BOLETIM INFORMATIVO – OUTUBRO 2024

Boletim RES, Advogados

Outubro de 2024

 

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: processual civil, societário, das sucessões e trabalhista.

 

No campo do direito processual civil, abordamos a validade da assinatura eletrônica, conforme recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

 

No espaço reservado para o direito societário, tratamos sobre a possibilidade de instituir quotas preferenciais na sociedade limitada, como forma de organização do poder político e seus reflexos na atração de investimentos.

 

No campo do direito das sucessões, é analisada a possibilidade de aquisição de bens de falecidos através de alvará judicial.

 

Por fim, na área do direito trabalhista, são analisados os efeitos da homologação de acordo extrajudiciais entre empregados e empregadores.

 

Lembramos que em nosso site, você pode sempre encontrar notícias atualizadas; uma boa leitura!

 

 

Índice:

 

Direito Processual Civil:

 

A validade da assinatura eletrônica.

Fls……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………03-08

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

Direito Societário:

 

As quotas preferenciais como forma de organização do poder político das sociedades limitadas e seus reflexos na atração de investimentos.

Fls……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………09-14

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

Direito das Sucessões:

 

Aquisição de bens de falecidos através de alvará judicial

Fls……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………15-20

– Rodrigo Elian Sanchez

 

Direito Trabalhista:

 

Novo capítulo sobre os efeitos da homologação de acordos extrajudiciais entre empregados e empregadores.

Fls……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………21-23

– Eduardo Galvão Prado

 

 

A Validade da Assinatura Eletrônica.

 

Cada vez mais a assinatura eletrônica em documentos é utilizada, seja com ou sem certificação digital. Com base na mais recente jurisprudência sobre o tema, trazemos, nas linhas abaixo, as principais informações necessárias para que as partes signatárias evitem problemas e garantam a validade jurídica do documento.

 

A assinatura eletrônica tem sua previsão na Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 (“MP 2200”) que, em seu o artigo 10, parágrafos §1º e § 2º, prevê a validade de documentos eletrônicos tanto firmados com certificado digital ICP-Brasil, quanto firmados sem certificado digital ICP-Brasil:

 

“Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.

 

  • 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil.

 

  • 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”.

 

Mais recentemente, a Lei 14.063/2020 (que dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos), trouxe, especificamente nos arts. 3º e 4º, os conceitos de autenticação e dos diferentes tipos de assinaturas eletrônicas.

 

No REsp 2159442 – PR, a Ministra Nancy Andrighi, em seu voto, fez um resumo que, dada sua capacidade didática, vale a transcrição:

 

(i)          autenticação: processo eletrônico que permite a identificação eletrônica de uma pessoa natural ou jurídica;

 

(ii)         assinatura eletrônica: associação de dados em formato eletrônico utilizados pelo signatário para assinar nos três níveis de segurança, classificados do menor ao mais elevado, da seguinte forma:

 

(a) assinatura eletrônica simples: permite identificação do signatário por simples associação de dados;

 

(b) assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil, ou que utiliza um método alternativo de comprovação de autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, desde que:

 

(1)  seja admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento,

 

(2)  seja inequivocamente associada ao signatário,

 

(3)  utilize dados que permitam ao signatário operar sob o seu controle exclusivo e com elevado nível de confiança e

 

(4)  permita a detecção de qualquer modificação dos dados da assinatura posteriormente à sua execução;

 

(c) assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificados emitidos pela ICP-Brasil.

 

O acórdão proferido no referido recurso especial destacou que ambas as formas de assinatura eletrônica (avançada e qualificada) são válidas, sendo que a assinatura “qualificada” seria aquela equivalente à firma reconhecida por autenticidade, e a “avançada” seria aquela equivalente à firma reconhecida por semelhança.

 

Com relação à assinatura avançada, a ministra, afirmou que ela apenas se diferencia da qualificada no que se refere à força probatória e grau de dificuldade na impugnação técnica, mas que não seria permitido negar validade a um documento com assinatura avançada, simplesmente pelo fato de a autenticação ter sido feita por uma entidade sem credenciamento no sistema ICP-Brasil. De forma didática, trouxe a seguinte analogia: “seria o mesmo que negar validade jurídica a um cheque emitido pelo portador e cuja firma não foi reconhecida em cartório por autenticidade, evidenciando um excessivo formalismo diante da nova realidade do mundo virtual”.

