoritários presentes, quando seu voto é indispensável à aprovação da matéria; e através do distúrbio, do tumulto promovido intencionalmente pelos sócios reunidos em assembleia, visando obstar o processo decisório.

 

Exemplo prático de obstrução abusiva pode ser verificado na deliberação sobre contas da administração e demonstrações financeiras do exercício social.

 

Como na deliberação sobre as contas e as demonstrações financeiras, os sócios administradores estão impedidos de votar, a minoria pode se encontrar numa situação em que definirá sozinha o resultado da deliberação, ocasião em que por capricho ou para tentar valorizar seu “passe” dentro da sociedade, sem apresentar qualquer justificativa, pode rejeitar as referidas contas.

 

Esta situação traz evidentes problemas à gestão social, pois impede, no plano interno, a distribuição de lucros e, no plano externo, gera descrédito da sociedade perante o mercado, dificultando o desenvolvimento do escopo social.

Esta mesma situação abusiva pode ser verificada quando a minoria hostil, antevendo a impossibilidade de impor a sua vontade na deliberação social, promove tumulto no ambiente em que os sócios estão reunidos, de modo a obstruir os debates e as deliberações.

 

E, também quando o minoritário, ciente da essencialidade de seu voto, se abstém ou se recusa a aprovar aumento de capital necessário à continuidade da empresa, em montante compatível e por preço justificado, apenas porque pretende fazer prevalecer interesse pessoal. Aqui, é importante revelar que nem mesmo o receio da minoria em ver diluída a sua participação social justifica a oposição a um aumento essencial à sobrevida da sociedade.

 

Exceto se restar demonstrado que o aumento não seja a solução para o problema, a recusa ou a abstenção do minoritário será considerada abuso negativo.

 

É certo que nenhuma destas condutas são toleradas à luz do dever societário de lealdade. Entretanto, não é qualquer oposição da minoria que se configura exercício abusivo do direito de voto. Fosse isto possível, haveria o esvaziamento do processo de deliberação e o minoritário se tornaria mero espectador e acompanhante da maioria, justamente a situação que se busca evitar.

Assim, a configuração do bloqueio abusivo depende de demonstração da intenção dissociada do escopo comum da sociedade, cuja sanção vai desde o afastamento do voto abusivo à responsabilização por perdas e danos e suprimento de declaração de vontade não emanada, culminando com a exclusão dos sócios minoritários, por decisão da sociedade ou até mesmo judicialmente.

 

4. Conclusão:

 

Conquanto seja o abuso da maioria o foco de atenção do direito societário brasileiro, é certo que a mesma correlação entre poder e responsabilidade permite abusos dos minoritários, pelo uso desleal dos direitos e prerrogativas instituídos para sua proteção.

 

A forma mais comum dos minoritários exercerem abusivamente suas prerrogativas é através do denominado bloqueio abusivo, que ocorre quando a minoria exerce seu direito de voto apenas com vistas em interesses individuais e em detrimento do interesse social, impedindo que a política almejada pela maioria possa se desenvolver.

 

Entretanto, o abuso da minoria não é presumível e ainda que o controlador seja muitas vezes tentado a enquadrar qualquer recusa dos minoritários como conduta abusiva, justamente porque as sanções previstas são gravíssimas, é necessária sua comprovação por aquele que procura afastar o direito de voto do sócio.

 

Assim, mesmo sendo uma realidade no âmbito societário brasileiro, o enquadramento do exercício do voto abusivo por parte de um minoritário, depende de criteriosa análise caso a caso, não ficando ao arbítrio da maioria controladora sua definição.

 

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

  1. VON ADAMEK, Marcelo Vieira. Abuso de Minoria em Direito Societário: abuso das posições subjetivas minoritárias. Tese (Doutorado em Direito Comercial). Universidade de São Paulo. 2010.
  2. AMENDOLARA, Leslie. Direito dos Acionistas Minoritários. 2a. ed. São Paulo: Quartier Latan, 2002.
  3. KOMPARATO, Fábio Konder e SALOMÃO FILHO, Calixto. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 5a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

 

 

Todos os direitos reservados – Rodrigo Elian Sanchez Sociedade de Advogados S/S.

 

 

[1] MARTINS, Gustavo Afonso. A relação entre a pessoa jurídica e a LGPD. Consultor Jurídico. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2020-set-28/gustavo-martins-relacao-entre-pessoa-juridica-lgpd> . Acesso em 04.jan de 2021.

[2] De forma muito superficial podemos dizer que o distinguishing é a prática de não aplicar dado precedente vinculante por se reconhecer que a situação sub judice (aquela que se está julgando imediatamente) não é semelhante (análogo) aos casos em que foram fixados os precedentes.

[3] TJSP, Agravo de Instrumento nº 2147197-95.2018.8.26.0000, 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Relatora Daise Fajardo Nogueira Jacot, d.j. 25 de setembro de 2018.

[4] ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 354 e 355.

[5] VON ADAMEK, Marcelo Vieira. Abuso da Minoria em Direito Societário (abuso das posições subjetivas minoritárias). Tese (Doutorado em Direito Comercial). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. p. 39.

