BOLETIM INFORMATIVO – SETEMBRO 2022

Boletim RES, Advogados

Setembro de 2022

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: do consumidor, trabalhista, empresarial e imobiliário.

 

No campo do direito do consumidor, abordamos os direitos do consumidor, na aquisição de unidade imobiliária em incorporação.

 

Na área do direito trabalhista, analisamos cautelas necessárias na demissão de empregado portador de doenças graves, para evitar, que a demissão seja considerada discriminatória.

 

No espaço reservado para o direito empresarial, tratamos da responsabilidade do sócio retirante pelo passivo social na sociedade limitada.

 

Por fim e no campo do direito imobiliário, versamos sobre o novo procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial.

 

Lembramos que em nosso site, você pode sempre encontrar notícias atualizadas; uma boa leitura!

 

 

Índice:

 

Direito do Consumidor:

 

Os direitos do consumidor na aquisição de unidade imobiliária em incorporação.

Fls………………………………………………………………………………………………………….04-12

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

Direito Trabalhista:

 

Proteção ao empregado portador de HIV ou doenças graves na rescisão contratual.

Fls………………………………………………………………………………………………………….13-15

Eduardo Galvão Prado

 

Direito Empresarial:

 

A responsabilidade do sócio retirante pelo passivo social na sociedade limitada

Fls………………………………………………………………………………………………………….16-22

– Flavia de Faria Horta Pluchino

 

Direito Imobiliário:

 

A adjudicação compulsória extrajudicial: dúvidas e reflexões em relação ao novo procedimento.

Fls…………………..……………………………………………………………………………………..23-29

– Rodrigo Elian Sanchez

 

 

 

Os Direitos do Consumidor na Aquisição de Unidade Imobiliária em Incorporação.

 

A compra de um imóvel na planta é, sem sombra de dúvidas, um bom negócio por contar com boas vantagens e facilidades em termos de financiamentos.

 

No que se refere à incorporação em si, a construção do empreendimento, a legislação de observância é tratada a Lei 4.591/1964 (“Lei de Incorporações Imobiliárias”), a Lei 6.766/1979 (“Lei de Parcelamento do Solo Urbano”) e, mais recentemente, pela Lei 13.786/2018 (“Lei do Distrato”), no que se refere ao compromisso de compra e venda de unidades.

 

Porém, no que se refere aos diretos e obrigações das partes vendedora e compradora, e a forma como devem se comportar nesta relação, a matéria é tratada pela Lei 8.078/990 (“Código de Defesa do Consumidor” ou “CDC”), sendo importante destacar, que ela se aplica tanto para aqueles que adquirem unidades para fins de moradia, quanto para aqueles que o fazem como investimento.

 

Excetua-se, apenas, os casos em que o comprador exerce profissionalmente a atividade de compra e venda de imóveis, quando então fica descaracterizada a relação de consumo, conforme jurisprudência pacífica do STJ:

 

“(…) Há relação de consumo na compra e venda entabulada para fins de investimento, desde que o comprador não exerça referida atividade de forma profissional”. (AgInt no REsp n. 1.973.751/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 15/8/2022, DJe de 17/8/2022.)

 

Pois bem. No Brasil, há uma enorme demanda de consumidores por imóveis na planta, sendo um mercado considerado extremamente atrativo. Por outro lado, historicamente, esse tipo de negócio, por mais de uma vez, foi severamente impactado por desistências em massa, decorrente de fatores externos (crises econômicas; instabilidades políticas etc.). Nas próprias justificativas da Lei do Distrato, consta que as desistências dos negócios envolvendo imóveis na planta, por parte do adquirente, era um verdadeiro tormento ao consumidor, em face da ausência de norma legal que regulamentasse a questão.

 

Antes dela, um número relevante de desistências era levado aos Tribunais pátrios que, convergia no sentido de ser possível a resolução do contrato, mas divergia sobre o percentual de retenção pelas incorporadoras a título de ressarcimento de custos (as decisões variavam de 10% a 25% do valor pago pelo consumidor e, em alguns casos, percentual até maior), o prazo de devolução, questões relativas à comissão de corretagem, e outros pontos.

