Boletim Informativo – Maio de 2020

Boletim RES, Advogados

maio de 2020

 

Prezados Srs.,

 

 

Neste boletim trazemos artigos nas áreas trabalhista, imobiliária, cível e societária.

 

No campo do direito do trabalho, abordamos a suspensão ou atraso no pagamento de acordos trabalhistas, pelos empregadores, durante a pandemia do Covid-19.

 

No campo do direito imobiliário, analisamos a importância o atual cenário legal e jurisprudencial no que se refere à necessidade de obtenção de certidões para saber a situação jurídica e financeira do vendedor de imóvel, a evolução do entendimento a fraude à execução e obstáculos que impedem ainda maior simplificação e segurança nas transações.

 

Na área cível, o assunto tratado foi a possível aplicabilidade da teoria da imprevisão e a teoria da onerosidade excessiva nos contratos em vigor durante a pandemia do Covid-19 e o entendimento jurisprudencial a respeito.

 

Por fim, na área de direito societário, tratamos de tema recorrente: os efeitos da celebração do acordo de quotistas em sociedades limitadas, a legitimidade e o procedimento legal para promover execução específica em caso de descumprimento deste acordo societário.

 

Lembramos que em nosso site, você pode sempre encontrar notícias atualizadas.

 

 

Uma boa leitura.

 

 

Índice:

 

Direito Trabalhista:

Suspensão ou Atraso no Pagamento de Acordo Trabalhista, Motivados pela Pandemia de Covid-19…………………………….. Fls. 3-5

– Eduardo Galvão Prado

 

Direito Imobiliário:

AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS: Necessidade de Novos Avanços nas Áreas Trabalhista e Fiscal, Visando a Desburocratização das Operações Imobiliárias. fls……………………………………………………. 6-15

Rodrigo Elian Sanchez

 

Direito Cível:

A Possibilidade de Revisão Contratual com Base na Teoria da Imprevisão e na Teoria da Onerosidade Excessiva, em Razão da Pandemia do Covid-19. fls……………………………………………………. 15-21

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

– Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi

 

Direito Societário:

Legitimidade da Sociedade na Execução Específica de Acordo de Quotistas. fls………………………………………………………………………….. 23-34

– Flávia de Faria Horta Pluchino

 

 

Suspensão ou Atraso no Pagamento de Acordo Trabalhista, Motivados pela Pandemia de Covid-19.

 

Em tempos de Pandemia pelo Covid-19, muitos empregadores estão com dificuldade ou até mesmo impossibilidade de cumprir os acordos realizados em ações trabalhistas.

 

Por este motivo muitos acordos estão sendo descumpridos, seja pela falta ou atraso no pagamento das parcelas acordadas e, com isso, a questão volta para análise do poder judiciário.

 

Temos observado muitas decisões sobre o assunto, tanto isentando a incidência da multa, quanto reduzindo-a, bem como suspendendo o cumprimento do acordo, ou até mesmo executando integralmente a multa prevista em caso de descumprimento.

 

O poder judiciário, ao avaliar descumprimento de acordos trabalhistas, tem levado em consideração a situação excepcional de pandemia pelo Covid-19, considerada como motivo de força maior, ou seja, um motivo totalmente imprevisível e fora do alcance da vontade do devedor, cumulada com a comprovação por qualquer meio de prova, da impossibilidade financeira, causada pela pandemia de Covid-19.

Com a análise dos critérios acima, as possibilidades são de o juiz suspender o cumprimento do acordo, isentar ou reduzir o pagamento da multa, ou determinar que se execute o acordo com a multa estabelecida, sem qualquer flexibilização.

 

Como mencionado anteriormente, temos observado decisões nestes três sentidos.

 

Os fundamentos jurídicos das decisões são:

a) norma contida na CLT, estabelecendo que os prazos podem ser prorrogados pelo período estritamente necessário, quando o juiz entender necessário ou em caso de força maior devidamente comprovado;

b) norma contida no Código Civil, estabelecendo que a penalidade deve ser reduzida, se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte;

c) princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, que é utilizado para resolver a colisão de interesses;

d) princípio da boa-fé objetiva, que pode ser entendido, resumidamente, como um comportamento ético do devedor.

 

Com isso, podemos concluir, que é juridicamente possível requerer a isenção ou redução da multa estabelecida no acordo trabalhista ou até a suspensão do cumprimento do acordo, desde que comprovado, que a inadimplência ocorreu por impossibilidade financeira, causada pela pandemia de Covid-19.