BOLETIM INFORMATIVO – AGOSTO DE 2020

Boletim RES, Advogados

Agosto de 2020

 

Prezados,

 

Neste boletim trazemos artigos nas áreas trabalhista, imobiliária, cível e processual.

 

No campo do direito do trabalho, abordamos a possibilidade de responsabilização do empregador por contaminação de empregados pelo Covid-19 e sobre quem recai o ônus da prova, tomando como base a situação fática e o risco da atividade exercida pelo empregado.

 

No campo do direito imobiliário, foi dado continuidade ao artigo anteriormente escrito, sendo que neste artigo, foi abordado, precisamente, a atual jurisprudência trabalhista com relação a fraude à execução e seus efeitos às operações imobiliárias, diante da Lei 13.097/2015 e do CPC/2015.

 

Na área cível, o assunto tratado foi a lei que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus, através da análise do veto presidencial especificamente aos artigos 6º 7º e 9º, que tratavam da resilição, resolução e revisão dos contratos, bem como proibia a concessão de liminar no âmbito das ações de despejo em algumas situações do art. 59, §1º, da Lei 8.245/1991.

 

Por fim, na área de direito processual, tratamos sobre a responsabilidade pelos honorários de sucumbência na extinção da ação de execução pela declaração da prescrição intercorrente, principalmente sua interpretação pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

 

Lembramos que em nosso site você pode sempre encontrar notícias atualizadas.

 

Uma boa leitura.

 

 

 

Índice:

 

 

Direito Trabalhista:

Covid 19 – Possibilidade de Responsabilização do Empregador por Contaminação de Empregados-Ônus da Prova. fls…………………..……………….4-6

– Eduardo Galvão Prado

 

 

Direito Imobiliário:

AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS: e a atual jurisprudência trabalhista. Fls……………………………………………………………………………………………………………7-19

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Direito Cível:

Os Vetos Presidenciais à Lei 1.179/2020 – A Entrada em Vigor da Lei 14.010/2020 e suas Implicações na Locação e nos Contratos em Geral. Fls………………………………………………………………………………………………………….20-25

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

Direito Processual:

Responsabilidade Pelos honorários de Sucumbência no Reconhecimento da Prescrição Intercorrente nas Ações de Execução sob a Égide do Código de Processo Civil de 2015. fls…………………………………………………………………………………………………………..26-36

Flávia de Faria Horta Pluchino e Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi

 

 

 

Covid-19 – Possibilidade de Responsabilização do Empregador por Contaminação de Empregados – Ônus da prova.

 

Atualmente não há mais discussão sobre a possibilidade de a Covid-19 ser considerada doença ocupacional e o empregador ser responsabilizado pela contaminação de empregados, sendo pacífico o entendimento sobre tais possibilidades.

 

A norma estabelecida na lei 8.213/1991 (que regulamenta questões previdenciárias), de aplicação geral, estabelece que para ser considerada doença ocupacional, deve haver uma relação entre a contaminação e o exercício das atividades laborais.

 

Partindo desta premissa, nos deparamos com o seguinte problema: se o empregado terá o ônus de comprovar que a contaminação por Covid-19 está relacionada com seu trabalho; ou se é ônus do empregador comprovar que a contaminação não está relacionada com a atividade laboral.

 

Como o início da pandemia é recente e não há precedentes sobre esta questão, não há como afirmar qual regra será aplicada pelos tribunais trabalhistas, em relação ao ônus da prova.

 

Podemos afirmar que, se a atividade exercida pelo empregador gerar risco acima da normalidade em relação a contaminação, sua responsabilidade será objetiva, ou seja, não dependerá de culpa (negligência, impudência ou imperícia).

 

De qualquer forma, mesmo nas atividades de risco, para haver a responsabilização do empregador pela contaminação de um empregado, deverá existir o nexo de causalidade e neste caso, o ônus da prova será do empregador.

 

Portanto, o empregador deverá comprovar que não há relação entre a contaminação e as atividades exercidas pelo empregado ou que a contaminação ocorreu por culpa exclusiva do empregado.

 

Poderão ser consideradas atividades de risco em relação a contaminação por Covid-19, as atividades em que houver contato próximo com o vírus da Covid-19, como as exercidas em hospitais, laboratórios, ambulâncias entre outras.

 

Em atividades em que o empregado tenha contato direto com muitas pessoas, como frentistas, caixas de supermercado, motoristas e cobradores de ônibus entre outras, também poderá haver a presunção, pelos tribunais, que a contaminação ocorreu durante a atividade laboral.

Independentemente das atividades exercidas e do grau de risco de contaminação, é obrigação do empregador tomar todas as providências possíveis para proteção dos empregados.

 

Podemos destacar, como as principais medidas de proteção tomadas pelo empregador em relação ao risco de contaminação dos empregados por Covid-19 as seguintes: se possível, dar preferência ao trabalho home office; fornecimento de álcool gel e máscara de proteção adequada; manter o distanciamento adequado entre os empregados; monitorar a temperatura dos empregados; monitorar a ocorrência de contaminação dos empregados e tomar providência de acordo com o nível de contaminação; se possível, alterar o início e o término da jornada para horários alternativos; realização de teste nos empregados, entre outras medidas.