 

Em boa hora, a Lei do Distrato tratou dos pontos mais nefrálgicos e deixou a relação entre as partes mais transparente e previsível ao estipular cláusulas obrigatórias para os modelos de contratos de compra e venda, deixando-os em harmonia com as regras previstas no CDC, bem como ao estabelecer limites para o percentual de retenção em casos de desistências.

 

Em relação às cláusulas obrigatórias nos contratos de compra e venda, que passaram a ser exigidas, a Lei do Distrato estabeleceu a inclusão do art. 35-A na Lei de Incorporações Imobiliárias, com o seguinte teor:

 

“Art. 35-A Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária serão iniciados por quadro-resumo, que deverá conter:

 

I – o preço total a ser pago pelo imóvel;

 

II – o valor da parcela do preço a ser tratada como entrada, a sua forma de pagamento, com destaque para o valor pago à vista, e os seus percentuais sobre o valor total do contrato;

 

III – o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;

 

IV – a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;

 

V – os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;

 

VI – as consequências do desfazimento do contrato, seja por meio de distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do incorporador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente;

 

VII – as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;

 

VIII – as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial;

 

IX – o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do auto de conclusão da obra pelo incorporador;

 

X – as informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel, em especial quando o vinculem como garantia real do financiamento destinado à construção do investimento;

 

XI – o número do registro do memorial de incorporação, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente;

 

XII – o termo final para obtenção do auto de conclusão da obra (habite-se) e os efeitos contratuais da intempestividade prevista no art. 43-A desta Lei.

 

Com relação à possibilidade de atraso na entrega da obra, a Lei do Distrato consignou expressamente o limite de 180 dias de atraso, e estabeleceu a inclusão do art. 43-A na Lei de Incorporação Imobiliária, com o seguinte teor:

 

“Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.

 

  • 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei.

 

  • 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato.

 

  • 3º A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação.”

 

Com relação à possibilidade de desfazimento do contrato, por solicitação do adquirente, a Lei do Distrato estabeleceu importantes regras, tanto com relação ao percentual máximo de retenção e os prazos para devolução, como também relativas à comissão de corretagem, previstas no art. 67-A na Lei de Incorporação Imobiliária, com o seguinte teor:

 

“Art. 67-A. Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:

 

I – a integralidade da comissão de corretagem;

 

II – a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga.

 

  • 1º Para exigir a pena convencional, não é necessário que o incorporador alegue prejuízo.

 

  • 2º Em função do período em que teve disponibilizada a unidade imobiliária, responde ainda o adquirente, em caso de resolução ou de distrato, sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, pelos seguintes valores:

 

I – quantias correspondentes aos impostos reais incidentes sobre o imóvel;

 

II – cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores;

 

III – valor correspondente à fruição do imóvel, equivalente à 0,5% (cinco décimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato, pro rata die;

 

IV – demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato.

 

  • 3º Os débitos do adquirente correspondentes às deduções de que trata o § 2º deste artigo poderão ser pagos mediante compensação com a quantia a ser restituída.

 

  • 4º Os descontos e as retenções de que trata este artigo, após o desfazimento do contrato, estão limitados aos valores efetivamente pagos pelo adquirente, salvo em relação às quantias relativas à fruição do imóvel.

 

  • 5º Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindo-se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga.

 

Portanto, a partir da entrada em vigor da Lei do Distrato (28/12/2018), os contratos de compra e venda de imóvel na planta, ou loteamentos, obrigatoriamente devem conter as cláusulas previstas acima.

 

Indo além, as questões relativas ao desfazimento do negócio por culpa das Partes (seja por resilição, seja por inadimplemento), passaram a obedecer aos limites e formas nela previstos, encerrando-se uma insegurança jurídica que até então havia.

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

 

Proteção ao Empregado Portador de HIV ou Doenças Graves na Rescisão Contratual.

 

Os empregados portadores de HIV e outras doenças graves capazes de causar estigma ou preconceito, são protegidos contra demissões sem justa causa pela súmula 443 do TST, por serem presumidas como discriminatórias.

 

Não obstante o empregador ter o direito potestativo de demitir um empregado, de acordo com a súmula, “presume-se discriminatória a despedida de empregado” nessas condições.