 

Em relação à prova de impossibilidade financeira, diversas são as possibilidades de indícios probatórios, sendo que, no momento, milita em favor dos empregadores a presunção de redução de receitas, em razão do aumento de inadimplência e decréscimo da atividade econômica, especialmente em segmentos mais afetados como lojistas, serviços de alimentação e lazer, por exemplo.

Eduardo Galvão Prado

 

 

AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS: Necessidade de Novos Avanços nas Áreas Trabalhista e Fiscal, Visando a Desburocratização das Operações Imobiliárias.

 

A operação de compra e venda de imóveis é cercada de assimetria de informação. Se de um lado, o vendedor tem informações mais precisas sobre sua própria situação jurídica e financeira e sobre a situação física e jurídica do imóvel, do outro lado, o comprador não possui essas informações, devendo realizar vasta pesquisa para obtê-las e apesar de todo seu esforço, sempre as obterá de forma incompleta.

 

As informações, que o comprador poderá obter, serão parciais pois em um país como o Brasil, em que os serviços de registro de protesto são realizados por comarcas[1], que em 2019 somavam 2.702[2], o custo de realizar pesquisa em todas as comarcas de nosso país, torna tal medida inexequível.

Por outro lado, o número de tribunais em que se deve realizar pesquisa, também é extenso. Segundo dados do CNJ atualmente existem 90[3] tribunais no Brasil, sendo que na grande maioria deles, é possível emitir certidões[4] através da internet.

 

Não obstante, as dificuldades são de grande monta, não só pelo número de tribunais, como também por alguns, como o TJMG e o TJAC, não disponibilizarem certidões dos distribuidores forenses de primeira instância com alcance estadual, em que se reúnam as informações de todas as comarcas sob a jurisdição de um respectivo tribunal, sendo necessária a solicitação de uma miríade de certidões em um mesmo tribunal.

 

Vamos imaginar que o vendedor de um imóvel, tenha em face de si, em tramite uma ação e que tal ação tramite perante uma comarca que já residiu, no passado. A informação da existência dessa ação, de maneira geral, só estará disponível no cartório judicial da comarca onde ele residia.

Assim, para ter certeza da segurança jurídica da operação, o comprador deveria realizar consultas a diversos cartórios e órgãos públicos, inclusive fora da localidade onde o imóvel de interesse se localiza e incluindo locais em que o vendedor já residiu, no passado.

 

Seja pelo custo de realizar a totalidade das citadas consultas, seja pelo tempo que seria despendido para sua efetivação, ou ainda pela inexequibilidade de tal medida, os potenciais compradores dos imóveis e mesmo as instituições financeiras que os financiam, restringem-se, na grande maioria das vezes, a realizar consultas nos órgãos que guardam uma relação geográfica mais próxima com o imóvel.

 

No cotidiano, se consolidou a praxe foi por se realizar a pesquisa na comarca onde se localiza o imóvel objeto da transação e na comarca onde residem, os vendedores, nos últimos cinco anos.

 

Ou seja, por economicidade, os agentes deixam de trabalhar com a totalidade das informações necessárias para aferir o risco e, consequentemente, o efetivo preço da transação e as consolidam com um “vácuo informacional”, que possibilita, no futuro, o questionamento ou ineficácia da operação.

 

Neste sentido, muitos defendem a necessidade de se adotar a regra da concentração dos atos na matrícula do imóvel para mitigar este “vácuo informacional” e trazer segurança as operações.

 

Através de tal regra, os interessados têm que analisar apenas e tão somente a certidão atualizada da matrícula do imóvel, sendo que qualquer fato que não esteja lá averbado, não vincula o comprador ou adquirente de direitos reais.

A adoção deste princípio em sua plenitude, contribuirá para aumento da segurança jurídica dos negócios, assim como para desburocratização dos procedimentos dos negócios imobiliários.

 

Da evolução do entendimento sobre a fraude à execução, nos tribunais e na legislação

 

Em 2006, a Lei Federal nº 11.382, de 2006, alterou o CPC/1973, tendo introduzido o artigo 615-A no diploma processual. Tal artigo possibilitava ao exequente, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

 

Ou seja, passou a ser possível que os credores ao distribuírem execuções, averbassem em bens do devedor a existência da pendência judicial, de forma a dar publicidade e vincular futuros interessados em adquirir referidos bens, em relação à eventual ônus que poderiam vir a recair.

 

De acordo, com tal regra presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593).

