Boletim Informativo – Setembro 2021

Boletim RES, Advogados

Setembro de 2021

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: trabalhista, empresarial, digital e imobiliário.

No campo do direito trabalhista, abordamos a estabilidade gestante no contrato de experiência à luz do atual entendimento jurisprudencial sobre a matéria.

No espaço reservado para o direito empresarial, tratamos da possibilidade de recuperação judicial de Sociedades de Propósito Específico – SPEs, utilizadas para estruturação de empreendimentos imobiliários.

Na área de direito digital, os parâmetros da jurisprudência na aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados e sua importância na adequação das empresas ao novo regramento, são objeto de cuidadoso exame.

Por fim, no campo do direito imobiliário, é analisada recente decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sobre a utilização do valor venal de referência do imóvel para fins de cálculo do Imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI).

Lembramos que em nosso site você pode sempre encontrar notícias atualizadas. Uma boa leitura.


Índice:

Direito Trabalhista:

Estabilidade de gestante no contrato de experiência.

Fls…………………..……………………………………………………………………………………….3-5

– Eduardo Galvão Prado

Direito Empresarial:

SPE nos empreendimentos imobiliários e recuperação judicial.

Fls………………………………………………………………………………………………………….6-14

– Rodrigo Elian Sanchez e Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi

Direito Digital:

Parâmetros da jurisprudência na aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados e sua importância na adequação das empresas ao novo regramento.

Fls………………………………………………………………………………………………………….15-20

– Flávia de Faria Horta Pluchino

Direito Imobiliário:

TJSP define que o valor venal de referência não pode ser utilizado para fins de cálculo do ITBI.

Fls………………………………………………………………………………………………………….21-24

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho


Estabilidade de Gestante no Contrato de Experiência.

A estabilidade gestante é prevista no artigo 10, do ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal/88 e protege a empregada gestante contra demissão sem justa causa, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Não obstante o artigo 10 do ADCT prever que a empregada grávida é protegida apenas contra demissão sem justa causa, o TST ao interpretar tal norma, ampliou sua aplicação para contratos por prazo determinado, como o contrato de experiência, tendo sedimentado este entendimento, através da súmula 244, III.

O término do contrato de experiência é uma modalidade de encerramento do contrato de trabalho, em razão do prazo determinado pelo qual o contrato terá sua vigência, que não se confunde com a demissão sem justa causa, porém, pelo entendimento do TST, o direito à estabilidade gestante, também deve ser aplicado ao contrato de experiência.

Este entendimento não é pacífico nos tribunais regionais (instância inferior ao TST). De forma majoritária, o tribunal regional da 2ª região, que abrange a capital e algumas cidades de São Paulo, entende que a empregada gestante não tem direito à garantia provisória de emprego prevista no artigo 10, do ADCT, na hipótese de admissão por “contrato a termo”.

Por este entendimento, a empregada gestante não tem estabilidade no caso do término do contrato de experiência. Inclusive, este entendimento foi sedimentado na “TESE JURÍDICA PREVALECENTE Nº 05” do TRT2.

Esta divergência de entendimento, gera certa insegurança jurídica e dificulta o empregador na tomada de decisões nos casos concretos, já que, em 1ª instância e nos tribunais regionais (2ª instância), especificamente no tribunal regional de São Paulo, é possível obter decisões que não aplicam a estabilidade gestante no caso de término do contrato de experiência (contrato por prazo determinado), enquanto a posição do tribunal superior do trabalho (TST) é em sentido oposto.

A questão se torna ainda mais complexa, pois pouquíssimos recursos endereçados ao TST são admitidos, em razão de diversos filtros e pressupostos processuais que são exigidos. Segundo a Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST, de janeiro a julho de 2021 foram interpostos 224.411 Recursos de Revista e, desse total, 15.370 foram admitidos, ou seja apenas 6,8%[1].

Neste sentido e apesar da jurisprudência de alguns tribunais regionais do trabalho serem conflitantes com o entendimento do TST, tais decisões acabam prevalecendo em razão da dificuldade de se acessar a instância superior.

Eduardo Galvão Prado


SPE nos Empreendimentos Imobiliários e Recuperação Judicial.

Forma usual de estruturar empreendimentos imobiliários é a constituição de Sociedades de Propósito Específico – SPEs.