 

Além de efetivamente tomar providências sobre a prevenção de contaminação, essas medidas devem ser registradas e documentadas, pois essa prova será fundamental na discussão sobre a existência de nexo de causalidade entre a contaminação e o exercício das atividades.

 

Com isso, tanto a chance de contaminação de empregados no local de trabalho quanto a chance de o empregador ser responsabilizado, serão reduzidas.

Eduardo Galvão Prado

 

 

AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS: e a atual jurisprudência trabalhista.

 

Em artigo anterior, tratamos da evolução do entendimento sobre a fraude à execução nas operações imobiliárias e o progressivo abandono da presunção da ocorrência da fraude, quando na matrícula do imóvel estiver ausente averbação de existência de pendência judicial.

 

A evolução legislativa e jurisprudencial (na área cível especialmente) levou ao abandono, para bens sujeitos à registro público, da regra pela qual se considera fraudulenta a alienação quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.

 

Tal evolução se cristalizou quando o STJ, ainda em 18.3.2009, sumulou sob o n. 375, o seguinte verbete:

 

“O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

 

Tal entendimento pressupõe que apenas o registro de constrição ou averbação de existência de pendência judicial, faz supor que o adquirente do imóvel ou direito real, tem conhecimento da existência de situação que possa vir a afetar a transação e, na ausência de informação perante o registro imobiliário, se pressupõe que o adquirente está de boa-fé, sendo ônus de quem afirma que a transação imobiliária foi fraudulenta comprovar tais alegações.

 

Tal súmula é persuasiva e destituída de força vinculante, porém sendo proferida pelo tribunal que tem a última palavra na interpretação do direito federal, bastante significativa.

 

Em agosto de 2014, novamente o STJ, quando do julgamento do REsp 956.943/PR, sob a sistemática dos recursos repetitivo (tema 243), fixou tese pela qual, inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, bem como que, presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após averbação referida no dispositivo.

 

A tese fixada no REsp 956.943, é precedente judicial que uniformizou a aplicação do direito em casos idênticos e com força vinculante, devendo ser observada pelos demais juízes, todavia restrita as áreas do direito processual civil e do trabalho.

 

Para além de tais avanços na jurisprudência e considerando a necessidade de trazer ainda maior segurança jurídica ao mercado imobiliário, em 2015, entrou em vigor a Lei Federal n.°13.097/2015, que em seu artigo 54, estabeleceu não ser possível opor à terceiros de boa-fé, que adquiriram ou receberam em garantia direitos reais sobre o imóvel, situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção.

 

Além desta inovação normativa, outro diploma legal, o Código de Processo Civil de 2015, ao introduzir a norma do artigo 792, que entrou em vigor em 18 de março de 2016, também, referendou a impossibilidade de se presumir fraudulenta a operação imobiliária, sem que esteja averbada perante o registro imobiliário a existência de pendência ou pretensão reipersecutória.

 

A priori e sendo a regra contida no art. 54 da Lei Federal n.°13.097/2015, regra de direito material que regula o setor imobiliário, tem aplicação irrestrita tanto ao processo civil, como ao processo trabalhista e fiscal.

 

Por outro lado e em razão da CLT não trazer regras específicas para tratar da fraude à execução, se faz necessária a aplicação subsidiária do CPC/2015, em especial seu artigo 792. Porém e na prática, a justiça trabalhista não encampou, de imediato, como valor, a regra da concentração dos atos na matrícula do imóvel.

É este cenário que pretendemos analisar neste artigo, sendo que em pesquisa das decisões proferidas pela justiça trabalhista, verificamos que em muitos julgados, se continua a considerar fraudulenta a alienação quando, ao tempo dela, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência (TRT 2° região, 2° turma, Agravo de petição nº 1001301-22.2017.5.02.0443, Des. Rel. Sônia Maria Forster do Amaral; TRT 2° Região, 3° turma, Agravo de petição nº 1001655-50.2018.5.02.0075, Des. Rel. Liane Martins Casarin).

 

Tais julgados se fundamentam no art. 792, IV, do CPC/2015 que é aplicável apenas e tão somente à bens não sujeitos à registros públicos, sendo evidente a ausência de subsunção de operação imobiliária à tal regra legal.

 

Os bens imóveis são sujeitos a registro público, sendo, inclusive, que os direitos reais (propriedade; superfície; servidões; usufruto etc.) só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (at. 1.227 do Código Civil).

 

Ou seja, às operações imobiliárias se aplicam exclusivamente as normas contidas nos incisos I, II e III do art. 792, CPC/2015, pelas quais é considerada em fraude à execução a alienação quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público; quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, ou hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude.

 

O Código de Processo Civil atribuiu, ao adquirente, apenas na operação de aquisição de bem não sujeito a registro, o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem. (art. 792, §2° CPC/2015).

 

Porém e quando o bem é sujeito à registro público, ao adquirente apenas reside o dever de analisar as informações constantes no registro e no caso de direitos reais, as constantes na matrícula do imóvel.