 

Tal alteração legislativa, foi bastante salutar, pois caminhava no sentido da concentração dos atos perante a matrícula imobiliária, sendo que o STJ, com base em tal regra, ainda em 18.3.2009, sumulou sob o n. 375, o seguinte verbete:

O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

 

Tal súmula trouxe grande alento as operações imobiliárias, porém sendo persuasiva e não vinculante, a insegurança jurídica permanecia, pois em muitos tribunais o entendimento de que o comprador, deveria proceder à intensa pesquisa em relação ao vendedor e eventuais antecessores, continuava a vigorar.

 

Por outro lado, dúvida remanescia, em relação a aplicação do entendimento sumulado sob o n.° 375 às execuções fiscais, já que existe norma positiva expressa, em sentido contrário (Art. 185 do CTN). Segundo o art. 185 do CTN, se na ocasião da alienação de um bem, o vendedor for devedor de débito fiscal inscrito na dívida ativa e não tendo outros bens para garantir a dívida tributária, a operação será considerada fraudulenta.

Tal tema (fraude fiscal na alienação de bens) foi, em 2010, objeto de recurso especial julgado pelo regime dos repetitivos (REsp 1.141.990/PR) com efeitos vinculantes a todo poder judiciário.

Ao julgar referido recurso especial (tema 290), o STJ entendeu pela existência de diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal, tendo sido fixada a seguinte tese:

 

“Se o ato translativo foi praticado a partir de 09.06.2005, data de início da vigência da Lei Complementar n.º 118/2005, basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da figura da fraude quando se trata de crédito tributário”.

 

O entendimento tese como fundamento ser o Código Tributário Nacional (com as alterações trazidas pela Lei Complementar n.º 118/2005), lei especial em relação ao Código de Processo Civil (regra geral). De acordo com o princípio geral de direito Lex specialis derogat legi generali, para as execuções fiscais, o CTN prevalece, sendo afastada a aplicação do CPC.

 

O tema foi novamente submetido ao STJ, em agosto de 2014, quando do julgamento do REsp 956.943/PR, também sob a sistemática dos recursos repetitivo (tema 243), tendo sido fixada tese pela qual, inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, bem como que, presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após averbação referida no dispositivo.

A tese fixada no REsp 956.943, é precedente judicial, que uniformiza a aplicação do direito em casos idênticos, devendo ser observado pelos demais juízes, todavia restrito as áreas do direito processual civil e do trabalho. Assim para a área fiscal o entendimento firmado no REsp 1.141.990/PR, continuou ileso.

 

É importante destacar, que a pesquisa fiscal é praticamente inexequível, pois além dos débitos para com a fazenda nacional, o interessado deve proceder à pesquisa perante 26 fazendas estaduais (além da do distrito federal) e perante as 5.568 fazendas municipais[5].

 

Diante deste cenário, ainda bastante complexo e considerando a necessidade de trazer maior segurança jurídica ao mercado imobiliário, em 2015, entrou em vigor a Lei Federal n.°13.097/2015, que em seu artigo 54, estabeleceu não ser possível opor à terceiros de boa-fé, que adquiriram ou receberam em garantia direitos reais sobre o imóvel, situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (que trata da recuperação judicial).

 

A tal inovação normativa, veio a se somar o artigo 792 do CPC/2015 que entrou em vigor em 18 de março de 2016, tendo também, referendado a impossibilidade de se presumir fraudulenta a operação imobiliária, sem que esteja averbada perante o registro imobiliário a existência de pendência ou pretensão reipersecutória.

 

Ou seja, as regras contidas no art. 54 da Lei Federal n.°13.097/2015, bem como a contida no art. 792 do CPC/2015 visavam simplificar as operações imobiliárias e são antagônicas com a contida no art. 185 do CTN.

 

Porém e conforme já exposto, o STJ, quando do julgamento em 2010 do REsp 1.141.990/PR entendeu que o Código Tributário Nacional é regra especial em relação ao Código de Processo Civil, sendo que a alteração no diploma processual, não terá qualquer efeito modificativo para a área fiscal, ainda regulada pelo art. 185 do Código Tributário Nacional.

 

Porém uma questão pouco abordada ainda é sobre os efeitos da Lei Federal n.°13.097/2015, para a esfera tributária, tema do qual o STJ ainda não se manifestou.

 

Sem embargo, em recente artigo, Eduardo de Arruda Alvim e Rafael Ricardo Gruber[6], defendem a tese de que a regra contida no art. 54 da Lei Federal n.°13.097/2015 é a regra especial e afasta aplicação do art. 185, quando a operação for imobiliária.