 

O voto esclarece que “o processo de certificação pelo sistema ICP-Brasil, não excluiu outros meios de validação jurídica de documentos e assinaturas eletrônicos, consoante se verifica no § 2º do art. 10 da MPV 2200/2001 ao referir expressamente “utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade”, e a expressão “meio de comprovação” invariavelmente traz contornos sobre a força probatória do que se pretende provar ou comprovar”.

 

Para sustentar tal afirmação, a Ministra citou o primeiro Procurador-Chefe do Instituto Nacional da Tecnologia da Informação (“ITI”), segundo o qual:

 

“A MP 2.200-2, fonte normativa de abrangência geral, adotou uma classificação bipartida das assinaturas eletrônicas. Primeiramente, a partir da previsão do art. 10, §1º, que equiparou a assinatura digital denominada ICP-Brasil à assinatura manuscrita, com referência ao art. 219 do atual Código Civil. Isso implica em dizer que apenas esta assinatura digital agregará presunção de autoria e integridade ao documento eletrônico. …De outro lado, a MP 2.200-2 facultou a utilização de outros mecanismos de comprovação de autoria para o meio eletrônico, que não os do âmbito da ICP-Brasil, de modo que as partes, no exercício de sua autonomia privada, ou aqueles que estabelecem modelos de negócios ou simplesmente optam pela utilização do ambiente digital em suas atividades, possam optar por outras alternativas. Cuida-se, aqui, de um ambiente desregulado e que merecerá o valor probatório a ser aferido a cada caso, pelas próprias partes, ou, em caso de litígio, pelo Poder Judiciário ou pelo Tribunal Arbitral. Esta é a razoável interpretação do disposto no parágrafo segundo do art. 10 da MP 2.200-24, uma vez que vigora no Brasil o princípio da liberdade de forma da declaração de vontade (art. 107 do Código Civil), ao lado da diretriz de que as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos para provar a verdade dos fatos (art. 369 do Código de Processo Civil). (Menke, Fabiano. A Medida Provisória nº 983 e a classificação das assinaturas eletrônicas: comparação com a Medida Provisória nº 2.200-2 de 2001. Disponível em: https://cryptoid.com.br/criptografia-identificacao-digital-id-biometria/a-mp-983-e-a-classificacao-das-assinaturas-eletronicas-comparacao-com-a-mp-2-200-2-por-fabiano-menke/, p. 01-02, g.n.)

 

E prosseguiu:

 

A Medida Provisória n. 2.200-2 não determina a observância compulsória dos requisitos da ICP-Brasil, sob pena de invalidade. A este ponto não chegou o texto legal. Não há que se perder de vista, outrossim, o contido no §2º do art. 10 da Medida Provisória n. 2.200-2…Este dispositivo tem o intuito de flexibilizar a referida regra do § 1º, esclarecendo que as partes têm a liberdade de escolher outros meios de atribuição de autoria que não a assinatura digital ICP-Brasil. A Medida Provisória n. 2.200-2, portanto, não criou uma forma especial obrigatória para o meio eletrônico. E mais, sua disciplina sobre forma e prova dos atos e negócios jurídicos se situa no âmbito do disciplinado no Código Civil, que determina, no art. 107, que a validade de declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Não se verifica, portanto, no texto da Medida Provisória n. 2.200-2, a fixação da forma especial para os procedimentos de atribuição de autoria da ICP-Brasil….O diferencial da assinatura digital da ICP-Brasil, assim, não é atributo de uma pretensa validade exclusiva e absoluta para o meio eletrônico, mas sim de efeitos jurídico-probatórios diferenciados que o documento eletrônico comum não dispõe…. A questão se resolve, pois, no plano da eficácia e não da validade. Esses efeitos jurídico-probatórios diferenciados da ICP-Brasil agregam um maior poder de convencimento sobre a autoria e a integridade do documento eletrônico, portanto, uma segurança jurídica muito mais robusta, ao dificultar sobremaneira (mas não impossibilitar de todo) as alegações de ausência de autoria”. (Menke, Fabiano. Apontamentos sobre o comércio eletrônico no direito brasileiro. In: Coelho, Fábio Ulhoa. Questões de direito comercial no Brasil e em Portugal. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 369-372, g.n.)