 

Por outro lado, devemos enaltecer que diversos julgados trabalhistas já se perfilam em consonância com as atuais normas que regulam as operações imobiliárias, sendo que nos permitimos transcrever ementa de acórdão, representativo desta evolução:

 

FRAUDE À EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE AVERBAÇÃO DA PENHORA NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. ART. 844 DO CPC/2015. SÚMULA 375 DO STJ. O registro da penhora é imperioso para que o adquirente possa tomar conhecimento sobre a situação do bem que pretende comprar, uma vez que o registro dá publicidade e produz eficácia erga omnes, conforme artigo 659, § 4º do CPC (CPC/2015, art. 844). A preexistência de dívida inscrita ou de execução, por si, não constitui o ônus erga omnes, efeito decorrente da publicidade do registro público. Aquele que adquire bem não regularmente penhorado, não fica sujeito à fraude in re ipsa. Hodiernamente, a lei exige o registro da penhora quando imóvel o bem transcrito. A exigência visa à proteção do terceiro de boa-fé. E altera a tradicional concepção da fraude de execução, razão pela qual, somente a alienação posterior ao registro é que caracteriza a figura em exame. Não se pode argumentar que a execução em si seja uma demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência e, por isso, a hipótese estaria enquadrada no inciso II do art. 593 do (CPC/2015, 792, IV). Assim, não se pode mais afirmar que quem compra bem penhorado o faz em fraude de execução. É preciso verificar se a aquisição precedeu ou sucedeu o registro da penhora. Não é por outro motivo que o C. STJ editou a Súmula 375, de seguinte teor. (TRT 2° Região, Agravo de petição nº 1000735-33.2018.5.02.0057, turma, Des. Relator: Ivani Contini Bramante) ”.

 

Não obstante, a corrente pela qual o reconhecimento da fraude à execução em operações imobiliárias se presume quando, da ocasião da disposição de direitos reais, existir demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência, continua a ser bastante forte na justiça do trabalho.

 

Por este motivo, os operadores do direito continuam a manter a praxe de realizar a pesquisa nos distribuidores da justiça do trabalho, na comarca onde se localiza o imóvel objeto da transação e na comarca onde residem os vendedores.

 

Tais pesquisas são realizadas para verificar a existência de demandas em que o vendedor esteja no polo passivo de reclamação e que possam levá-lo, eventualmente, à insolvência.

 

Tal análise é, além de onerosa, bastante complexa, senão sujeita a subjetividades. Ao adquirente caberia verificar se o vendedor consta no polo passivo de eventuais reclamações trabalhistas e analisar o valor da pretensão do reclamante.

 

Em um exercício hipotético, deveria cogitar a possibilidade de o reclamante ter êxito em todos os seus pedidos e apurar se o reclamado após a alienação do imóvel, remanescerá com outros bens cujo valor seja suficiente para quitar a obrigação trabalhista.

 

Ao adquirente, tal análise hipotética deve ser feita no momento instantâneo da aquisição, nada influenciando se após a conclusão de tal transação imobiliária, o vendedor alienar os seus demais bens remanescentes, restando insolvente para quitar a eventual condenação trabalhista.

 

Entretanto, a própria avaliação dos bens que remanescerão na titularidade do vendedor, é questão que traz insegurança e custos. Para aumentar a certeza em relação aos valores de referidos bens, deverão as partes procederem à avaliação profissional? Tal avaliação particular, entretanto, não vincula o juízo que futuramente analisará se a venda do imóvel foi ou não fraudulenta.

 

Ou seja, este “vácuo informacional” possibilita, no futuro, o questionamento ou até a declaração de ineficácia da operação e, ainda, cria burocratização dos negócios imobiliários.

 

Ponto importante a se observar é que no direito do trabalho, em geral, é adotada a chamada “teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica, pela qual independentemente da existência de fraude ou confusão patrimonial, o sócio responde subsidiariamente pelo pagamento das verbas trabalhistas.

 

Vamos imaginar a hipótese de o reclamante ter saído vitorioso em uma reclamação, cuja sentença já tenha transitado em julgado e a reclamada, após ter sido intimada, não tenha quitado a condenação. Neste cenário, os sócios da reclamada podem ser chamados a integrar a lide e responder com seu patrimonial pessoal pelo pagamento de tais verbas.

 

Segundo a norma contida no § 3º do art. 792, CPC/2015, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.

 

Ou seja, as alienações de bens ocorridas antes que o sócio seja formalmente citado para integrar o processo trabalhista (inclusive nos casos de desconsideração), não podem ser consideradas fraudulentas.

 

Lembramos que a sociedade empresária tem personalidade jurídica distinta de seus sócios.

 

Tal regra legal, tem sido observada pela justiça trabalhista de forma pacífica. Neste sentido:

 

“EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIROS. FRAUDE À EXECUÇÃO. INOCORRÊNCIA. ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE SÓCIA DA EMPRESA EXECUTADA ANTES DO REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO EM SEU DESFAVOR. CONDIÇÃO DE ADQUIRENTE DE BOA-FÉ DEMONSTRADA. PENHORA INSUBSISTENTE. […]é necessário perquirir se o terceiro adquirente detinha conhecimento da pendência do processo sobre o bem alienado ou se a demanda era capaz de levar o alienante à insolvência” (E-ED-RR-154900-19.2004.5.15.0046, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT de 26.05.2017). 4. No caso, ainda que os terceiros embargantes tivessem realizado a extração de certidões em nome da pessoa física vendedora do bem imóvel, não teriam conhecimento da presente execução. Com efeito, conforme já destacado, à época da venda do imóvel “a execução ainda não se havia voltado contra Maria Lucimar dos Santos”. 5. Nesse contexto, resta demonstrada a condição dos terceiros embargantes de adquirentes de boa-fé, sendo insubsistente a penhora. Recurso de revista conhecido e provido” (TST, RR-1342-58.2015.5.02.0028, 1ª Turma, Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 19/06/2020) ”.