 

Ou seja, o art. 54 da Lei Federal n.°13.097/2015 será aplicável tão somente aos casos em que a transação que se pretenda declarar fraudulenta, seja imobiliária, sendo tal regra aplicável tanto em processo cível comum como no processo de execução fiscal.

 

Porém e não se tratando de transação que envolva bem imóvel, é aplicável a regra do art. 792 do CPC/2015 para as execuções comuns e a do art. 185 do CTN aos processos de execução fiscal.

 

O argumento nos parece o mais acertado e ao mesmo nos filiamos, considerando que na exposição de motivos apresentada quando da tramitação legislativa do texto que resultou na Lei Federal n.°13.097/2015, é apontando que a lei tem como escopo desburocratizar os procedimentos dos negócios imobiliários, em geral, e fomentar a concessão de crédito, com redução de custos e imprimindo celeridade aos negócios.

Nesta toada é evidente que se trata de norma especial que trata exclusivamente de negócios imobiliários e por ser posterior à regra contida no art. 185 do CTN, derroga a mesma no que conflitarem.

 

Seria, contudo, oportuno uma nova provocação ao STJ, de forma que seja declarado estar superado o entendimento fixado no REsp 1.141.990/PR, visando segurança jurídica.

 

Outro campo, que não podemos esquecer é o da justiça especializada trabalhista, em que à despeito dos novos marcos legais, em reiteradas decisões recentes, não tem sido observada as regras contidas no art. 54 da Lei Federal n.°13.097/2015 e 792 do CPC/2015, razão pela qual, os interessados em adquirir imóvel, continuam a realizar pesquisa nos distribuidores da Justiça do trabalho, para verificar se o vendedor é réu em alguma reclamação trabalhista, e se tem outros bens para responder à eventual condenação.

 

A necessidade da evolução da interpretação jurisdicional à luz dos novos diplomas legais é fundamental para que a simplificação e segurança jurídica possam se consolidar e trazer respaldo adequado aos agentes econômicos.

Rodrigo Elian Sanchez

[1] A comarca corresponde a divisão territorial estabelecida pelo poder judiciário, em que o juiz de 1ª grau irá exercer sua jurisdição. A comarca pode abranger um ou mais municípios, dependendo do número de habitantes e de eleitores, do movimento forense e da extensão territorial dos municípios do estado, entre outros aspectos.

[2] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2019. Brasília: 2019. p. 219.Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf. Acesso em 15 maio de 2020.

[3] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-apresenta-justica-em-numeros-2018-com-dados-dos-90-tribunais/. Acesso em 15 maio de 2020.

[4] No Tribunal de Justiça do Paraná e nos Tribunais Regionais do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT 1) as emissão das certidões são físicas e necessitam ser providenciadas presencialmente.

[5] Dados disponibilizados em 18.05.2020 pelo IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/27713-ibge-atualiza-lista-de-municipios-distritos-e-subdistritos-municipais-do-pais-2. Acesso 18 maio de 2020.

[6] ALVIM, Eduardo Arruda; GRUBER, Rafael Ricardo. Segurança jurídica dos negócios imobiliários versus fraude à execução: ônus dos credores e ônus dos adquirentes de bens no direito civil e tributário brasileiro. Revista de Processo. Vol. 291.ano 44. P. 101-134. São Paulo: Ed. RT, maio 2019.

 

 

 

A Possibilidade de Revisão Contratual com Base na Teoria da Imprevisão e na Teoria da Onerosidade Excessiva, em Razão da Pandemia do Covid-19.

 

 

No atual cenário de pandemia em que o mundo inteiro sofre enormes prejuízos de ordem econômica, muitos perguntam se, e como, os contratos devem ser rompidos ou relativizados.

 

A princípio, a regra contratual deve observar o princípio do “pacta sunt servanda”, ou seja, o contrato é lei entre as partes.

 

Entretanto, durante a execução de qualquer contrato, sobretudo naqueles em que a execução é continuada ou diferida, diversas modificações e acontecimentos inesperados podem surgir, trazendo à tona a possibilidade de se relativizar o princípio do “pacta sunt servanda”.

 

Neste ponto, é importante esclarecer o que de fato se enquadraria como “acontecimento inesperado”: um fato é imprevisível quando as partes mesmo tomando as devidas cautelas, não possuem amplitude de prever tal acontecimento. Há também a figura do fato extraordinário, que é quando algum fato novo faz com que o contrato saia do curso normal das coisas.

 

Vale ressaltar que não se consideram fato extraordinário aquelas situações que as partes detinham ciência de que possivelmente poderiam ocorrer, isto é, não se aplica diante de acontecimentos subjetivos e restritos a um caso particular.