 

Dito de outro modo, a Ministra Nancy Andrighi, interpretando a MP 2200/2001, estabeleceu em seu voto a validade jurídica de documentos eletrônicos e assinaturas com ou sem a utilização de certificado digital, a fim de garantir a segurança nas transações eletrônicas, sem alterar a legislação sobre documentos em papel, reconhecendo a autonomia das partes em escolher métodos de autenticação.

 

Portanto, como visto, a jurisprudência mais recente sobre o tema tem reconhecido a validade de documentos eletrônicos, mesmo que não atendam a requisitos tradicionais, refletindo a evolução tecnológica nas relações comerciais.

 

Conclusão:

 

Em suma, com visto acima, além de previsão legal, o STJ – tribunal responsável por uniformizar a interpretação da lei federal no Brasil, afirmou que a validade das assinaturas eletrônicas deve ser reconhecida, independentemente do método de autenticação, desde que haja acordo entre as partes e que a prova da autenticidade deve ser contestada pela parte que se opõe ao documento.

 

Isto posto, é de extrema importância fazer constar, nos contratos, cláusula dispondo sobre acordo entre as partes para assinatura eletrônica, seja por certificado digital (art. 10º, parágrafo §1º da MP nº 2200), seja por outros meios (art. 10º, parágrafo §2º da MP nº 2200).

 

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

As Quotas Preferenciais como Forma de Organização do Poder Político das Sociedades Limitadas e Seus Reflexos na Atração de Investimentos.

 

No Brasil, predomina o princípio da proporcionalidade entre o poder político e o poder econômico nas sociedades empresárias, representado pela ideia de uma ação-um voto.

 

Conforme Krueger (2012, p. 85-86, apud Castela, 2019, p. 14) pelo princípio da proporcionalidade, “os direitos inerentes a um título acionário devem corresponder estritamente à participação que ele representa na companhia”.

 

Nas sociedades anônimas, a flexibilização desse princípio vem exposta em vários artigos da Lei 6.404/76, mas principalmente no artigo 15, que prevê:

 

Art. 15. As ações, conforme a natureza dos direitos ou vantagens que confiram a seus titulares, são ordinárias, preferenciais, ou de fruição.

  • 1º As ações ordinárias e preferenciais poderão ser de uma ou mais classes, observado, no caso das ordinárias, o disposto nos arts. 16, 16-A e 110-A desta Lei.
  • 2º O número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinquenta por cento) do total das ações emitidas.

 

Nos termos do 17 da Lei 6.404/76, as ações preferenciais são valores mobiliários dotados de preferências e vantagens em relação às ações ordinárias, mais comumente no que se refere ao recebimento de dividendos e reembolso do capital investido, e em contrapartida, sofrem limitações em alguns direitos conferidos ao acionista, observados os requisitos e limites estabelecidos pela lei, mais comumente no exercício do direito de voto.

 

Em outras palavras, elas permitem separar o controle societário da propriedade das ações. A despeito das numerosas críticas feitas à esta estrutura de capital, não há dúvida que ela possibilita uma maior eficiência na condução dos negócios sociais, ao permitir a captação direta de recursos no mercado, sem que isto represente a transferência da gestão do patrimônio social para acionistas que, por diversos fatores pessoais, não tenham interesse ou capacidade para tanto.