Em resumo, a SPE segrega cada “projeto” dos demais empreendimentos de uma incorporadora, e traz diversas vantagens, uma vez que seu objeto social tem por escopo a realização de obra determinada, assumindo obrigações exclusivas e autônomas. Neste sentido, após a realização da obra e venda das unidades, se procede liquidação das obrigações sociais e se encerra a SPE.

É comum, inclusive, que cada empreendimento tenha investidores específicos, sendo bastante prático para o incorporador se utilizar da estrutura societária da SPE para cada projeto, de forma a tratá-lo de forma segregada contabilmente.

Tal mecanismo ganhou bastante uso após o caso da quebra da Encol[2], em que a segurança de compra de imóveis na planta foi bastante abalada. Em 1999 quando da falência da Encol S.A., a legislação aplicável aos contratos de incorporação imobiliária não trazia a segurança necessária para aquisição de unidades em construção.

É necessário destacar, porém, que o uso apenas da SPE para estruturar empreendimento imobiliário não é capaz, por si só, de afastar a insegurança de que os recursos auferidos com a venda de unidades, sejam destinados para fins diversos, bem como que o mútuo obtido de agentes financeiros seja empregado na consecução de outros projetos do incorporador.

Assim a entrada em vigência da Lei n.° 10.931/2004 constituiu importante marco para retomada da segurança jurídica na aquisição de imóveis na planta, ao inserir na Lei n.° 4.591/64, os artigos 31-A a 31-F, pelos quais foi instituída a possibilidade do incorporador se submeter ao regime de afetação, “pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes”.

O §1° do art. 31-A, por sua vez estabelece: “O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva”.

Para além de restabelecer confiança no mercado imobiliário no que se refere à compra de unidades em construção, discussão tem surgido em relação a possibilidade de SPEs aderirem à recuperação judicial, considerando que são idealizadas para que a eventual falência da incorporadora não as “contamine”.

O tema tem sido discutido em alguns casos esparsos, sendo que o entendimento que vem se consolidando é no sentido de que a SPE sem patrimônio de afetação pode ser objeto de recuperação judicial. Tal interpretação vem ocorrendo, caso a caso, ante a inexistência de previsão legal específica.

Contudo, a questão é bastante polêmica, considerando a natureza jurídica da SPE, que é uma modalidade com fim específico e prazo determinado, elementos que por si só se diferem dos requisitos da Lei nº 11.101/2005, cujo principal objetivo é a preservação e a continuidade da empresa.

A Lei 11.101/2005 prevê a possibilidade de planos de recuperação de sociedades a longo prazo – àquelas de prazo indeterminado – o que não é o caso das SPE´s, que teoricamente não poderiam se beneficiar desta lei.

Porém e quando se refere à SPEs com patrimônio de afetação, a jurisprudência tem caminhado no sentido de não admitir sua submissão ao regime de recuperação, considerando que o art. 31-F da Lei n.° 4.591/64, prevê que os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação.   

Em recente julgado, o TJRJ[3] decidiu que SPE´s com patrimônio de afetação não podem se valer da Lei 11.101/2005 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência.

O principal argumento da decisão se baseou no entendimento de que o patrimônio de afetação possui autonomia em relação ao patrimônio do incorporador, não respondendo por dívidas estranhas à sua finalidade, bem como porque seu objetivo é de proteger os interesses dos adquirentes, em caso de insolvência do incorporador. Na decisão foram citadas as considerações contidas em parecer do Prof. Fábio Ulhoa Coelho, elaborado exclusivamente para a recuperação judicial da sociedade em questão, que assim dispôs:

“(…) E, aliás, precisamente este o significado jurídico da afetação: determinados bens e direitos não são mais da livre disponibilidade da incorporadora, porque devem ser, a partir da especialização patrimonial, administrados por ela exclusivamente para a realização da finalidade indicada, ou seja, a construção daquele condomínio edilício em particular. Há um vínculo entre aquela parcela afetada do patrimônio da incorporadora e a conclusão de um determinado empreendimento. Nada pode desvirtuar este vínculo, enquanto ele perdurar na forma da lei. (…) entre as consequências da decisão empresarial de constituição do patrimônio de afetação, como decorrência da indisponibilidade dos bens afetados, encontra-se a impossibilidade de recuperação judicial. afinal, não tendo mais a livre disponibilidade dos elementos patrimoniais afetados (ativos e passivos), não os possui a incorporadora como meios para tentar se recuperar das dificuldades que alega estar enfrentando. em suma, a incorporadora que opta pelo regime de afetação patrimonial não tem direito à recuperação judicial”.