 

O jurista Carlos Roberto Gonçalves explica que o evento prejudicial deve surgir “após o aperfeiçoamento do negócio e antes da sua execução, pois, sendo preexistente, não se poderia falar em desequilíbrio superveniente, visto que poderia ter sido levado em conta pelo contraente lesado quando da estipulação da avença[1]

 

A título de exemplo, os contratos que possuem como objeto safra agrícola, estão sujeitos a fenômenos climáticos (geada, pragas, escassez, etc.), os quais não podem ser considerados como fato extraordinário e tampouco imprevisível, para permitir a resolução ou revisão daquilo que foi entabulado.

 

Também neste sentido, surgiu a ideia da cláusula rebus sic stantibus, que significa “contratos de trato sucessivo que dependem de circunstâncias futuras, se entendem pelas coisas como se encontram”. Ou seja, foi a partir desse conceito que o direito adotado no Brasil criou a teoria da imprevisão, bem como a teoria da onerosidade excessiva.

 

A teoria da imprevisão consta no Código Civil, em seu art. 317: “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.

 

Pode-se extrair da disposição legal acima, que a referida teoria aceita revisão contratual, exceto quando o contrato tem por sua própria natureza, o risco. A revisão contratual pode ser pleiteada no judiciário quando houver as seguintes circunstâncias:

 

  • Que seja contrato cuja execução seja diferida ou continuada no tempo;
  • Que ao executar o contrato, tenha havido alteração das situações fáticas vigentes à época da contratação;
  • Que essa alteração seja inesperada e imprevisível;
  • Por fim, que a alteração tenha promovido um desequilíbrio entre as prestações.

 

 

Nestes casos, a parte interessada – normalmente o devedor – poderá pleitear que o Poder Judiciário conserve o vínculo obrigacional mediante a revisão de suas cláusulas com o objetivo de reformular os seus impactos econômicos e sociais, com o adimplemento da relação. Para pleitear a revisão contratual, deve-se ajuizar uma ação de revisão contratual.

Já a teoria da onerosidade excessiva encontra-se no art. 478 do Código Civil:

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

 

Adiante, o art. 479 estabelece que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.

 

Nota-se que a teoria da onerosidade excessiva, diferentemente da teoria da imprevisão, além de admitir a revisão contratual, se a parte beneficiada se oferecer para restabelecer o equilíbrio contratual, também admite a resolução do contrato, que nada mais é que a extinção do referido contrato sem seu devido cumprimento.

 

Além dos requisitos para a aplicação da teoria da imprevisão, na teoria da onerosidade excessiva é necessário, ainda, que se demonstre:

 

  • uma situação de grande vantagem para um contratante;
  • em contrapartida, uma situação de onerosidade excessiva para o outro”.

 

Sendo assim, no cenário em que o Brasil se encontra, em razão da pandemia do Covid-19, tais teorias terão grandes aplicabilidades nas decisões do Poder Judiciário, pois diversos contratos necessitarão de revisões e até mesmo de resoluções.

 

Atualmente, não há ainda grande volume de jurisprudência sobre a aplicabilidade dessas teorias em relação à pandemia do coronavírus, já que é tudo muito recente. Entretanto, o STF[2], recentemente, em 31/03/2020, concedeu medida LIMINAR, na qual afirmou que:

 

O desafio que a situação atual coloca à sociedade brasileira e às autoridades públicas é da mais elevada gravidade, e não pode ser minimizado. A pandemia de COVID-19 (Coronavírus) é uma ameaça real e iminente, que irá extenuar a capacidade operacional do sistema público de saúde, com consequências desastrosas para a população, caso não sejam adotadas medidas de efeito imediato. A alegação do Estado do Espírito Santo de que está impossibilitado de cumprir a obrigação com a União em virtude do atual momento extraordinário e imprevisível relacionado à pandemia do COVID-19 e todas as circunstâncias nele envolvidas é, absolutamente, plausível; estando, portanto, presente na hipótese, a necessidade de fiel observância ao princípio da razoabilidade, uma vez que, observadas as necessárias proporcionalidade, justiça e adequação da medida pleiteada e a atual situação de pandemia do COVID-19, que demonstra a imperatividade de destinação de recursos públicos para atenuar os graves riscos à saúde em geral, acarretando a necessidade de sua concessão, pois a atuação do Poder Público somente será legítima, se presentes a racionalidade, a prudência, a proporção e, principalmente, nesse momento, a real e efetiva proteção ao direito fundamental da saúde. […] Diante do exposto, presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR requerida, para determinar a suspensão por 180 (cento e oitenta dias) do pagamento das parcelas relativas aos Contratos de Consolidação, Assunção e Refinanciamento da dívida pública firmado entre o Estado autor e a União…”.