 

Nos dizeres de Lígia Padovani Castela:

 

“Importante ressaltar que a variedade de características e formas de organização do capital social colocadas à disposição das sociedades de capitais, como é o caso das sociedades por ações, decorre mesmo das exigências da prática empresarial verificadas ao longo do tempo. Enquanto o lema uma ação, um voto em voga, resiste à possibilidade da presença de acionistas “desiguais” nas companhias, os participantes do mercado demonstraram que – muitas vezes – não estão interessados no controle da sociedade e desejam mesmo ser titulares passivos de papéis que lhes tragam apenas bons retornos financeiros. Nesse contexto, foram criadas as ações preferenciais sem direito de voto, como mais uma forma de organização da estrutura de capital nas sociedades por ações, como esclarece a professora Rachel Sztajn: “Reconhece-se que muitos acionistas não desejam participar da administração da sociedade, nem mesmo votando nas assembleias gerais. Daí a criação de ações sem direito de voto”.

 

Disto se conclui que a utilização adequada das ações preferenciais estimula o mercado e o desenvolvimento da empresa, ao permitir a associação de acionistas com características e interesses distintos, sem que isso importe em prejuízo à condução dos negócios sociais.

 

Para as sociedades limitadas, a flexibilização do princípio da proporcionalidade entre o poder político e o poder econômico somente passou a ser aceito a partir da vigência da Instrução Normativa nº 81/2020 do Departamento do Registro Empresarial e Integração (DREI).

 

Até então, as sociedades limitadas estavam impedidas de criarem classes diferentes de quotas, com vantagens e limitações relativamente aos direitos dos sócios.

 

Editada sob a lógica proposta pela Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), a IN 81/2020 teve como maior objetivo a eficiência econômica, através da desburocratização do exercício da atividade empresarial, da simplificação dos procedimentos e do fortalecimento da autonomia privada, a fim de criar um ambiente de negócios mais atrativo para empresários e investidores[1].

 

No item 5.3.1 do Anexo IV do Manual de Registro das Sociedades Limitadas está previsto:

 

“5.3.1. Quotas Preferenciais

São admitidas quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser suprimido ou delimitado o direito de voto pelo sócio titular de quota preferencial respectiva, observados os limites da Lei n. 6.404 de 1976, aplicada supletivamente. Havendo quotas preferenciais sem direito a voto, para efeito de cálculo dos quóruns de instalação e deliberação previstos no Código Civil, consideram-se apenas as quotas com direito a voto.”

 

Ou seja, a criação de quotas preferenciais deve guardar compatibilidade com os requisitos e limites da Lei das S/A, sendo vedada, assim como para as ações na sociedade anônima, sua instituição sem a contrapartida da vantagem patrimonial ou econômica, por representar um desvirtuamento de sua finalidade. Nas palavras de Nelson Eizirik[2]:

 

“A emissão de ações preferenciais sem direito a voto pressupõe a atribuição de uma vantagem de natureza patrimonial ou econômica, em comparação com as ações ordinárias, como forma de compensar seus titulares pela não participação no poder político da companhia. Com efeito, não existe ação preferencial sem a atribuição de uma vantagem patrimonial ao acionista, visto que a subtração do direito de voto somente é legítima enquanto compensada por um privilégio econômico, na repartição dos lucros ou no reembolso de capital.”

 

Do ponto de vista do investidor, cujo foco sejam apenas os direitos patrimoniais advindos das quotas, a permissão para a sociedade limitada emitir quotas preferenciais, permite uma nova possibilidade de investimento, sem a necessidade de constituição de uma sociedade anônima, mais custosa e burocrática.

 

Do ponto de vista da empresa, a medida possibilita uma melhor organização do poder político, restringindo o direito de voto dos sócios que, por inaptidão, devam ser desvinculados da condução do negócio, sem prejudicar seus direitos patrimoniais.

 

Ainda do ponto de vista da empresa, a medida proporciona maior capacidade para atrair investimentos, na medida em que o investidor terá maior previsibilidade sobre a forma e as estratégias de condução do negócio, centradas na figura do sócio que já controla a sociedade e conduz de forma eficiente a empresa.

 

Como nas sociedades anônimas, portanto, a possibilidade de criação de quotas preferenciais nas sociedades limitadas, constitui notável mecanismo de governança dentro dessas organizações e de atração de investimentos, ao permitir um arranjo eficiente do poder político dessas sociedades.

 

Contudo, para que todo o potencial desse arranjo societário seja bem aproveitado, é indispensável que o contrato social possua regras claras e bem definidas quanto às vantagens e limitações dessas classes de quotas.

