Boletim Informativo – Março de 2022

Boletim RES, Advogados

Março de 2022

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: empresarial, imobiliário, cível e trabalhista.

No campo do direito empresarial, abordamos a insolvência transnacional no Direito Brasileiro e sua aplicação pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Na área de direito imobiliário, analisamos a Medida Provisória n° 1.085/2021, que trata sobre a modernização dos registros públicos e as mudanças na legislação que regula a incorporação imobiliária e loteamentos.

No espaço reservado para o direito cível, tratamos da responsabilidade do fornecedor de serviços para além do prazo de garantia contratual, ou seja, quando o fornecedor tem o dever de reparar o produto até o fim da vida útil.

Por fim, no campo do direito trabalhista, versamos sobre o reconhecimento da síndrome de burnout como doença ocupacional e a responsabilidade do empregador.

Lembramos que em nosso site, você pode sempre encontrar notícias atualizadas; uma boa leitura!

 

Índice:

Direito Empresarial:

A insolvência transnacional no direito brasileiro.

Fls………………………………………………………………………………………………………….03-10

– Flávia de Faria Horta Pluchino

 

Direito Imobiliário:

A Medida Provisória 1.085/2021, modernização dos registros públicos e mudanças na legislação que regula a incorporação imobiliária e loteamentos.

Fls………………………………………………………………………………………………………….11-19

Rodrigo Elian Sanchez

 

Direito Cível:

Sem prova de uso inadequado, fornecedor tem o dever de reparar produto e até o fim da vida útil, ou seja, a responsabilidade pode ir além do prazo de garantia contratual.

Fls………………………………………………………………………………………………………….20-25

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

Direito Trabalhista:

Reconhecimento da síndrome de burnout como doença ocupacional e a responsabilidade do empregador.

Fls…………………..……………………………………………………………………………………..26-27

– Eduardo Galvão Prado

 

A Insolvência Transnacional no Direito Brasileiro

  • As alterações na Lei 11.101/2005 pela incorporação pelo Direito Brasileiro das regras da Lei Modelo UNCITRAL

Em 24/12/2020, foi promulgada a Lei 14.112/20, que promoveu profundas alterações na Lei 11.101/2005 – Lei de Recuperação de Empresas e Falência, com a finalidade de atualizar e tornar mais eficaz a legislação sobre recuperação de empresas e falência.

Significativa mudança foi operada pela introdução dos mecanismos de insolvência transnacional, baseados na Lei Modelo UNCITRAL.

A partir da noção de que o objetivo principal dos procedimentos de recuperação judicial e falência é a maximização de ativos do devedor, para proporcionar maior satisfação aos credores, a Lei Modelo UNCITRAL se dedica aos procedimentos de coordenação e cooperação internacional nos processos de insolvência que apresentem elementos transfronteiriços.

Assim, os quatro elementos chaves da Lei Modelo são: acesso à jurisdição local; reconhecimento de processo estrangeiro; medidas de assistência; e cooperação entre jurisdições.

Ela não se confunde com um tratado internacional, mas é uma sugestão de regramento padrão que pode ser adotado por legislações domésticas com ou sem alterações, mediante a incorporação de suas regras à legislação local:

“[A]s ‘leis modelos’ criadas pela UNCITRAL buscam oferecer aos Estados o conteúdo de futuros diplomas normativos nacionais, para se possível, inspirar o legislador local. Com as ‘leis modelos’, a harmonização entre as diferentes normas locais seria atingida, sem o custo do convencimento do Estado em aprovar e depois ratificar um tratado.”

(RAMOS, André de Carvalho. Direito internacional privado e a ambição universalista. TIBURCIO, Carmem; VASCONCELOS, Rafael; MENEZES, Wagner (Org.). Panorama do direito internacional privado atual e outros temas contemporâneos. Belo Horizonte: Arraes, 2015. p. 24).

Entretanto, a partir do momento em que a Lei Modelo é incorporada ao ordenamento jurídico interno, o País assume implicitamente o compromisso perante os demais países de não desnaturar seu objetivo e seu conteúdo principal.

No Direito Falimentar Brasileiro, a incorporação da Lei Modelo UNCITRAL introduziu na Lei 11.101/2005 o Capítulo VI-A, que trata nos artigos 167-A até 193-A da insolvência transnacional.