Por outro lado, na mesma decisão do TJRJ, foi acolhido entendimento de que as SPE´s sem patrimônio de afetação se enquadram no princípio da preservação da empresa, e poderiam gozar os benefícios da lei de recuperação.

No mesmo sentido, o TJMG[4], em recente decisão, para além de referendar o entendimento de que as SPEs sem patrimônio de afetação podem pleitear pela recuperação, fez distinção temporal pela qual, se as SPEs com patrimônio de afetação, a priori, não se submetem ao regime recuperacional, após a conclusão do empreendimento, mediante o registro das unidades no cartório de registro de imóveis, a afetação se extinguiria, e, portanto, seria possível pleitearem pela recuperação judicial. Tal entendimento, se fundamentou em interpretação do artigo 119, IX da Lei de recuperações[5]:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO (SPE) COM PATRIMONIO DE AFETAÇÃO. CONCLUSÃO DO EMPREENDIMENTO MEDIANTE REGISTRO NO CRI. EXTINÇÃO DA AFETAÇÃO. ART. 31-E, DA LEI N.º 4.591/1964. AUSÊNCIA DE ÓBICE AO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. A SPE – Sociedade de Propósito Específico, conforme se denota da previsão contida no art. 981, do Código Civil, trata-se de pessoa jurídica criada com a finalidade única de executar um determinado empreendimento ou desenvolver um projeto específico. A Lei nº 11.101/05, nas exceções elencadas em seu art. 2º, não faz nenhuma menção às SPEs. Todavia, a interpretação sistemática da norma autoriza a conclusão de que não é possível o processamento da recuperação judicial das referidas sociedades com patrimônio de afetação; ao contrário, é permitida a recuperação judicial das SPEs sem patrimônio de afetação. Nos termos do inciso I, do art. 31-E, da Lei n.º 4.591/1964, o patrimônio de afetação extinguir-se-á pela “averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento”. Concluídas as obras do empreendimento desenvolvido pela requerente e registradas as matrículas individualizadas no Registro de Imóveis, é certo que ocorreu a extinção do patrimônio de afetação. Não mais existente o patrimônio de afetação da SPE, não há óbice legal ao processamento de sua recuperação judicial, ante a ausência de vedação legal. Recurso não provido”.

A questão ainda carece de maior apreciação pelo poder judiciário, o que se denota em decisão do STJ que acolheu pedido de tutela provisória apresentado por JOÃO FORTES ENGENHARIA S.A. e outras, visando à atribuição de efeito suspensivo a Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro[6], que negou a possibilidade de SPEs com patrimônio de afetação aderirem à recuperação judicial. Transcrevemos abaixo a decisão dada no pedido de tutela provisória:

“…. No caso, a questão central posta a desate cinge-se à definição, à luz da interpretação da legislação infraconstitucional invocada no apelo nobre interposto pela primeira requerente, a respeito da possibilidade de que as Sociedades de Propósito Específico (SPEs) que compõem um mesmo grupo empresarial, ainda que possuam patrimônio de afetação, possam ser submetidas ao processo de recuperação judicial. Pesquisando a base jurisprudencial desta Corte Superior, observa-se que o tema ventilado ainda não foi objeto de exame no âmbito do STJ, não havendo o registro de nenhum precedente específico. Assim, verificada a razoabilidade da tese ventilada, bem como a plausibilidade, ao menos em tese, do direito invocado no apelo nobre interposto, deve ser reconhecida a presença do pressuposto relacionado ao fumus boni iuris na hipótese….”

A jurisprudência que existe sobre o tema é ainda muito incipiente, mas já caminha no sentido de permitir que SPEs sem patrimônio de afetação, possam se utilizar da recuperação judicial para sair da crise pela qual atravessam, enquanto nos casos em que as SPEs adotaram patrimônio de afetação, o entendimento é da incompatibilidade com o regime recuperacional.