 

Para tanto, a assessoria de advogados é essencial para o sucesso dessa estrutura. Nosso escritório conta um uma equipe especializada para auxiliar empresários e investidores na busca pela melhor forma de governança e estruturação do poder político e econômico nas sociedades limitadas.

 

Bibliografia

 

EIZIRIK, Nelson. Direito societário – estudo e pareceres. São Paulo: Quartier Latin, 2015, BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo.

CASTELA, Lígia Padovani. Ações preferenciais: os impactos na governança corporativa e sua exclusão do Novo Mercado da B3. Tese (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2019.

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976.

BRASIL. Lei 13.874 de 20 de setembro de 2019.

 

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

 

Aquisição de Bens de Falecidos Através de Alvará Judicial.

 

É corriqueiro que aberta a sucessão e não tendo os herdeiros recursos para viabilizar a quitação das dívidas deixadas pelo falecido ou mesmo para fazer frente às custas do próprio inventário [imposto de herança, custas judiciais etc.], eles optem por vender bem do acervo hereditário, através de alvará judicial, antes mesmo de realizada a partilha[3].

 

Neste caso, o bem será vendido pelo espólio e não pelos herdeiros. De acordo com a regra contida no art. 619, I, do Código Civil, é o inventariante que pode realizar a venda, desde que precedida de prévia autorização judicial. Para que seja concedido o alvará, o juiz ouvirá os interessados [herdeiros, credores do espólio etc.], que podem se opor a alienação.

 

Além da questão da alienação, a própria administração do acervo hereditário antes da partilha é de competência do inventariante. De acordo com o Código Civil Brasileiro [art. 1.791, Parágrafo único], até a partilha, o direito dos co-herdeiros quanto à propriedade e posse da herança será indivisível e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

 

Neste sentido, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial de um herdeiro que desejava anular deliberações assembleares de uma sociedade anônima (REsp 1.953.211). A relatora, ministra Nancy Andrighi, em seu voto, afirmou que até a conclusão da partilha, é o espólio o titular dos direitos sobre os bens. Assim, o recorrente “carecia de legitimidade para exercer a pretensão anulatória deduzida” (“Ação Declaratória de Nulidade e Anulação de deliberações assembleares”), pois haveria necessidade de verificar se a sua posição jurídica de acionista decorria diretamente da sua condição de herdeiro ou da sua inscrição ou averbação no livro de registro de ações da sociedade.

 

A ministra destacou que várias providências deveriam ser tomadas após a abertura da sucessão, para definir a destinação dos bens deixados pelo falecido:

 

  1. a) identificação prévia dos bens integrantes do patrimônio;
  2. b) identificação dos herdeiros;
  3. c) identificação das dívidas do falecido e seu pagamento;
  4. d) que os tributos incidentes na transmissão causa mortis fossem pagos.

 

O voto menciona ainda que antes destas providências, o que se estabelece sobre o acervo patrimonial é um condomínio entre os herdeiros sucessores, sendo que apenas a partilha extingue o espólio e transfere a titularidade da propriedade dos bens a cada herdeiro.

 

Tais considerações parecem se chocar com o chamado droit de saisine ou princípio de saisine, pelo qual o domínio e a posse dos bens do falecido imediatamente transmitem-se aos herdeiros[4], regime este adotado pelo Código Civil Brasileiro em seu art. 1.784.

 

De acordo com o princípio de saisine, a morte é a causa da transmissão da herança e, também seu antecedente lógico. A transmissão é do patrimônio ativo e passivo. Os direitos e a posse passam aos novos titulares da herança que deverão assumir os débitos, respondendo por todas as dívidas do falecido até as forças da herança, conforme prescreve o art. 1.792 do Código Civil.

 

A questão é complexa, pois se a transmissão dos bens se dá de forma automática e no momento do falecimento, qual a razão do inventário? Se a venda de bem do espólio se der através de alvará, deve ser considerada como feita pelo(s) herdeiro(s) ou pelo espólio do falecido?