 

Com isso, se a demissão sem justa causa do empregado portador de HIV ou doença grave capaz de causar estigma ou preconceito for questionada na justiça do trabalho, o empregador terá o ônus de provar que o motivo da demissão não foi discriminatório, o que muitas vezes é difícil e até impossível.

 

Não há dúvida que os empregados portadores de doenças devem ter um anteparo legal, porém, na prática a aplicação indiscriminada da súmula 443 do TST, gera uma contraposição de direitos.

 

Essa proteção, não pode ser confundida com estabilidade, porém, se o empregador deixar de comprovar judicialmente que o motivo da demissão sem justa causa não foi discriminação, o empregado terá direito a ser reintegrado ao emprego e aos salários, férias, 13º salários entre outras verbas, do período entre a demissão e a reintegração.

 

De acordo com decisões do Tribunal Superior do Trabalho e de Tribunais Regionais do Trabalho, podemos elencar alguns motivos que justificam a dispensa do empregado portador de HIV ou doença grave capaz de causar estigma ou preconceito e impedem a aplicação da súmula.

 

O desconhecimento da doença por parte do empregador até a data de notificação do aviso prévio, a comprovação de reestruturação da empresa, ou da necessidade de corte de empregados por motivos econômicos ou financeiros e obviamente quando comprovada a justa causa da demissão.

 

Por outro lado, em julgamento recente, o TST decidiu que uma única avaliação negativa do empregado com câncer, não justifica a demissão e ressaltou que seria normal o empregado doente ter uma variação de rendimento e em diversas decisões do Tribunal Superior do Trabalho e de Tribunais Regionais do Trabalho, a súmula 443 foi aplicada com fundamento na ausência de provas sobre os motivos para a rescisão contratual.

 

Portanto, para evitar uma condenação de reintegração pagamento de indenização, a demissão de empregados com HIV ou doenças capazes de gerar estigma ou preconceito devem ser realizadas de forma motivada ou com justa causa e principalmente, as empresas devem documentar os motivos.

Eduardo Galvão Prado

 

 

 

A Responsabilidade do Sócio Retirante pelo Passivo na Sociedade Limitada.

 

Dispõe o art. 1.052, do Código Civil:

 

“Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”

 

Em outras palavras, perante a sociedade, cada sócio encontra-se obrigado a integralizar as próprias quotas. Já perante terceiros, todos os sócios respondem solidariamente pela integralização de todo o capital.

 

A integralização do capital social corresponde à efetiva entrega do montante prometido pelo sócio à sociedade. Quando duas ou mais pessoas se reúnem para constituir uma sociedade limitada, eles se comprometem a investir um determinado valor, que irá compor o capital social da pessoa jurídica. Esta operação se denomina subscrever.

 

Ao subscrever o capital social, ou seja, prometer que irá conferir determinado valor à sociedade, o sócio cria para si a obrigação de efetivamente entregar à sociedade aquele valor, isto é, a integralizar o valor na sociedade.

 

Até que todo o valor prometido por cada sócio seja integralizado, a responsabilidade de todos eles perante terceiros é solidária e limitada ao montante que restar ser integralizado.

 

O dispositivo legal do art. 1.052, do Código Civil é o que justifica o enunciado do art. 1.058, da mesma Lei, que confere aos sócios o direito de excluir da sociedade o sócio que deixa de integralizar o capital subscrito (prometido) ou, ainda, tomar para si ou para terceiros a parcela do capital prometido não integralizado.

 

Isto porque o capital social representa uma garantia financeira mínima para os credores da sociedade. Logo, sua expressão econômica deve corresponder àquela informada no contrato social.

 

Uma vez, portanto, integralizado o capital social, os bens pessoais dos sócios não respondem pelas obrigações da sociedade. Somente nas seguintes hipóteses, previstas na Lei, os prejuízos decorrentes do desenvolvimento normal dos negócios podem ser opostos aos sócios. São elas:

 

(a)          pelas dívidas fiscais, no caso de liquidação de sociedade de pessoas;

 

(b)          pela parte que falta para a integralização do capital social;

 

(c)          pela avaliação dos bens conferidos ao capital social, em caso de superavaliação e, quando os bens forem créditos detidos pelo sócio contra terceiro, pela solvência deste terceiro;

 

(d)         quando o sócio praticar atos contrários à Lei ou ao contrato social, hipótese em que se dispensa a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

 

(e)          nos casos de desconsideração da personalidade jurídica;

 

(f)          no caso de recebimento de lucros fictícios ou de lucros ilícitos, que atingem apenas os sócios que receberam os valores; e

 

(g)          no limite do patrimônio social transferido, na hipótese de a sociedade entrar em liquidação e reembolsar os sócios.