A insolvência transnacional é caracterizada pelo processo de recuperação judicial ou falimentar em empresa com ativos, estabelecimento, atividade ou credores localizados em mais de um país.

Verifica-se que os pilares da incorporação da Lei Modelo foi o aperfeiçoamento dos instrumentos de cooperação entre o Poder Judiciário brasileiro e os ordenamentos jurídicos dos demais países, visando aumentar a segurança jurídica, mediante a proteção do interesse dos credores e dos demais interessados, inclusive do devedor.

Os requisitos que autorizam a aplicação das regras do Capítulo VI-A da Lei 11.101/2005 são: (i) a existência de um processo estrangeiro coletivo, que sujeite todos os bens e as atividades do devedor à supervisão de autoridade estrangeira no âmbito de um procedimento de insolvência, com propósito de reorganização ou liquidação – art. 167-B, I; e (ii) a presença de um representante estrangeiro, que esteja autorizado no processo estrangeiro a administrar os bens ou as atividades do devedor ou a atuar como representante do processo estrangeiro – art. 167, B, IV.

Logo após a entrada em vigor das regras sobre a insolvência transnacional, o Poder Judiciário Brasileiro foi acionado em dois casos de grande relevância, o que demonstra a importância e a atualidade do tema.

Neste artigo, vamos no ater à decisão proferida no Judiciário Paulista.

  • A Aplicação das Regras da Insolvência Transnacional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:

Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo enfrentou seu primeiro caso de insolvência transnacional. A rapidez com que o assunto chegou ao Judiciário, comprova o acerto do legislador brasileiro em regulamentar a matéria a partir das regras internacionais sobre o tema.

Tratou-se de ação movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (processo nº 1028368-61.2021.8.26.0100), ao receber notificação para que credores brasileiros apresentassem habilitação de crédito no processo de reorganização financeira do Grupo Latam, em curso perante o Tribunal de Falências dos Estados Unidos, Distrito Sul de Nova Iorque.

Por entender que a omissão do requerimento de insolvência transnacional pelo Tribunal Falimentar dos Estados Unidos violaria os direitos dos credores brasileiros de terem tratamento paritário com os demais credores estrangeiros, requereu fosse enviada comunicação direta ao Juízo estrangeiro para (a) determinar a citação do Grupo Latam para se manifestar sobre o procedimento iniciado no Brasil; (b) determinar a reciprocidade dos direitos dos credores brasileiros no processo de reorganização do Grupo Latam; (c) informar que a notificação enviada ao MP não teria validade legal e (d) informar sobre a previsão legal de reconhecimento de processo estrangeiro transnacional no Brasil, o qual deveria seguir determinados requisitos expostos na legislação doméstica.

Em primeira instância, a sentença indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo, com base no artigo 485, do CPC, por ausência de interesse de agir do MP ou de utilidade do pedido de cooperação pois, “[…] nos termos do art. 167-H, o representante estrangeiro pode ajuizar pedido de reconhecimento do processo estrangeiro no Brasil para que aqui efeitos sejam produzidos, mesmo antes do reconhecimento propriamente dito. Não há legitimidade para outros interessados realizarem referido pedido, pelo que o Ministério Público é considerado, ainda, parte ilegítima em relação a medidas cautelares para tutelar o resultado de um futuro processo, que não poderia promover.”

A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar o recurso de apelação do Ministério Público.

O fundamento relevante do acórdão residiu no fato de que a aplicação das regras previstas no Capítulo VI-A da Lei 1.101/2005, só estariam justificadas quando uma autoridade estrangeira solicitasse assistência ao Brasil em procedimento de reorganização ou liquidação aberto em outra jurisdição, ou quando credores ou outras partes interessadas estrangeiras buscassem a abertura ou a participação em processos de insolvência disciplinados pela LREF, ou quando autoridades brasileiras buscassem assistência para processos de insolvência no Brasil em outras jurisdições, ou quando estivessem em curso, concomitantemente, procedimentos de insolvência no Brasil e em jurisdição alienígena.

Enquanto nenhuma destas quatro hipóteses fossem verificadas, inexistiria necessidade de se utilizar a via judicial pretendida pelo Ministério Público para defender o direito de terceiros credores, pois neste momento, os credores brasileiros não são afetados pelo processo de reorganização do Grupo Latam em trâmite em outra jurisdição, podendo prosseguir com suas ações e execuções normalmente e buscar a satisfação autônoma de seus créditos, conforme preconiza o art. 167-M, par. 2º e 3º, da Lei 11.101/2005.