 

Tais questão são fundamentais para saber quem é o vendedor, de modo a realizar a due diligence imobiliária. A due diligence dos vendedores continua a ser relevante, de modo a evitar alegação de fraude à execução, especialmente nas esferas tributária e trabalhista[5]. Além de se verificar as certidões do falecido, seria necessário a análise das certidões dos herdeiros, já que conforme o princípio da saisine, desde o óbito do de cujus os herdeiros já teriam passado a condição de proprietários dos bens?

 

De acordo com doutrina, a saisine é uma das exceções ao princípio de que a propriedade imóvel somente se adquire pelo registro[6]. O registro, na sucessão causa mortis não tem efeito constitutivo do domínio, mas tão somente regularizatório, permitindo ao herdeiro ingressar na cadeia registrária e futuramente alienar o imóvel a título derivado[7].

 

A questão ganha ainda maior complexidade se verificarmos que, em nosso país, não se transmite herança negativa. Quem responde pelas dívidas é o patrimônio deixado pelo falecido. Caso as dívidas sejam maiores que o valor dos bens, os herdeiros não recebem nada, mas também não podem ser responsabilizados, caso a herança não seja suficiente para pagar os credores. Neste sentido, o art. 1.997 do Código Civil:

 

“Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.”

 

Ou seja, nem sempre ocorrerá de fato a transmissão hereditária, pois no caso de os bens do falecido não terem valor superior as dívidas, não ocorrerá a transmissão da herança aos herdeiros.  Não ingressando os bens no patrimônio dos herdeiros, não há que se falar na necessidade de realizar análise de certidões destes para aquisição de imóveis.

 

Outra variante a ser considerada é a forma de pagamento. É comum que os juízes ao autorizarem venda de bem do acervo hereditário, determinem que o preço seja depositado em juízo.  Conforme o art. 160 do Código Civil, estará afastada a fraude a execução quando o adquirente de bens de devedor insolvente depositar, em juízo, o preço. Tendo depositado em juízo o preço, o adquirente estará resguardado.

 

Alguns podem cogitar que na hipótese de o preço depositado em juízo ser consumido parcialmente com o pagamento de dívidas deixadas pelo falecido, e restar saldo a ser partilhado entre os herdeiros, esta diferença a ser partilhada em favor dos herdeiros ensejaria a necessidade de diligência dos herdeiros.  Entretanto, não existirá tal necessidade. Do mesmo modo que o credor do herdeiro não pode se habilitar no inventário conforme art. 642 do CPC[8], não se pode confundir o patrimônio do espólio com o patrimônio do herdeiro.

 

Em conclusão, a despeito do direito brasileiro ter adotado a ficção jurídica pelo qual o domínio e a posse dos bens do falecido imediatamente transmitem-se aos herdeiros, a existência de eventuais dívidas dos herdeiros não maculará a venda de bens de espólio autorizada judicialmente, desde que o preço seja depositado em juízo.

 

Por outro lado, se o alvará não determinar o depósito do preço em juízo, e o adquirente realizar o pagamento diretamente aos herdeiros, os terá tratado como efetivos titulares do imóvel alienado, tendo repassado valores que apenas seriam obtidos após ultimada a partilha. Nesta hipótese, a due diligence não somente do espólio, mas dos herdeiros, será essencial, para evitar alegação de fraude e ineficácia do negócio jurídico.

 

Bibliografia

[1] PEREIRA, Julia. Quotas preferenciais nas sociedades limitadas: estímulo para o planejamento. Consultor Jurídico, nov. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-out-08/julia-barufaldi-quotas-preferenciais-sociedades-limitadas. Acesso em: 13 nov. 2023.

[2] EIZIRIK, Nelson. Direito societário – estudo e pareceres. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 301.