 

Nota-se que a pretensão de revisão de cláusulas contratuais excessivamente onerosas, em razão de fatos supervenientes, tem como pressuposto a circunstância de que o excessivo encargo a ser suportado por uma das partes se reverta em benefício exagerado em favor da outra parte, conforme.

 

Porém, sabe-se que um dos princípios mais relevantes relacionados aos contratos é, sem dúvidas, o princípio da força obrigatória (pacta sunt servanda), segundo o qual o contrato, uma vez celebrado, constitui-se como verdadeira lei entre as partes, possuindo, suas cláusulas, força obrigatória.

Neste sentido, destacamos que algumas situações que não autorizam a aplicabilidade da teoria da imprevisão e onerosidade excessiva, dentre elas:

 

  1. Dificuldades financeiras subjetivas (TJSP 1028460.70-2016.8.26.0114);
  2. Oscilações de custo de energia e gasto mensal, (TJSP APL 1001306.61-2017.8.26.0302);
  3. Desvalorização do real, em contrato celebrado em Dólar, pois ao se contratar ou indexar o preço à moeda estrangeira, o risco da variação cambial é inerente ao negócio, (TJSP 0222100-44.2009.8.26.0110);

 

Diante do exposto, percebe-se que para pleitear uma revisão contratual é necessário que os eventos imprevisíveis atinjam a prestação do devedor. Se um fato ocorrido, por mais imprevisível que seja, não causar uma desproporção para o obrigado, este não poderá exigir a revisão do contrato.

 

Portanto, em conclusão, entendemos que a pandemia de COVID-19 pode ser, dependendo das circunstâncias fáticas, reconhecida com fato extraordinário e imprevisível, autorizando a aplicação da teoria da imprevisão, bem como a teoria da onerosidade excessiva, a fim de revisar cláusulas contratuais, preservando o equilíbrio contratual.

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi

[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Esquematizado, Editora Saraiva, 4ª edição, 2014, p. 854.

[2] Supremo Tribunal Federal STF – MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA: MC ACO 0089124-07.2020.1.00.0000 ES – ESPÍRITO SANTO 0089124-07.2020.1.00.0000

 

 

 

Legitimidade da Sociedade na Execução Específica de Acordo de Quotistas.

 

  1. ACORDO DE QUOTISTAS – NATUREZA JURÍDICA, OBJETO E EFICÁCIA.

O acordo de quotistas, inspirado no acordo de acionistas previsto no art. 118, da Lei nº 6.04/76 – Lei das Sociedades Anônimas, é negócio jurídico celebrado entre sócios de uma sociedade limitada. Por meio deste instrumento seus signatários criam e regulam suas relações decorrentes do elo societário.

 

No direito brasileiro, sua natureza jurídica é de um contrato civil, que demanda, além dos requisitos previstos para a validade de todos os negócios jurídicos (art. 104, Código Civil), dois requisitos complementares: o subjetivo e o objetivo. O subjetivo, correspondente à necessidade de que seus signatários serem titulares de direitos de sócios da sociedade e o objetivo, correspondente à sua vinculação à existência da pessoa jurídica, pois ele é firmado tão somente para disciplinar os interesses sociais dos sócios de uma sociedade limitada.

 

Apesar de depender da sociedade para existir, as disposições do acordo de quotistas têm conteúdo distinto das declarações presentes no contrato social. Com efeito, os acordos de quotistas são concluídos para produzir efeitos no âmbito social, mas sua eficácia é limitada, em princípio, às partes que o celebram.

 

Não obstante ser pacífico na doutrina e na jurisprudência a impossibilidade de a sociedade ser parte em acordo de quotistas, na medida em que este pacto produzirá efeitos em sua esfera jurídica, é muito comum, além de aconselhável, que ela integre a contrato como interveniente.

 

Quanto ao seu objeto, contanto que acordo de sócios não contrarie o disposto no contrato social ou na lei, direta ou indiretamente, ele pode tratar de qualquer direito ou obrigação que decorra da condição de titulares de direitos de sócios da sociedade limitada.