 

Tal entendimento não é inovador, pois segue a linha de raciocínio da aplicação do conceito de que será fraudulenta a alienação quando, ao tempo dela, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência, aplicável apenas em relação aos bens não sujeitos à registro público.

 

Entretanto, já é um avanço ter este entendimento pacificado, pois tempos atrás era comum que, além da complexidade de exigir diversas certidões pessoais dos vendedores, se exigisse, também, certidões das empresas das quais o vendedor fosse sócio, de modo a avaliar uma possível desconsideração da personalidade jurídica e os efeitos em relação à venda de um imóvel realizada pelo sócio.

 

Evidente a burocratização e insegurança das operações imobiliárias, se sujeitos à tão complexa análise.

 

Por outro lado, não poderíamos esquecer da Lei Federal nº 12.440/2011 que alterou a CLT e criou a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas – CNDT.

 

A CNDT traz as informações do Banco Nacional de Devedores Trabalhistas – BNDT, onde estão centralizadas informações de todos os tribunais trabalhistas do país e pela qual é possível verificar se alguém é devedor da justiça do trabalho.

 

As dívidas registradas no BNDT incluem as obrigações trabalhistas, de fazer ou de pagar, impostas por sentença, os acordos trabalhistas homologados pelo juiz e não cumpridos, os acordos realizados perante as Comissões de Conciliação Prévia (Lei nº 9958/2000) e não cumpridos, os termos de ajuste de conduta firmados com o Ministério Público do Trabalho (Lei nº 9958/2000) e não cumpridos, as custas processuais, emolumentos, multas, honorários de perito e demais despesas oriundas dos processos trabalhistas e não adimplidas.

 

Ou seja, tal certidão, ao invés de informar se existe ação em face de uma certa pessoa física ou jurídica, informa se o pesquisado foi condenado em processo trabalhista e que tenha se esgotado a fase de conhecimento, sem que exista recurso dotado de efeito suspensivo. A certidão além de positiva ou negativa poderá ser positiva com efeito de negativa, nos casos em que o devedor, intimado para o cumprimento da obrigação em execução definitiva, houver garantido o juízo com depósito, por meio de bens suficientes à satisfação do débito ou tiver em seu favor decisão judicial que suspenda a exigibilidade do crédito.

 

Tal certidão é fundamental para análise da segurança da transação imobiliária, pois se o vendedor consta como devedor da justiça do trabalho, a possibilidade de a operação ser futuramente considerada fraudulenta, de acordo com a posição, atualmente, predominante nos tribunais trabalhistas, é grande.

 

Não obstante, sob viés doutrinário e de acordo com as normas legais em vigência, em especial a Lei Federal n.°13.097/2015 e incisos I, II e III do art. 792, CPC/2015, não existe outra solução senão aplicar, também na área trabalhista,  a regra da concentração dos atos na matrícula, sendo ilegal a continuidade de aplicação da regra contida no inciso IV, art. 792, CPC/2015, pela qual se impõe ao interessado em adquirir imóvel o ônus de solicitar uma miríade de certidões (distribuidores forenses, CNDT, etc.), realização de complexas análises, pelo qual se inverte a presunção da boa-fé e obstaculiza o crescimento do mercado imobiliário em nosso país.

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Os Vetos Presidenciais à Lei 1.179/2020 – A Entrada em Vigor da Lei 14.010/2020 e suas Implicações na Locação e nos Contratos em Geral.

 

Em 10 de junho de 2020, o Presidente da República comunicou ao Presidente do Senado Federal, que decidiu vetar, parcialmente, a Lei 1.179/2020, que “dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). ”

 

Os vetos, como se poderá notar abaixo, foram parciais e tiveram como objetivo manter a coerência e a ordem no país, sem caráter político, ou seja, apenas caráter jurídico, buscando evitar que se criasse desordem, por meio de proposições legislativas mal formuladas.

 

O assunto provocou um grande debate, na medida em que a pandemia causou um enorme impacto em todo o mundo, tanto social quanto econômico, tendo reflexos nas mais diversas áreas.

 

É quase certo que os reflexos da pandemia ainda estão por vir, quando se tornarem públicos os resultados dos mais diversos decretos que determinaram o completo fechamento da economia, sendo eles caracterizados por um provável e forte aumento no desemprego, e um provável e forte aumento da inflação.

E, antevendo estas consequências, é que o Poder Legislativo elaborou o projeto de Lei 1.179/2020, que previa diversas modificações nas relações jurídicas, de caráter emergencial, durante o período de pandemia.