[3] Neste sentido: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. ALVARÁ PARA A ALIENAÇÃO DE BEM. Decisão que indeferiu a expedição de alvará para a venda de lotes. Inconformismo. É plausível a expedição de alvará para a venda de imóvel, de modo a viabilizar o pagamento de impostos e a tramitação do inventário. Alvará, contudo, condicionado ao depósito do valor auferido com a venda do imóvel, a fim de garantir eventual pagamento de dívidas – Decisão reformada Recurso provido”. (TJSP – Agravo de instrumento nº 0420803-90.2010.8.26.0000, Relator: Viviani Nicolau, Data de Julgamento: 01/03/2011, 9ª Câmara de Direito Privado). “Agravo de Instrumento. Inventário. Indeferimento de expedição de alvará para venda de um dos imóveis a fim de quitar os débitos do inventário. Informações do juízo de origem que explicam as razões do indeferimento. Existência de dívidas trabalhistas e condominiais. Solução mais apropriada que deve ser a de autorização da venda do imóvel com o depósito do valor integral em juízo, com liberação posterior apenas do valor necessário a quitar as despesas do inventário. Recurso parcialmente provido.” (TJSP – Agravo de instrumento nº 0254137-65.2011.8.26.0000, Relator: Fábio Quadros, Data de Julgamento: 19/01/2012, 4ª Câmara de Direito Privado).

Para ter acesso integral ao acordão acesse o link: https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=2113216&tipo=0&nreg=202101174032&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20220321&formato=PDF&salvar=false

[4] A fórmula saisine é de origem medieval (1.259), nascida do direito costumeiro parisiense. A finalidade precípua do instituto é a defesa do próprio direito de herança, da propriedade dos bens que a compõem, em favor dos herdeiros do de cujus. Tanto é que a expressão saisine deriva do vocábulo latino sacire, que significa “apropriar – se”, “se imitir na posse”. Na Idade Média, todavia, passou-se à exigência que a posse dos bens do servo fosse devolvida ao seu senhor, constrangendo os herdeiros a pagamento para que fossem imitidos nessa posse. Como reação a esse estado de coisas, o direito costumeiro francês consagrou a transferência imediata dos haveres do servo aos seus herdeiros. Assim, surge no século XIII o droit de saisine na doutrina francesa, consagrando a imediata passagem dos bens do morto a seus herdeiros que recebiam a propriedade e a posse dos mesmos.

Pondera Caio Mário da Silva Pereira que o droit de saisine não foi uma peculiaridade francesa, porquanto tal instituto já era proclamado no direito germânico, ou ao menos admitido, quando da adoção da fórmula: Der Tote erbt den Lebenden.

No nosso direito pretérito prevaleceu o entendimento do Direito Romano até que este fosse alterado pelo Alvará de 9 de novembro de 1754, quando se estabeleceu a transmissão aos herdeiros desde o momento da abertura da sucessão. Tal princípio adentrou nosso direito com a Consolidação de Teixeira de Freitas, a teor do seu art. 978 e foi recepcionado, afinal, pelo legislador civilista de 1916, ao prescrever no art. 1.572 que: “Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

[5] Sobre a persistência de sistemática ultrapassada para análise de fraude à execução em operações imobiliárias, nas esferas fiscal e trabalhista, conferir artigo AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS: necessidade de novos avanços nas áreas trabalhista e fiscal, visando a desburocratização das operações imobiliárias.

[6] Neste sentido: Paulo LÔBO. Direito Civil: Coisas. v. 4. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2023, e, LOUREIRO, Francisco Eduardo In PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 5. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2011, p. 1474 e 1476.

[7] Neste sentido, recente acordão do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo [TJSP, Apelação Cível nº 1020452-68.2024.8.26.0100, Conselho Superior da Magistratura, Rel. Francisco Loureiro, d.j. 29 de maio de 2024]. No mesmo sentido, REsp nº 1860313 – SP (2019/0261236-4), 3ª turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, d.j. 22 de agosto de 2023.

[8] O credor individual de herdeiro inadimplente não possui legitimidade para solicitar a habilitação de seu crédito em inventário, tendo em vista que o artigo 642 do Código de Processo Civil de 2015 autoriza apenas que os credores exclusivos do espólio – e não de herdeiros específicos – busquem a habilitação do crédito. (STJ: REsp nº 1.877.738/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/3/2021, DJe de 11/3/2021; AgInt no AREsp nº 1.955.075/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 3/3/2022, e AgInt no AREsp nº 1.955.075/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 3/3/2022)

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Novo Capítulo Sobre os Efeitos da Homologação de Acordos Extrajudiciais entre Empregados e Empregadores.