A partir daí, o Tribunal entendeu que a notificação recebida pelo Ministério Público seria simples cientificação relativa a um fato jurídico, sem criar ou extinguir direitos subjetivos, de modo que ele próprio poderia fornecer as informações tidas como apropriadas e compatíveis com a conjuntura fática e jurídica estabelecida, inclusive acerca do capítulo VI-A da Lei 11.101/2005.

Em outras palavras, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu que (i) não teria sido requerida qualquer cooperação pelo Juízo estrangeiro ao Juízo local; (ii) apenas o representante estrangeiro poderia ajuizar pedido de reconhecimento de processo estrangeiro, sendo o MP parte ilegítima; e (iii) sem que haja pedido de reconhecimento de processo estrangeiro, os credores não são afetados no Brasil pelos processos de recuperação judicial em trâmite em outras jurisdições.

A decisão é importante pois consagra o comprometimento do Estado Brasileiro com os propósitos da Lei Modelo UNCITRAL, essencial para fomentar o desenvolvimento econômico, ao promover maior segurança jurídica às atividades e aos investimentos no País.

Bibliografia

BRASIL. Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. DOU de 09/02/2005. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>

SATIRO, Francisco; BECUE, Sabrina Marina Fadel. Insolvência Transnacional; regime legal e a jurisprudência em formação. Revista dos Tribunais. vol. 1034. ano 110. p. 337-355. São Paulo: Ed. RT, dezembro 2021.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Apelação 1028368-61.2021.8.26.0100. Jurisdição voluntária – Procedimento concursal em trâmite no exterior – Ajuizamento de requerimento formulado pelo Ministério Público em defesa de interesse de credores brasileiros – Pretendida comunicação dirigida ao Juízo estrangeiro encarregado de processo de reorganização do Grupo LATAM – Indeferimento da petição inicial e extinção sem resolução do mérito – Confirmação – Caracterização da falta de interesse de agir e da ilegitimidade de parte – Inteligência dos arts. 167-A,167-M, §§ 2º e 3ºe 167-P da Lei 11.101/2005 – Sentença mantida – Apelo desprovido. Relator: Desembargador Fortes Barbosa, 31/082021. Disponível em < https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do> Acesso em 20/02/2022.

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

A Medida Provisória 1.085/2021, Modernização dos Registros Públicos e mudanças na legislação que regula a Incorporação Imobiliária e Loteamentos

Foi publicada, no dia 28 de dezembro de 2021, no Diário Oficial da União, a Medida Provisória (MP) 1.085/2021.

A MP alterou artigos da Lei nº 4.591 de 1964 no que se refere à incorporações imobiliárias, como também da Lei nº 6.015, de 1973 (Lei dos Registros Públicos), da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (que regula os Loteamentos), bem como incluiu no Código Civil a possibilidade de assembleias virtuais para pessoas jurídicas de direito privado e introduziu norma para prever a prescrição intercorrente (anteriormente regulada apenas pelo Código de Processo Civil).

A MP, entre outros pontos, visa desburocratizar e fomentar o mercado imobiliário, tendo reforçado a regra da concentração dos atos na matrícula do imóvel e simplificação das operações imobiliárias. Neste sentido, alterou a redação do art. 54 da Lei Federal n.°13.097/2015, para reforçar que o terceiro interessado em adquirir imóvel ou recebê-lo em garantia não precisa realizar pesquisas além da verificação das informações constantes na matrícula imobiliária. A exceção se refere aos atos praticados por empresa em recuperação judicial e cuja falência for decretada.

Os parágrafos primeiro e segundo da art. 54 da Lei n.°13.097/2015, passaram a ter a seguinte redação:

“§ 1º Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos art. 129 e art. 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

2º Não serão exigidos, para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real:

I – a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do disposto no § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985[1]; e

II – a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.”

É verdade que haverá espaço para discussão em relação aos débitos fiscais inscritos na dívida ativa, considerando que a presunção de fraude de que trata o art. 185 do Código Tributário Nacional[2].