 

Dentre as medidas, o Presidente da República houve por correto vetar o art. 9º, que proibia a concessão de liminar no âmbito de ações de despejo em algumas situações do art. 59, § 1º da Lei 8.245/1991:

 

“Art. 9º Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59, § 1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020.

Parágrafo único – O disposto no “caput” deste artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020.”

 

Alguns juristas entendem que tal disposição legal apenas evitaria que pessoas e empresas fossem despejadas durante a pandemia, o que, na sua visão, poderia transformar a crise de saúde pública em uma crise de moradia.

 

Porém, para justificar seu veto, o Presidente da República enfatizou que “a propositura legislativa, ao vedar a concessão de liminar nas ações de despejo, contraria o interesse público, por suspender um dos instrumentos de coerção ao pagamento das obrigações pactuadas na avença de locação (o despejo), por um prazo substancialmente longo, dando-se, portanto, proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor, além de promover o incentivo ao inadimplemento e em desconsideração da realidade de diversos locadores que dependem do recebimento de alugueis como forma complementar ou, até mesmo, exclusiva de renda para o sustento próprio.”

 

Respeitando entendimentos contrários, importante destacar que a mera expectativa de proibição de despejos, já criou um alvoroço no mundo jurídico, na medida em que diversos proprietários de imóveis – que tem na locação o próprio sustento – estavam sendo injustamente pressionados por locatários para reduzir os aluguéis, sem que houvesse comprovação de real necessidade, ou seja, apenas porque havia uma possibilidade de permanecer no imóvel sem pagar aluguel e com uma garantia legal de não serem despejados.

 

Neste ponto, portanto, o legislativo cometeria um verdadeiro retrocesso, na medida em que a Lei nº 12.112/2009, muito embora tenha sido muito criticada, na verdade, corrigiu um enorme problema que existia para os proprietários que levavam anos para conseguir despejar locatários inadimplentes, arcando com severos prejuízos. Tal modificação estabeleceu procedimentos mais céleres que garantiram mais confiança aos proprietários de imóveis, estimulando as relações locatícias. Logo, em nosso sentir, impedir ordens liminares não seria um caminho acertado, devendo cada situação ser tratada entre as partes, de forma amigável.

Não é menos verdade que, em um momento emergencial, de pandemia, pode a parte, com base em diversas outras disposições legais já conhecidas, requerer a revisão de contrato.

 

Foi justamente nesta linha, que o Presidente da República, também manifestou seu veto ao Capítulo IV, arts. 6º e 7º, que assim dispunha:

 

“DA RESILIÇÃO, RESOLUÇÃO E REVISÃO DOS CONTRATOS”

 

Art. 6º As consequências decorrentes da pandemia do coronavírus Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no art. 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos.

 

Art. 7º Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário.

§ 1º As regras sobre revisão contratual previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, não se sujeitam ao disposto no caput deste artigo.

§ 2º Para os fins desta Lei, as normas de proteção ao consumidor não se aplicam às relações contratuais subordinadas ao Código Civil, incluindo aquelas estabelecidas exclusivamente entre empresas ou empresários.”

 

Para justificar seu veto, o Presidente da República enfatizou que “a propositura legislativa, contraria o interesse público, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro já dispõe de mecanismos apropriados para modulação das obrigações contratuais em situação excepcionais, tais como os institutos da força maior e do caso fortuito e teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva”.

 

Em outras palavras, em que pese a boa intenção do legislador, é preciso evitar comportamentos oportunistas, de pessoas que, sem ter a real necessidade, possam buscar a revisão de um contrato, ou deixar de pagar um aluguel, impedindo um despejo, simplesmente porque uma lei assim o autoriza.

 

Em sendo realmente o caso, basta que a parte que foi prejudicada, comprove documentalmente que aquela determinada relação contratual se tornou excessivamente onerosa, em razão de fato imprevisível, e que está impossibilitada de cumprir a obrigação, para com isso obter tutela jurisdicional que lhe garanta o reequilíbrio contratual, cabendo ao judiciário dosar, caso a caso, a exata medida para encontrar o reequilíbrio.

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

                          

 

Responsabilidade pelos Honorários de Sucumbência no Reconhecimento da Prescrição Intercorrente nas Ações de Execução sob a Égide do Código de Processo Civil de 2015.

 

1.Introdução:

 

O presente artigo tem por objetivo, sem pretender esgotar o tema, discutir a distribuição dos honorários de sucumbência nas execuções extintas, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente.

 

Para tanto, inicialmente trazemos breve análise sobre os princípios da sucumbência e da causalidade e a aplicação deles no direito brasileiro, após o advento do CPC/2015.

 

Definido o responsável pelos custos do processo, passamos à análise da prescrição intercorrente no novo Código de Processo Civil para, então, verificar como o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo esta questão.

 

2. Da Responsabilidade Pelos Custos Do Processo No Direito Brasileiro:

 

As regras que tutelam os custos do processo e a responsabilidade pelo seu pagamento tem como espoco assegurar certos valores que podem ser expressos na máxima de que: a necessidade do processo não pode provocar uma diminuição no direito postulado.