 

As cláusula mais comuns dos acordos de quotistas dizem respeito ao direito de voto (que visa regular o exercício do direito de voto para influenciar nas deliberações sociais ou dos órgãos de administração da sociedade), direito de preferência (que visa regular a preferência na aquisição de quotas do sócio signatário do acordo de quotistas que deseje alienar, total ou parcialmente, sua participação no capital social) e direito de bloqueio, que tem por escopo restringir a livre cessão e circulação das quotas das partes do acordo de quotistas.

 

Entre as cláusulas de bloqueio, podemos destacar, como principais, as seguintes:

 

Lock up – período contratado pelas partes do acordo, em que os sócios ficam impedidos de alienar suas quotas sociais. Também conhecida como período de permanência com as quotas;

 

Tag along – Direito de venda conjunta. Mecanismo que condiciona a aquisição das quotas de um sócio por um terceiro, à aquisição das quotas dos demais sócios que exercerem o tag along pelo valor previamente estabelecido, normalmente correspondente a um percentual do valor de aquisição das quotas do sócio ofertante. Salienta-se que o tag along previsto na alienação de controle de companhia aberta (art. 254-A da LSA) não se aplica às sociedades limitadas.

 

Drag along –Pela cláusula de drag along, o sócio que receber uma oferta para a venda de suas quotas a terceiros, poderá exigir que os demais sócios também vendam as suas quotas ao terceiro.

 

Put option (opção de venda) e call option (opção de compra). Por meio da put option, o titular da opção de venda pode obrigar a outra parte a comprar as suas quotas por certo valor. Já por meio da call option, o titular da opção de compra pode obrigar a outra parte a vender-lhe suas quotas por determinado valor.

 

Buy or sell. Mecanismo que permite que um sócio faça uma oferta a outro para comprar toda as suas quotas pelo preço sugerido. Com a comunicação do exercício de referida cláusula, o outro sócio, ou compra todas as quotas pelo preço sugerido, ou vende todas as suas quotas pelo mesmo preço. Tem por finalidade solucionar disputas societárias sem a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário.

 

Independentemente da forma adotada ou do preenchimento de qualquer outro requisito formal, os acordos de sócios validamente celebrados produzirão efeitos em relação às partes, que estarão obrigadas a cumpri-lo.

 

No âmbito das sociedades anônimas, em que o acordo de acionistas é regulamentado no artigo 118, da Lei nº 6.404/76, desde que arquivado na sede da companhia, ele obriga a própria companhia e terceiros.

 

Muito se discute se esta norma contida na Lei das S/A seria também aplicável aos acordos de sócios no âmbito das sociedades limitadas, especialmente naquelas em que o contrato social não prevê a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima, em face do que dispõe o art. 997, parágrafo único do Código Civil.

 

Apesar de existirem correntes contrárias, nos filiamos à corrente defendida por autores como Modesto Carvalhosa, Herbert Morgenstern Krugler e André Luiz Meneses Azevedo Sette, que entende que, independentemente do contrato social prever ou não a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima, deve-se aplicar, por analogia, o art. 118, da Lei das S/A aos acordos de sócios, naquilo que não contrariar a essência da sociedade limitada.

 

Desta forma, o pressuposto de ordem material para que o acordo de quotistas produza efeitos perante a sociedade e terceiros, é que ele tenha como objeto as matérias previstas no artigo 118, da Lei das S/A, a saber, compra e venda de quotas, preferência para sua aquisição, exercício do direito de voto ou do poder de controle, pois são somente estas matérias que são oponíveis pela lei à sociedade e à terceiros.

 

Já os pressupostos de ordem formal são: (i) arquivamento do acordo na sede da sociedade, para que esta tenha inequívoca ciência quanto aos seus termos; e (ii) dar publicidade ao acordo por meio de seu arquivamento na Junta Comercial, dado que a sociedade limitada não possui livros de registros que funcionem como registro de caráter público e nem emite certificados.

 

Cumpridos estes pressupostos, os acordos de sócios obrigarão a sociedade e os terceiros.

 

 

2. DA EXECUÇÃO ESPECÍFICA DOS ACORDOS DE SÓCIO – LEGITIMIDADE PROCESSUAL ATIVA E PASSIVA.

Feitas as breves considerações sobre a natureza jurídica do acordo de quotistas, seu objeto, partes e eficácia, passamos agora à análise do mecanismo judicial para obrigar seu cumprimento pelo sócio inadimplente.

 

Nos termos do art. 118, da Lei das S/A, em caso de inadimplemento de algum acionista ao disposto no acordo por ele celebrado, os demais podem promover a execução específica das obrigações assumidas.