A definição desta questão é de grande relevância para todo o mercado imobiliário, sendo importante que o judiciário pacifique a questão de forma definitiva, para que a definição do tema mantenha a segurança aos adquirentes de unidades em construção, conforme idealizado pela Lei n.° 10.931/2004, ao ter criado a figura jurídica do patrimônio de afetação, de forma a garantir que os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atinjam os patrimônios de afetação constituídos.

Rodrigo Elian Sanchez e Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi


Parâmetros da Jurisprudência na Aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados e sua Importância na Adequação das Empresas ao Novo Regramento.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) alterou a natureza das relações entre os titulares dos dados pessoais e os agentes de tratamento, até então meramente fáticas, para serem encaradas como, também, jurídicas[7]. Assim, a LGPD reconheceu direitos aos titulares dos dados pessoais e impôs deveres aos agentes de tratamento dos dados pessoais.

Na medida em que que o titular dos dados pessoais, na maioria dos casos, não possui consciência tecnológica e não compreende os potenciais riscos do tratamento de dados pessoais, o objetivo da nova Lei, a partir da evolução do conceito de privacidade, associado ao direito à liberdade de expressão, foi elevar a proteção de dados pessoais para uma posição em que haja o equilíbrio entre o estado de vulnerabilidade do cidadão, frente aos agentes de tratamento (públicos ou privados).

A partir de primeiro de agosto de 2021, a LGPD passou a ser totalmente operante, com a possibilidade de aplicação das sanções administrativas previstas nos artigos 52, 53 e 54, pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD), que vão desde advertência, com prazo para adoção de medidas corretivas, a multas que podem alcançar a cifra de R$ 50.000.000,00.

Entretanto, mesmo antes das sanções na nova Lei entrarem em vigor, já havia ações judiciais em curso junto ao Poder Judiciário, fundadas na LGPD. Recentemente, a empresa JUIT, especializada no uso de ferramentas autorizadas para fazer varredura em Tribunais, divulgou a existência de 600 ações envolvendo o uso de dados pessoais pelos titulares de empresas[8].

Apesar da ANPD não ter ainda finalizado a regulamentação das sanções previstas na Lei, a análise da jurisprudência é um importante ponto de referência para orientar os agentes de tratamento de dados quanto às medidas necessárias à adequação de seu sistema de tratamento de dados pessoais.

Tendo em vista que o assunto é novo, a maior parte das demandas está ainda em primeira instância, mas recentemente o TJSP, no julgamento do recurso de apelação n. 1003122-23.2020.8.26.0157, decidiu a lide com base na Lei Geral de Proteção de Dados associada às regras de proteção do consumidor.

No caso, um consumidor adquiriu produto, através do website da empresa ré, tendo sido informado horas depois, por um desconhecido, através de Whatsapp, que seus dados pessoais estavam expostos na página eletrônica da ré.

O autor informou que tentou contatar a ré no mesmo dia, porém, sem sucesso, sendo atendido somente dias depois.

A ré, em sua defesa, alegou que o relato do autor demonstraria apenas um equívoco no sistema da empresa, que, muito embora possa ocorrer raramente, são adotados todos os cuidados necessários, de modo que os problemas são imediatamente resolvidos. A despeito de suas alegações, não apresentou provas dos cuidados adotados, mas apenas o link de acesso ao seu site, onde não se verifica nenhuma diretriz em caso de vazamento de dados, sequer indicando o nome do encarregado, conforme comanda o art. 41, da LGPD, em sua política de privacidade.

Para o Tribunal, a empresa não teria justificado adequadamente o evento descrito pelo consumidor. Assim, como o defeito na segurança do website da ré insere-se no próprio risco da atividade desenvolvida, ele concluiu que “(…) a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n. 13.709/2018) dispõe que o operador de dados pessoais deve responder por eventual dano decorrente de falha de segurança, sem prejuízo da aplicabilidade das disposições consumeristas (…)” e condenou a empresa a indenizar o consumidor.

Neste sentido, é importante destacar que o art. 6º, inciso X da LGPD, consagrou o princípio do accountabulity, definido como sendo a “demonstração pelo agente [de tratamento] da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas.”