Por outro lado, a MP criou o Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP). O SERP determina que os cartórios realizem seus atos em meio eletrônico. A determinação já existia em lei (art. 37 da Lei 11.977, de 2009), mas não previa os critérios de forma detalhada e a forma de regulamentação — por isso, não era aplicada.

O SERP fará a interconexão entre todos os cartórios e o atendimento remoto aos usuários e às próprias serventias, servindo para recepção e envio de documentos, expedição de certidões e obtenção de informações em meio eletrônico.

Conforme previsto na MP, os cartórios deverão se organizar e cuidar da infraestrutura referente ao novo sistema. A normatização do SERP caberá à Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O cronograma de implantação do SERP e do registro público eletrônico dos atos jurídicos em todo o País não poderá ultrapassar 31 de janeiro de 2023.

Outra alteração no que se refere aos registros públicos é que os prazos para os oficiais analisarem os títulos submetidos à registro e os registrarem diminuiu sensivelmente, porém em consonância com o Código de Processo Civil passaram a serem contados em dias úteis.

Em resumo, o prazo que era de 30 dias corridos, para o oficial proceder ao registro ou à emissão de nota devolutiva, após a prenotação do título passou a ser de 10 dias úteis.

A questão tormentosa é que a MP entrou em vigor em 28 de dezembro de 2021[3], porém caso não seja convertida em lei no prazo de até 120 dias, deixará de vigorar. Os atos praticados sob sua vigência serão reputados válidos, porém não deixa de ser um aspecto de insegurança, não sabermos se as alterações trazidas pela MP continuarão a vigorar ou não.

Até o momento a MP já recebeu 316 propostas de emendas, motivo pelo qual se aprovada, seu texto final pode sofrer alterações.

Importante destacar, que a MP em seu texto original representa simplificação, ganho de eficiência e desburocratização do ambiente de negócios no país, motivo pelo qual olhamos com bons olhos as mudanças introduzidas.

Por fim e para facilitar, preparamos pequeno resumo das principais mudanças trazidas pela MP:

  • Universalização do acesso eletrônico às atividades dos Registros Públicos:

Criação de um sistema eletrônico unificado (SERP), com intercâmbio de documentos eletrônicos e informações entre as serventias dos Registros Públicos. Com essa medida, tornou-se possível aos usuários, a solicitação, a qualquer serventia, de certidões eletrônicas, independentemente do local de registro dos atos, e a apresentação de títulos para registro em meio eletrônico em uma plataforma nacional.

  • Criação de busca eletrônica de ônus e outras restrições sobre bens móveis e imóveis:

Criação de um sistema de consulta, por meio do SERP, que abrangerá, mediante a informação de um CPF ou CNPJ, a totalidade das indisponibilidades de bens, restrições e gravames de origem legal, convencional ou processual e dos atos em que a pessoa pesquisada conste como devedora de título protestado e não pago, garantidora real, arrendatária mercantil financeira, cedente convencional de crédito ou titular de direito sobre bem objeto de constrição processual ou administrativa. Essa consulta terá abrangência em todo o território nacional.

  • Universalização do registro por extrato:

Nessa modalidade, é dispensada a apresentação da via original do título, para fins de registro, substituída por um formulário eletrônico preenchido pelo apresentante, como instituições financeiras e tabelionatos de notas. A Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ poderá definir, em relação aos atos e negócios jurídicos relativos a bens móveis, os tipos de documentos que serão, prioritariamente, recepcionados por extrato eletrônico. Espera-se que as garantias sobre bens móveis passem a ser registradas exclusivamente por extrato eletrônico, conforme o modelo previsto na Lei Modelo da ONU sobre Garantias Mobiliárias e já adotado em mais de 40 países, segundo dados do Banco Mundial.

  • Criação de certidão de situação jurídica do imóvel:

Criação de certidão simplificada contendo as principais informações relativas ao imóvel e seu titular, tais como sua descrição, número de contribuinte, proprietário, direitos, ônus e restrições, judiciais e administrativas.