Até o advento do CPC/2015, o ordenamento jurídico brasileiro adotava o princípio da sucumbência para definir o responsável pelos custos do processo.

 

Através deste princípio, aquele que perdesse a ação, arcava com o pagamento das custas processuais e dos honorários de sucumbência dos advogados da parte contrária.

 

Segundo Dinamarco, este princípio partia do pressuposto de que o processo deve resolver a controvérsia de modo integral, promovendo a satisfação do direito como se ele tivesse sido cumprido espontaneamente.

 

Não obstante a opção do legislador pela utilização do princípio da sucumbência na definição do responsável pelo pagamento dos custos do processo, a doutrina e a jurisprudência já vinham tecendo críticas à sua utilização como regra geral, especialmente porque ele não solucionava os casos em que, mesmo vencido, o titular do direito não teria dado causa à instauração da lide, como, por exemplo, nos casos em que a extinção da ação de execução decorre da declaração de prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis do devedor.

 

A partir daí, portanto, construiu-se a noção da causalidade como critério geral para definir quem deveria arcar com os custos do processo, de modo que, será onerado o demandante que provocou o surgimento do contraditório.

 

O novo Código de Processo Civil, portanto, na esteira da doutrina e da jurisprudência, observou que a sucumbência, na verdade, é o elemento mais importante da causalidade, mas é esta o verdadeiro critério geral de definição do responsável pelas despesas do processo. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o assunto esclarecem que:

 

“(…) aplica-se o princípio da causalidade para repartir as despesas e custas do processo entre as partes. O processo não pode causar dano àquele que tinha razão para o instaurar (…)” [1]

 

Assim, nos termos do CPC/2015, aquele que deu causa à propositura da ação ou à instauração do incidente processual, deve responder pelas despesas daí decorrentes. A adoção do princípio da causalidade não representou o abandono da sucumbência como forma de resolver esta questão. Via de regra, ela é o indício que na maioria dos casos aponta o responsável pelo ajuizamento da ação.

 

Não à toa, o art. 85, do CPC/2015, dispõe que o vencido pagará honorários aos advogados da parte vencedora. Entretanto, a aplicação desta regra jurídica deverá ser tomada a partir da análise da situação de fato, pois, naquelas em que, mesmo vencida, a parte sucumbente não tenha dado causa ao processo, o julgador ficará obrigado a verificar no plano do direito material, quem se recusou a cumprir espontaneamente a obrigação e, portanto, deu causa à interposição da ação.

 

A partir, portanto, do CPC/2015, vigora a máxima de que a obrigação de arcar com os custos do processo, aí incluídos os honorários de sucumbência, deve ser atribuída à parte que lhe deu causa.

 

3.Da Prescrição Intercorrente Nas Ações De Execução E A Posição Da Jurisprudência Do Stj Sobre Os Honorários De Sucumbência:

 

A prescrição, prevista no art. 189, do Código Civil, corresponde à extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia do titular da obrigação descumprida durante certo lapso de tempo.

 

O fundamento da prescrição é a segurança jurídica, verificada na estabilidade das relações sociais, que não se coaduna com a possibilidade de pretensões judiciais subsistirem indefinidamente no tempo.

 

Neste sentido, o direito persiste, mas seu titular não encontrará força junto ao poder judiciário para obrigar seu cumprimento por aquele que se nega a fazê-lo espontaneamente.

 

A prescrição intercorrente é aquela que pode ocorrer durante o trâmite processual, em razão da inércia do postulante em dar andamento ao processo. Nas ações de execução, ela pode ser definida como a perda da pretensão à tutela jurisdicional executiva pela falta de impulso processual pelo exequente.

 

A aplicação da prescrição intercorrente às ações de execução foi expressamente autorizada pelo CPC/2015, no art. 921, inc. III e §§:

 

“Art. 921. Suspende-se a execução:

(…)

III. Quando o executado não possuir bens penhoráveis.

(…)

§1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.

§2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§3º Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.

§4º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.

§5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4º e extinguir o processo.” (grifos nossos)

 

Com o advento do CPC/2015, portanto, pôs-se fim à dicotomia que havia na jurisprudência, quanto ao marco temporal de sua aplicação. Da leitura de referido artigo, verifica-se que o marco da contagem do prazo da prescrição intercorrente nas ações de execução é o dia seguinte ao término do prazo de um ano da suspensão do processo pela não localização de bens do devedor, independentemente de nova intimação do exequente.

 

Nos termos da Súmula 150, do STF, a consumação do prazo da prescrição intercorrente se dará no mesmo prazo da ação. Assim, se o prazo para a parte provocar o judiciário a fim de forçar o cumprimento de um direito recusado pela outra parte for de três anos, o credor terá três anos, a contar do término do prazo de suspensão da execução, para localizar bens do devedor passíveis de penhora. Esgotado este prazo, opera-se a prescrição intercorrente.

 

Disto se concluiu que nas ações de execução, a prescrição intercorrente sempre terá como causa a impossibilidade de localização de bens penhoráveis aptos à satisfação da dívida.

À primeira vista, a extinção da ação de execução pela declaração da prescrição intercorrente decorreria de culpa do exequente, que teria se quedado inerte em impulsionar o processo após o término do prazo de suspensão da ação de execução, o que faria presumir ser sua a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios.