 

Não obstante a regra da limitação da responsabilidade do sócio da sociedade limitada à integralização do capital social, havia uma discussão quanto à responsabilidade do sócio retirante pelo passivo social existente no momento da retirada, em virtude do que determina o art. 1.032, do Código Civil.

 

A dúvida residia no fato de que, se, por força da Lei, no caso, do art. 1.032, do CC, o sócio se mantem responsável pelas obrigações sociais pelo período de até 2 (dois) anos após a sua saída, contado da data do registro do ato de retirada, ele ficaria, destarte, responsável pelo pagamento do passivo existente na data de sua saída da sociedade.

 

A controvérsia, contudo, foi resolvida, e hoje é consenso na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade prevista no art. 1.032, do Código Civil não é genérica pelo passivo social a descoberto. Ela se limita às obrigações legais que tinha como sócio, inerentes ao tipo societário da pessoa jurídica.

 

E como visto, na sociedade limitada, essas obrigações se circunscrevem à responsabilidade solidária pela integralização do capital social, aí compreendidos, também, a exata estimação de bens porventura conferidos ao capital social, a evicção dos bens que aportou ou a solvência dos créditos cedidos.

 

Desta forma, “Se o capital já houver sido integralizado, isto é, se todas as quotas estiverem inteiramente liberadas, nenhum quotista, como tal, poderá ser compelido a fazer qualquer prestação. Nada deve ele, nem à sociedade, nem aos credores dela, cuja garantia repousa exclusivamente sobre o patrimônio social.” [1]

 

A propósito, veja-se o entendimento do STJ, sobre o tema:

 

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PROFERIDA CONTRA SOCIEDADE LIMITADA. 1. DISTRATO DA PESSOA JURÍDICA. EQUIPARAÇÃO À MORTE DA PESSOA NATURAL. SUCESSÃO DOS SÓCIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 43 DO CPC/1973. TEMPERAMENTOS CONFORME TIPO SOCIETÁRIO. 2. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. FORMA INADEQUADA. PROCEDIMENTO DE HABILITAÇÃO. INOBSERVÂNCIA. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Debate-se a sucessão material e processual de parte, viabilizada por meio da desconsideração da pessoa jurídica, para responsabilizar os sócios e seu patrimônio pessoal por débito remanescente de titularidade de sociedade extinta pelo distrato. 2. A extinção da pessoa jurídica se equipara à morte da pessoa natural, prevista no art. 43 do CPC/1973 (art. 110 do CPC/2015), atraindo a sucessão material e processual com os temperamentos próprios do tipo societário e da gradação da responsabilidade pessoal dos sócios. 3. Em sociedades de responsabilidade limitada, após integralizado o capital social, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal pelas dívidas titularizadas pela sociedade, de modo que o deferimento da sucessão dependerá intrinsecamente da demonstração de existência de patrimônio líquido positivo e de sua efetiva distribuição entre seus sócios. 4. A demonstração da existência de fundamento jurídico para a sucessão da empresa extinta pelos seus sócios poderá ser objeto de controvérsia a ser apurada no procedimento de habilitação (art. 1.055 do CPC/1973 e 687 do CPC/2015), aplicável por analogia à extinção de empresas no curso de processo judicial. 5. A desconsideração da personalidade jurídica não é, portanto, via cabível para promover a inclusão dos sócios em demanda judicial, da qual a sociedade era parte legítima, sendo medida excepcional para os casos em que verificada a utilização abusiva da pessoa jurídica. 6. Recurso especial provido.” (STJ – 1.784.032/SP – Rel. Min. Marco Aurélio Belizze – j. 02/04/2019).