  • Redução de prazos e contagem conforme Código de Processo Civil:

Definição da contagem dos prazos nos Registros Públicos observando-se os critérios estabelecidos na legislação processual civil, ou seja, em dias úteis, excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento, salvo disposição em contrário. Além disso, alguns dos prazos registrais foram reduzidos, tais como: (i) registro ou emissão de nota devolutiva em 10 dias; (ii) registro em cinco dias de documentos eletrônicos apresentados por meio do SERP, escrituras de compra e venda sem cláusulas especiais, requerimento de averbação de construção e de cancelamento de garantias, bem como de títulos em reingresso na vigência da prenotação com o cumprimento integral das exigências formuladas; (iii) emissão de certidão de inteiro teor no prazo de quatro horas, de certidão de situação jurídica do imóvel em um dia e de transcrições em cinco dias; entre outros.

  • Detalhamento do regramento relativo à incorporação imobiliária:

Facilitação no cancelamento de atos relativos à incorporação, tais como extinção automática do patrimônio de afetação quando da averbação da construção, do contrato de compra e venda ou de promessa de venda, acompanhado do respectivo termo de quitação da instituição financiadora da construção, sem necessidade de averbação específica de cancelamento, entre outros detalhamentos relativos à matéria.

  • Reforço do Princípio da Concentração dos atos nos Registros Públicos:

Reforço do Princípio da Concentração, uma vez previsto ser a matrícula do imóvel suficiente para fins de comprovação de propriedade, direitos, ônus reais e restrições sobre o imóvel, independentemente de certificação específica pelo oficial. Nesse sentido, passa a lei a prever expressamente que não serão exigidos, para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles legalmente requeridos e, especialmente, a obtenção ou apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.

Com relação aos bens móveis, passa-se a prever a possibilidade de registro das constrições judiciais ou administrativas no Registro de Títulos e Documentos, o que também promoverá a concentração das informações acerca dessa espécie de bem.

  • Dispensa do registro múltiplo em Títulos e Documentos:

Modifica-se a regra atual que exige o registro de negócios jurídicos em RTD dos domicílios de todas as partes, bastando o registro em uma única localidade. Essa dispensa vigorará somente a partir de 1º de janeiro de 2024.

Rodrigo Elian Sanchez

[1] O §2º, do art. 1° da Lei nº 7.433/85, estabelece como necessárias para lavratura de escrituras a comprovação do pagamento do Imposto de Transmissão intervivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais.

[2] Contudo, entendemos, que a regra contida no art. 54 da Lei Federal n.°13.097/2015 é a regra especial e afasta aplicação do art. 185, quando a operação for imobiliária. Neste sentido: ALVIM, Eduardo Arruda; GRUBER, Rafael Ricardo. Segurança jurídica dos negócios imobiliários versus fraude à execução: ônus dos credores e ônus dos adquirentes de bens no direito civil e tributário brasileiro. Revista de Processo. Vol. 291.ano 44. P. 101-134. São Paulo: Ed. RT, maio 2019

[3]  Exceção à vigência imediata no que se refere às alterações introduzidas pela MP no art. 130 da Lei de Registros Públicos, que entrarão em vigor apenas em 2024.

 

Sem prova de uso inadequado, fornecedor tem o dever de reparar produto e até o fim da vida útil, ou seja, a responsabilidade pode ir além do prazo de garantia contratual.

Quem nunca se deparou com a seguinte situação: adquire um produto durável[4] e, em um espaço de tempo relativamente curto (menos de 5 anos), é surpreendido com a quebra de algum componente cujo custo de reparo é equivalente ao preço de um produto novo?

Sabe-se que, via de regra, os fornecedores e fabricantes têm responsabilidade durante o prazo de garantia que, em linhas gerais, divide-se em dois tipos: (i) garantia legal prevendo que os vícios de fácil constatação devem ser alegados em até 30 dias, tratando-se de serviços ou produtos não duráveis e, 90 dias, tratando-se de serviços ou produtos duráveis. (ii) garantia contratual, oferecida pelo fornecedor/fabricante, por mera liberalidade, e cujo prazo varia de acordo com a vida útil.

É de se imaginar que, na atividade empresarial, ou seja, atividade que visa o lucro, a garantia contratual oferecida por mera liberalidade, não seja maior do que o prazo mínimo estimado de vida útil do produto.

Ou seja, não são raras as situações em que, logo após a expiração do prazo de garantia contratual, um produto apresente defeito que exija seu reparo, que, também não raras vezes, o custo é próximo ao de um produto similar, novo.