 

Entretanto, a declaração da prescrição intercorrente não afeta a presunção de certeza e liquidez do título executivo e nem o inadimplemento do devedor e sua exigibilidade, que são os requisitos que autorizam o ajuizamento da ação de execução.

 

Desta forma, ainda que o credor tenha falhado em dar o devido andamento ao feito durante o prazo prescricional inaugurado nos termos do art. 921, inc. III e §§, a única consequência desta situação para ele, é a perda da pretensão de exigir judicialmente a satisfação do seu direito. Os custos do processo e especialmente os honorários advocatícios, serão imputados ao devedor, que foi quem deu causa ao ajuizamento da ação, ao se recusar a cumprir espontaneamente sua obrigação.

 

Neste sentido se consolidou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, sobre o tema:

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. HONORÁRIOS EM FAVOR DO EXECUTADO. DESCABIMENTO. CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA DO EXEQUENTE. 1. Consoante jurisprudência do STJ, “declarada a prescrição intercorrente por ausência de localização de bens, incabível a fixação de verba honorária em favor do executado, eis que diante dos princípios da efetividade do processo, da boa-fé e da cooperação, não pode o devedor se beneficiar do não cumprimento de sua obrigação. A prescrição intercorrente por ausência de localização de bens não retira o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para o exequente’ (REsp 1769201/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotii, Quarta Turma, julgado em 12/03/2019, DJe 20/03/2019). ” (AgInt no REsp 1837468/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04/02/2020). ”

 

Não obstante, a questão é tormentosa e controversa, pois nas instâncias ordinárias, há predominância do critério isolado da sucumbência nestes casos e é o exequente, em sua maioria, quem é condenado nos honorários advocatícios.

 

4.CONCLUSÃO:

 

Segundo a posição que predomina hoje no Superior Tribunal de Justiça, nos casos de encerramento da ação de execução em decorrência do reconhecimento da prescrição intercorrente, o princípio da causalidade prevalece sobre o princípio da sucumbência.

 

Neste sentido, independente da causa que ensejou o reconhecimento da prescrição intercorrente, o devedor permanece como sendo o único responsável pela necessidade de instauração da demanda executiva e, portanto, é considerado, exclusivamente, responsável pelos custos do processo.

 

Logo, o reconhecimento da prescrição intercorrente, de acordo com o STJ, não significa a liberação do devedor de toda e qualquer obrigação decorrente da ação de execução, uma vez que será onerado com condenação ao pagamento dos honorários sucumbenciais.

 

Porém, tal entendimento se levado ao limite, demonstra fragilidades, como no caso em que o devedor beneficiado pela extinção do processo em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente é condenado ao pagamento de honorários e os advogados beneficiados com tal condenação não encontram bens do devedor para satisfazer o crédito, ou mesmo, são desidiosos em dar andamento ao cumprimento de sentença referente ao crédito sucumbencial.

 

Neste caso, o devedor, após o decurso de certo tempo, poderá alegar a prescrição intercorrente. Seria, porém, novamente condenado em honorários, criando um processo sem fim e solapando a garantia de pacificação social e segurança albergada pelo instituto da prescrição.

Portanto, a aplicação destemperada do princípio da causalidade poderá agir em sentido diametralmente oposto justamente à situação que o instituto da prescrição visa coibir, ao criar ininterruptas obrigações com honorários advocatícios que jamais serão pagas.

 

Ademais, ela cria distorção ao favorecer o credor que, após o término do prazo de suspensão da execução, mantém-se inerte na adoção das medidas necessárias à localização de bens do devedor.

 

Diante disso, a questão permanece sem uma solução adequada pelo Judiciário. Não seria o caso de isenção de condenação de quaisquer das partes no pagamento de honorários de sucumbência, pois assim nem o devedor que deu causa à ação seria beneficiado injustamente; nem o exequente desidioso seria premiado? Não se deveria, também nestes casos, verificar realmente se o credor foi diligente e realizou todas as medidas em seu alcance para localizar bens do devedor e não teve êxito?

 

Estas são questões que entendemos pertinentes e que, no nosso entendimento, autorizariam a parte prejudicada a buscar uma solução junto ao judiciário.

Flávia de Faria Horta Pluchino e Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

[1] Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery; Comentários ao Código de Processo Civil; Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais; 2ª Tiragem; página 430.

  1. DOS SANTOS FILHO, Orlando Venâncio. O ônus do pagamento dos honorários e o princípio da causalidade. Disponível em <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/330/r137-04.pdf?sequence=4>. Acessado em 20/07/2020.
  2. LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Comentários ao Código de Processo Civil: das partes e dos procuradores. Arts. 70 ao 118. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
  3. CRUZ E TUCCI, José Rogério. STJ traz nova orientação sobre o reconhecimento da prescrição intercorrente. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2015-nov-03/paradoxo-corte-stj-traz-orientacao-prescricao-intercorrente-execucao>. Acessado em 23/07/2020.
  4. Superior Tribunal de Justiça. Pesquisa pronta. Disponível em <https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=000006792%2F0>. Acessado em 13/07/2020.

 

 

 

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