 

No dia 30 de setembro de 2024, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, aprovou uma resolução complementando as regras do procedimento de homologação na Justiça do Trabalho, dos acordos extrajudiciais realizados entre empregados e empregadores, instituídos na CLT pela Lei Federal nº 13.467/2017 conhecida como reforma trabalhista.

 

Diante da incerteza sobre os efeitos da homologação judicial dos acordos, especificamente da divergência sobre o efeito de quitação plena, geral e irrevogável do contrato de trabalho, a resolução foi aprovada para fomentar e dar segurança jurídica na resolução de conflitos de forma voluntária e reduzir a quantidade de processos judiciais.

 

De acordo com a resolução do CNJ nº 586, de 30 de setembro de 2024, os acordos extrajudiciais homologados na Justiça do Trabalho, darão quitação geral e irrevogável ao contrato de trabalho, desde que respeitados os seguintes requisitos:

 

“I – previsão expressa do efeito de quitação ampla, geral e irrevogável no acordo homologado;

II – assistência das partes por advogado(s) devidamente constituído(s) ou sindicato, vedada a constituição de advogado comum;

III – assistência pelos pais, curadores ou tutores legais, em se tratando de trabalhador(a) menor de 16 anos ou incapaz; e

IV – a inocorrência de quaisquer dos vícios de vontade ou defeitos dos negócios jurídicos de que cuidam os arts. 138 a 184 do Código Civil, que não poderão ser presumidos ante a mera hipossuficiência do trabalhador.

Parágrafo único. A quitação prevista no caput não abrange:

I – pretensões relacionadas a sequelas acidentárias ou doenças ocupacionais que sejam ignoradas ou que não estejam referidas especificamente no ajuste entre as partes ao tempo da celebração do negócio jurídico;

II – pretensões relacionadas a fatos e/ou direitos em relação aos quais os titulares não tinham condições de conhecimento ao tempo da celebração do negócio jurídico;

III – pretensões de partes não representadas ou substituídas no acordo; e

IV – títulos e valores expressos e especificadamente ressalvados.”

 

Porém, a aprovação da resolução veio acompanhada de polêmicas e a principal delas é se o CNJ tem competência para criar essas normas.

 

O procedimento de homologação judicial dos acordos extrajudiciais realizados entre empregados e empregadores, foi instituído em 2017 pela reforma trabalhista, através dos artigos 855-B ao 855-E da CLT.

 

De fato, os artigos não mencionam o efeito de quitação geral e irrevogável do contrato de trabalho, porém, o entendimento mais razoável é que tal efeito estaria implícito nas normas, exceto se houver fraude, coação ou vício que comprometa a validade do negócio jurídico, nos termos do artigo 104 do Código Civil.

 

Não obstante, há muita discussão sobre o efeito de quitação geral e irrevogável dos contratos de trabalhos e o entendimento nos tribunais é dividido. Parte entende que o juízo pode homologar o acordo de forma parcial, uma vez que a homologação do acordo é faculdade do magistrado e parte entende que, havendo pedido de quitação geral e irrevogável, respeitados os requisitos dos artigos 855-B ao 855-E da CLT e inexistindo fraude, coação ou vícios que comprometam o negócio jurídico, o acordo deve ser homologado com quitação plena, geral e irrevogável do contrato de trabalho, impedindo que posteriormente o empregado ingresse com processo trabalhista em face daquele empregador.

 

A jurisprudência do TST, vem se firmando nesse 2º entendimento e a 1ª, 3ª, 4ª, 5ª e 8ª Turmas do TST já se pronunciaram neste sentido, porém, tais decisões não tem caráter vinculante.

 

A pergunta que fica é se a resolução do CNJ dará segurança jurídica para a questão ou será mais um ponto de divergência e fragilidade no que tange a sua competência legislativa sobre a matéria.

 

Diante da ausência explícita de previsão legal sobre a quitação plena, geral e irrevogável do acordo homologado e do questionável vício de constitucionalidade da resolução do CNJ nº 586, de 30 de setembro de 2024, entendemos que o melhor caminho seria a uniformização de entendimento pelo TST.

 

Eduardo Galvão Prado

 

 

 

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