A prática do accountability está diretamente relacionada ao grau de responsabilização do agente de tratamento de dados e possibilita até mesmo a isenção da obrigação de reparar os danos causados aos titulares de dados quando conseguir demonstrar que não violou a legislação de proteção de dados (art. 43).

Na esteira do que dispõe a LGPD, é possível encontrar decisão em que o agente de tratamento não foi responsabilizado pelo tratamento de dados pessoais.

Como exemplo, cita-se decisão proferida pela justiça do trabalho, na Ação Civil Pública n. 002.0014-30.2021.5.04.0261, movida pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Montenegro contra a JBS.

No caso, a decisão julgou improcedentes os pedidos do sindicato relacionados à LGPD, pois considerou que a empresa logrou êxito em comprovar a adequação de seu procedimento de tratamento de dados pessoais às normas da LGPD, através da juntada aos autos do manual de privacidade, da designação do encarregado pelo tratamento de dados pessoais, da política de privacidade da empresa e da apresentação de cartilhas informativas aos funcionários, além da demonstração do uso de recursos tecnológicos compatíveis para prover a segurança da informação.

A adoção de boas práticas de aderência à Lei pela JBS constituiu o fundamento relevante da decisão, para afastar sua responsabilidade. Apesar da decisão estar sujeita a recurso, ela nos dá um norte sobre as ações do controlador e do operador de dados pessoais consideradas suficientes para minimizar e até mesmo afastar sua responsabilidade por eventuais falhas no tratamento de dados pessoais.

Embora a questão da responsabilidade civil na LGPD deva ser interpretada em cada caso concreto, junto com as normas específicas a depender da relação jurídica (consumidor, trabalhista, tributária, administrativa, etc.), da comparação das duas decisões tratadas neste artigo, em áreas distintas do direito, conclui-se que não basta aos agentes de tratamento de dados pessoais estarem adequados à LGPD, mas sim, serem capazes de comprovarem a eficácia das medidas exigidas pela Lei para a proteção dos dados pessoais e, principalmente, para correção imediata de eventuais falhas verificadas.

Muito provavelmente, estes mesmos parâmetros serão observados pela ANPD na aplicação das sanções administrativas.

Por isto, é de extrema relevância que as empresas não apenas revisem as normas e políticas de segurança da informação, a fim de dotar seu sistema de capacidade de proteção e resposta rápida à vazamentos; revisem os contratos, termos de uso, política de privacidade, a fim de verificar se contém os requisitos mínimos exigidos pela LGPD; elaborem um termo de conformidade com a LGPD para ser assinado por parceiros, fornecedores, prestadores de serviços; implementem campanhas de conscientização dos colaboradores; mas, principalmente mantenham o registro das ações, processos e políticas da empresa para adequação e aprimoramento das medidas de proteção de dados pessoais.

Flávia de Faria Horta Pluchino


TJSP Define que o Valor Venal de Referência não Pode ser Utilizado para Fins de Cálculo do ITBI.

O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (“ITBI”) é um tributo municipal, que tem como fato gerador a efetiva transmissão intervivos, a qualquer título, de bens imóveis sendo que o fato gerador ocorre com o registro da transação perante o Oficial de Registro de Imóveis (conforme entendimento fixado pelo STF em sede de repetitivo). Em outras palavras, na aquisição de bens imóveis, além do comprador pagar o preço acordado, também terá que recolher aos cofres municipais, o ITBI.

No Brasil, o ITBI tem origem histórica de longa data, tendo surgido em 1809, por meio do Alvará 3, de junho do referido ano, com a denominação de imposto da sisa (pela qual este tributo é vulgarmente conhecido até os dias atuais). A primeira previsão constitucional surgiu na Carta de 1891, que estabelecia, em seu art. 9º, inciso 3º, como sendo de competência dos Estados o imposto sobre transmissão de propriedade[9].

Atualmente, é a Constituição de 1988 que prevê a incidência do ITBI, atribuindo aos Municípios a competência para a sua instituição (CF, art. 156, II).

No caso específico do município de São Paulo, o ITBI está previsto na Lei Municipal nº 11.154/91, regulada pelo Decreto nº 31.134/92 e Decreto 37.344/98.