 

Recentemente, o E. TJSP, em decisão monocrática da Em. Des. Jane Franco Martins, ao julgar o agravo de instrumento nº 2155823-64.2022.8.26.0000, reafirmou o entendimento de que “em uma dissolução parcial de sociedade limitada, o sócio retirante não possui uma responsabilidade genérica pela eventual constatação de uma situação patrimonial deficitária, em virtude de sua mera participação social.”

 

Nem mesmo o contrato social pode determinar ao sócio retirante que pague à sociedade o montante equivalente ao que competiria a ele nos prejuízos. Segundo Luis Felipe Spinelli:

 

“primeiro, porque, na hipótese de exclusão do sócio, isso pode se transformar em mecanismo de chantagem; segundo, porque corresponde, na prática, à deturpação do regime da limitação da responsabilidade (criando-se algo semelhante a uma sociedade em nome coletivo); terceiro, porque, com já visto (item 1.2.23) é proibido no país a existência de prestações suplementares. Da mesma forma, não se pode imputar ao sócio excluído a responsabilidade pelo pagamento dos débitos sociais.” [2]

 

Logo, se ao se apurar os haveres do sócio retirante, seja porque foi excluído, seja por exercício do direito potestativo de retirada, verificar-se que o patrimônio líquido da sociedade é negativo, ou seja, que ela apresenta prejuízo, ele nada terá a receber, mas também, nada terá a pagar à sociedade.

 

Em outras palavras, o sócio da sociedade limitada perde, apenas e tão somente, o capital investido no negócio.

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

Bibliografia

[1] BORGES, João Eunápio. Curso de Direito comercial e terrestre. Rio de Janeiro: Forense, 1697, p. 130.

[2] SPINELLI, Luis Felipe. Exclusão de sócio por falta grave na Sociedade Limitada. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 504/505.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2015.

SPINELLI, Luis Felipe. Exclusão de sócio por falta grave na Sociedade Limitada. São Paulo: Quartier Latin, 2015.

BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial e terrestre. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

 

 

 

A Adjudicação Compulsória Extrajudicial: Dúvidas e Reflexões em Relação ao Novo Procedimento.

 

Em 28 de junho de 2022 entrou em vigor a Lei nº 14.382 que alterou dispositivos de diversos diplomas legais, dentre eles a lei dos registros públicos (n° 6.015/73).

 

No que se refere a lei de registros públicos, uma interessante alteração foi no sentido da desjudicialização, com a inclusão do art. 216 -B, pela qual, sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel poderá ser efetivada extrajudicialmente, perante o serviço de registro de imóveis da situação do imóvel.

 

O procedimento judicial e sua evolução

 

A adjudicação compulsória, através da via jurisdicional está prevista em nosso ordenamento jurídico há mais de 70 anos, através da redação dada ao artigo 22 do Decreto Lei n° 58/1937, pela Lei nº 649, de 1949 e, posteriormente, pela Lei nº 6.014, de 1973.

 

Em resumo, nos compromissos de compra e venda de imóveis celebrados em caráter irrevogável e irretratável, tendo sido quitado o preço, e tendo sido o compromisso averbado perante a matrícula do imóvel, o promitente comprador poderá exigir do promitente vendedor a outorga da escritura de compra e venda, e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel, servindo a sentença de procedência, como título para a transferência da propriedade.

 

No correr do tempo, a jurisprudência afastou a exigência da prévia averbação do compromisso de compra e venda perante a matrícula imobiliária, para o exercício da ação de adjudicação compulsória, tendo tal entendimento sido cristalizado, em 2000, com a edição da súmula n° 239 pelo Superior Tribunal de Justiça (“O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”).

 

Por outro lado, obstáculo comum nas ações de adjudicação compulsória é a impossibilidade do registro da sentença, no caso de não ser possível emitir certidão conjunta de débitos administrados pela Receita Federal (PGFN), do vendedor. De acordo com a regra contida no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91 é necessária a exibição da CND do vendedor, para atos de venda de imóveis. Sua dispensa é restrita aos casos em que a alienante for empresa que tenha por atividade a comercialização de imóveis, e que o imóvel a ser alienado não integre seu ativo fixo.