O problema, portanto, se materializa quando um determinado vício se revela justamente logo após o prazo de garantia contratual ter expirado. Mesmo que o consumidor tenha certeza de que sempre utilizou aquele determinado produto observando todas as recomendações do fornecedor/fabricante, se tentar exigir que seja feito o reparo sem custo, certamente, ficará frustrado.

Porém, reconhecendo que sem prova de uso inadequado, o fornecedor/fabricante deve reparar o produto até fim da vida útil, o STJ garantiu que uma consumidora tenha seus produtos eletrodomésticos reparados dos defeitos surgidos durante o período de vida útil, mesmo que o vício tenha ocorrido após o fim da garantia contratual (REsp 1.787.287).

O caso é interessante: ao analisá-lo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, decidiu que “exaurida de há muito a garantia legal e contratual, a fornecedora e revendedora não se obrigam à substituição nem respondem pelos reparos nos eletrodomésticos vendidos”.

A consumidora, inconformada, recorreu ao STJ, argumentando, entre outras questões processuais, que o ônus da prova quanto ao prazo de vida útil do produto e a existência do vício, seria exclusivamente da parte recorrida (fabricante), e que ela não teria se desincumbido de tal ônus (de provar que a vida útil teria se exaurido, e que o vício apresentado seria sua consequência direta).

Para reconhecer a responsabilidade do fornecedor, mesmo após o decurso do prazo de garantia contratual, o STJ inicia, citando decisão proferida em 04/10/2012 (REsp 984.106/SC), na qual foi assentado o seguinte: “por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia”.

O STJ reforçou que, na decisão acima, foi também assentado que “o ônus da prova quanto à natureza do vício cabe ao fornecedor porque milita em favor do consumidor eventual déficit em matéria probatória“.

E arrematou, afirmando que, a dificuldade apresenta-se quando o defeito aparece após o prazo de garantia contratual, e que, nessas situações, em virtude da ausência de um prazo legal preestabelecido para limitar a responsabilidade do fornecedor, consagrou-se, a partir de valiosos provimentos doutrinários, o entendimento de que o fornecedor não é eternamente responsável pelos vícios observados nos produtos colocados em circulação, mas a sua responsabilidade deve ser ponderada, de forma casuística, pelo magistrado, a partir do conceito de “vida útil do produto”, assim definida:

“(…) Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual.

Porém, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem, que se pretende seja ele ‘durável’.

A doutrina consumerista – sem desconsiderar a existência de entendimento contrário, como antes citado – tem entendido que o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual.

Confira-se:

Um dos maiores avanços concedidos pelo CDC em relação ao CC/1916 – e nem sempre percebido pela doutrina – foi conferido pelo disposto no § 3º do art. 26 da Lei 8.078/1990, ao estabelecer, sem fixar previamente um limite temporal, que, ‘tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito’

O dispositivo possibilita que a garantia legal se estenda, conforme o caso, a três, quatro ou cinco anos após a aquisição. Isso é possível porque não há – propositalmente – expressa indicação do prazo máximo para aparecimento do vício oculto, a exemplo da disciplina do Código Civil (§ 1º do art. 445).

Desse modo, o critério para delimitação do prazo máximo de aparecimento do vício oculto passa a ser o da vida útil do bem, o que, além de conferir ampla flexibilidade ao julgador, revela a importância da análise do caso concreto em que o fator tempo é apenas um dos elementos a ser apreciado.

Autorizada doutrina sustenta a aplicação do critério da vida útil como limite temporal para o surgimento do vício oculto.

A propósito, Cláudia Lima Marques observa: ‘Se o vício é oculto, porque se manifestou somente com o uso, experimentação do produto ou porque se evidenciará muito tempo após a tradição, o limite temporal da garantia legal está em aberto, seu termo inicial, segundo o § 3º do art. 26, é a descoberta do vício.

Somente a partir da descoberta do vício (talvez meses ou anos após o contrato) é que passarão a correr os 30 ou 90 dias. Será, então, a nova garantia eterna? Não, os bens de consumo possuem uma durabilidade determinada. É a chamada vida útil do produto’ (Contratos, p. 1196-1197).

Na mesma linha é a posição de Herman Benjamin, que sintetiza: ‘Diante de um vício oculto qualquer juiz vai sempre atuar causidicamente. Aliás, como faz em outros sistemas legislativos. A vida útil do produto ou serviço será um dado relevante na apreciação da garantia’ (Comentários, p. 134-135).