E o art. 7º da Lei 11.154/91, com redação dada pela Lei n° 14.256/2006, prevê que “Para fins de lançamento do Imposto, a base de cálculo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado”.

Apesar da Lei municipal dispor que a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, ou o valor negociado, o Decreto municipal nº 46.228/05, que aprovou o regulamento do imposto, aumentou a base de cálculo do ITBI, ao dispor no art. 8º, que ela deveria corresponder ao valor venal atualizado do imóvel, o chamado “Valor Venal de Referência”.

Em resumo, o Munícipio, através desta manobra, criou para o mesmo imóvel dois valores venais, um que serve de cálculo para o pagamento do IPTU e outro que serve de base de cálculo para apuração do ITBI.

Portanto, na prática, o Município de São Paulo criou outra base de cálculo para o ITBI, distinta da do IPTU e superior a esta última.

Porém, o TJSP, em acórdão proferido no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (“IRDR”) nº 2243516-62.2017.8.26.0000, entendeu ser ilegal para cobrança do ITBI, a instituição de um valor venal distinto daquele utilizado para o IPTU, uma vez que implicaria em afronta ao princípio da segurança jurídica e legalidade, considerando que a alteração de base de cálculo de imposto não pode ser realizada por ato do poder executivo (decreto), mas sim apenas por lei.

E sendo assim, o TJSP fixou a tese jurídica “DA BASE DE CÁLCULO DO ITBI, DEVENDO SER CALCULADO SOBRE O VALOR DO NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO E, SE ADQUIRIDO EM HASTAS PÚBLICAS, SOBRE O VALOR DA ARREMATAÇÃO OU SOBRE O VALOR VENAL DO IMÓVEL PARA FINS DE IPTU, AQUELE QUE FOR MAIOR, AFASTANDO O VALOR VENAL DE REFERÊNCIA”.

Referida decisão ainda não transitou em julgado e foi objeto de recurso especial pelo município de São Paulo (REsp nº 1937821 / SP). O recurso especial ainda não tem previsão de data para julgamento.

A despeito do entendimento do TJSP, a Prefeitura Municipal de São Paulo continua a praticar o valor venal de referência, em descumprimento ao entendimento do E. TJSP, situação que pode ser afastada mediante mandado de segurança junto ao Poder Judiciário.

Em alguns casos, a diferença do ITBI em razão da base de cálculo ilegal, gera graves distorções e nossa equipe está à disposição para assessorar clientes neste tema, realizando a análise caso a caso.

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho


Todos os direitos reservados – Rodrigo Elian Sanchez Sociedade de Advogados S/S.


[1] Movimentação Processual dos TRTs.  Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST, Brasília, 2021. Disponível em:

http://www.tst.jus.br/documents/18640430/24359788/Movimenta%C3%A7%C3%A3o+Processual+TRT+2021.pdf/a81adaf1-f57b-ab99-b6cb-861a0d17d967?t=1616597110913. Acesso em 02, out. 2021.

[2] CÂMARA, Hamilton Quirino. Falência do incorporador imobiliário: o caso Encol. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

[3] TJ-RJ – AI: 00322404220208190000, Relator: Des(a). Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho, Data de julgamento: 30/09/2020, Sétima Câmara Cível, Data de publicação: 08/10/2020.

[4] TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.20.515429-7/001, Relator(a): Des.(a) Corrêa Junior, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/02/2021, publicação da súmula em 26/02/2021).

[5] “Art. 119. […] IX: os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica, obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer”.

[6]   STJ, PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA nº 3572 – RJ (2021/0265210-4), Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 19 de agosto de 2021.

[7]   TAMER, Maurício Antonio. Processo Civil e Alguns Reflexos da LGPD no Contencioso: os titulares de dados pessoais e os agentes de tratamento em compliance. In Proteção de Dados: desafios e soluções na adequação à Lei. Organiz. Renato Ópice Blum. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 214.

[8] KRUSTY, Ricardo. Justiça já possui 600 decisões envolvendo a LGPD. Juristas, 06 jul. 2021. Disponível em: http://juristas.com.br/2021/07/06/justica-ja-possui-600-decisoes-envolvendo-a-lgpd/. Acesso em 23.08.2021.

[9] CONTI, José Maurício. O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI): principais questões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4n. 361 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1401.