 

Não obstante tal exigência, nos casos em que os registros de imóveis se recusam a registrar a sentença proferida em ação de adjudicação compulsória, por ausência de CND do vendedor, o judiciário tem dispensado sua apresentação (TJSP, Apelação Cível n° 9000003-22.2009.8.26.0441, Rel. Des. José Renato Nalini, DJ: 05/03/2013).

 

As razões para afastar tal exigência são tanto de direito material, já que o promitente comprador teria lesado seu lídimo direito à propriedade [garantia fundamental elevada à cláusula pétrea , art. 5°, XXII, CF/88], como de índole prática, pois ao se negar o registro, pela ausência da certidão negativa de tributos do vendedor, se forçaria o interessado a buscar – via ação de usucapião, modo originário de aquisição da propriedade -, o reconhecimento do seu direito real sobre a coisa, o quê além de criar embaraço para o adquirente, também traria nova e desnecessária movimentação da máquina judiciária.

 

Neste sentido e no Estado de São Paulo, a Corregedoria Geral de Justiça inseriu o item 60.2, no Capítulo XVI, das Normas de Serviço do Extrajudicial:

 

“60.2. Nada obstante o previsto nos arts. 47, I, b, da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991, e no art. 257, I, b, do Decreto n.º 3.048, de 6 de maio de 1999, e no art. 1.º do Decreto n.º 6.106, de 30 de abril de 2007, faculta-se aos Tabeliães de Notas, por ocasião da qualificação notarial, dispensar, nas situações tratadas nos dispositivos legais aludidos, a exibição das certidões negativas de débitos emitidas pelo INSS e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e da certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tendo em vista os precedentes do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de inexistir justificativa razoável para condicionar o registro de títulos à prévia comprovação da quitação de créditos tributários”

 

Do procedimento extrajudicial

 

Feitas tais considerações, voltemos para o novo art. 216-A da Lei de Registros Públicos. Em referida norma foram estabelecidos os requisitos para o procedimento extrajudicial. São eles, a apresentação dos seguintes documentos, perante o oficial do registro de imóveis:

 

I – instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;

II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;

III – certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;

IV – comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);

 

A redação da norma, em nosso sentir, poderia ser mais detalhista, especialmente no que se refere ao inciso primeiro, pois sabemos que não é qualquer compromisso de venda e compra que dá direito a adjudicação compulsória, mas apenas os que são celebrados sem possibilidade de arrependimento.

 

Por outro lado, é de se destacar que em seu texto original, constava o §2°, que foi vetado. Sua redação era a seguinte: “§ 2º O deferimento da adjudicação independe de prévio registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão e da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor.”

 

Tal parágrafo, dispensava expressamente o prévio registro do instrumento de compra e venda perante a matrícula do imóvel, bem como a exibição da CND – Receita Federal do promitente vendedor.

 

Questão tormentosa será como os registradores e as corregedorias dos tribunais de justiça estaduais (que regulam o serviço notarial) irão interpretar referido veto. Tal ponderação é feita, em razão do veto poder ser interpretado como necessidade da observância de tais condições, o que tornaria o procedimento extrajudicial, de certo modo, mais tormentoso que o judicial.

 

Por outro lado, entendemos que do veto não se pode presumir a existência de tais requisitos, pois se não constou a dispensa, também não constou referidas exigências, na redação final do art. 216-B. Assim, insuscetível, de se exigir algo que a lei não previu, a teor do princípio da legalidade (art. 5°, II, CF/88: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”).

 

É relevante destacar, que as mesmas razões que se aplicam para dispensar a CND da Receita Federal do promitente vendedor, no caso de o procedimento ser judicial, devem ser aplicados ao procedimento extrajudicial, já que inexiste elemento distintivo entre os procedimentos, que permita a aplicação de entendimento diverso, sob pena de se ferir o princípio da igualdade.

 

Feitas tais ponderações, vemos como muito bons olhos o novo instituto e especialmente a possibilidade de as partes resolverem seus conflitos fora da esfera judicial, desde que sejam juridicamente capazes. Evidente, que o novo instituto terá maior aderência à realidade social, caso a interpretação do art. 216-B da lei de registros públicos seja razoável e não enverede para imposição de obstáculos não previstos em lei; o que esperamos que se suceda.

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

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