Antes de concluir, observa, com propriedade: ‘O legislador, na disciplina desta matéria, não tinha, de fato, muitas opções.

De um lado, poderia estabelecer um prazo totalmente arbitrário para a garantia, abrangendo todo e qualquer produto ou serviço. Por exemplo, seis meses (e por que não dez anos?) a contar da entrega do bem. De outro lado, poderia deixar – como deixou – que o prazo (trinta ou noventa dias) passasse a correr somente no momento em que o vício se manifestasse.

Esta última hipótese, a adotada pelo legislador, tem prós e contras. Falta-lhe objetividade e pode dar ensejo a abusos. E estes podem encarecer desnecessariamente os produtos e serviços. Mas é ela a única realista, reconhecendo que muito pouco é uniforme entre os incontáveis produtos e serviços oferecidos no mercado’ (Comentários, p. 134).

[…]

Portanto, embora os prazos decadenciais para reclamar de vícios redibitórios em imóveis, tanto no CC/1916 (180 dias) como no CC/2002 (1 ano), sejam mais amplos do que o prazo previsto no CDC (90 dias), a disciplina do CDC analisada de maneira integral é mais vantajosa.

O critério da vida útil confere coerência ao ordenamento jurídico e prestigia o projeto constitucional de defesa do consumidor, considerando sua vulnerabilidade no mercado de consumo (BESSA, Leonardo Roscoe. BENJAMIN, Antônio Herman V. [et. al.]. Manual de direito do consumidor. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, pp. 203-205).”

E então o STJ conclui, apoiado em forte jurisprudência, que a compreensão de que o § 3º do art. 26 do CDC, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício mesmo depois de expirada a garantia contratual.

Portanto, em se tratando de bem de consumo durável, em casos de vícios que aparecerem durante o período de vida útil, e não havendo prova (o que dependerá de processo judicial) de que o mau funcionamento decorra do uso inadequado pelo consumidor, o entendimento é de que o fornecedor é, sim, responsável e deve reparar o dano.

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

[4] Bens de Consumo Duráveis: Bens materiais destinados a satisfazer necessidades humanas e que tem uma vida útil relativamente longa. Exemplos: Automóveis, mobiliário, eletrodomésticos etc.

 

Reconhecimento da Síndrome de Burnout como Doença Ocupacional e a Responsabilidade do Empregador

Em 01 de janeiro de 2022, a Síndrome de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, foi incluída pela Organização Mundial da Saúde, na tabela de Classificação Internacional de Doenças (CID-11).

Com essa classificação, a doença foi reconhecida pela OMS como doença ocupacional.

Apesar dessa nova classificação, a Síndrome de Burnout já era reconhecida como doença ocupacional em processos trabalhistas, sendo que com o reconhecimento pela OMS, mais certeza e segurança jurídica foram alcançados.

Na prática, e ao ser diagnosticado e afastado por até 15 dias, o empregado tem direito a receber licença médica remunerada pelo empregador, contudo sem direito a estabilidade de um ano.

Caso o afastamento ocorra por período superior a 15 dias, o empregado tem direito a receber o auxílio-doença acidentário, que é o benefício previdenciário em caso de doença relacionada ao trabalho, porém, para isso ocorrer a Síndrome de Burnout deve ser diagnosticada através de perícia realizada pelo INSS.

Ocorrendo o afastamento previdenciário, o empregado tem direito à estabilidade, ou seja, não pode ser demitido sem justa causa pelo período de um ano contado de sua alta.

Eventualmente, o empregador pode ser responsabilizado pela doença adquirida pelo empregado. Para isso ocorrer, a Síndrome de Burnout deve ser reconhecida em perícia judicial realizada em processo trabalhista movido pelo empregado, bem como, deve ficar provada culpa do empregador nas causas da doença.

A culpa do empregador pode decorrer de vários fatores, como inobservância das leis que tratam de jornada de trabalho, inobservância das leis que tratam de períodos de férias, exigência de metas inatingíveis, volume excessivo de trabalho, entre outras.

Desta forma, os empregadores devem procurar manter um ambiente de trabalho saudável e serem cautelosos com certas situações que podem desencadear a Síndrome de Burnout.

Eduardo Galvão Prado

 

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