 

Neste sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (STJ):

 

“Entretanto, nos termos do § 3°, do art. 118, da Lei n° 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), o acordo de acionistas enseja obrigação específica das obrigações nele assumidas. Portanto, a ação em que se busca o cumprimento do acordo de acionistas é regulada pelos atuais arts. 466-A a 466-C, do CPC (antigos arts. 639 a 641, na redação do CPC anterior à Lei n.o 11.232/2005), eis que, via de regra, a pretensão é o cumprimento de obrigação de fazer (prestar declaração de vontade, como e.g., votar na sociedade; ou contratar, como na compra e venda de ações) ou o cumprimento de obrigação de dar coisa certa (como e.g., entregar ações). Superior Tribunal de Justiça (STJ), Resp. n° 784.267 – RJ (2005/0159503-0). Rel. Min Nancy Adrighi. d.j. 17/9/2007”.

 

Desta forma, diante do inadimplemento, por uma das partes, de obrigações assumidas no acordo de quotistas, poderão os demais sócios participantes do pacto exigir em Juízo a emissão de declaração de vontade (art. 501, do CPC/2015). Neste sentido, a sentença judicial substituirá a declaração de vontade não emitida, produzindo o mesmo efeito que ela.

 

Não obstante a sociedade não ser parte do acordo de quotistas, muitas controvérsias surgem quanto à necessidade de que seja ela parte na ação de execução específica de suas obrigações.

 

A legitimidade de parte relaciona-se à qualidade expressa em lei que autoriza o sujeito a buscar seu direito em juízo (legitimidade ativa) contra quem entende ser responsável por seu cumprimento (legitimidade passiva).

 

Nas ações que envolvem o cumprimento de obrigações de acordo de quotistas, portanto, é evidente que a legitimidade passiva ordinariamente pertence ao sócio que deixar de cumprir a obrigação assumida no acordo de quotistas.

 

Quanto à legitimidade ativa, ela pertence ao(s) sócio(s) que se sentir(em) prejudicado(s) pelo eventual descumprimento da obrigação assumida, pois dele é o direito de exigir seu adimplemento.

 

Assim, em princípio, não sendo parte do acordo de quotistas, a sociedade careceria de legitimidade para figurar na ação, seja como autor, seja como réu.

 

Relativamente à legitimidade ativa, nenhum autor pesquisado entende que possa a sociedade demandar o sócio em razão de descumprimento de acordo de quotistas, pelo simples fato de que ela nunca será titular do direito pretendido, esbarrando, portanto, no óbice do art. 18, do CPC/2015.

Entretanto, como já salientado, mesmo que não seja parte do acordo de quotistas, tem-se que, em determinados casos, a sociedade terá sua esfera jurídica diretamente atingida.

 

Assim, a doutrina majoritária firmou seu entendimento no sentido de que a legitimidade passiva da sociedade, ainda que não seja parte do acordo de quotistas, pode surgir, a depender dos efeitos que a execução específica da obrigação produzirem.

 

Marcelo M. Bertoldi explica que, quando os efeitos da execução específica limitarem-se a substituir a declaração de vontade não emitida pelo sócio faltoso, a sociedade não teria legitimidade passiva para responder pela demanda, pois nestes casos, o efeito atinge apenas a esfera jurídica dos próprios sócios e a sociedade irá apenas recepcionar a sentença.

 

Por outro lado, nos casos em que os efeitos da execução específica ensejarem a ineficácia dos atos registrados na sociedade, sua esfera jurídica será diretamente afetada, pois deverá sujeitar-se aos efeitos da sentença, com a anulação da deliberação ou no que se refere aos registros quanto à eventual cessão de quotas que serão desconsiderados.

 

Este entendimento também é manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça:

“Recurso Especial. Direito Processual Civil e Direito Societário. Acordo de Acionistas. Execução Específica de obrigações de fazer e de entregar coisa certa (…) – A sociedade também tem legitimidade passiva para a causa em que se busca o cumprimento de acordo de acionistas, porque terá que suportar os efeitos da decisão; como na espécie em que o cumprimento do acordo implicaria na cisão parcial da sociedade. Recursos especiais não conhecidos.”

 

Nestes casos, portanto, poderá surgir a legitimidade passiva da sociedade para responder pela ação de execução específica e, até mesmo, para que a sentença proferida produza seus efeitos perante ela.

 

3. CONCLUSÃO.

Nos termos do 18, do CPC/2015, ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.

 

A sociedade, mesmo sendo o pressuposto do acordo de quotistas, em nenhuma hipótese dele será parte. Logo, na esteira da doutrina majoritária sobre o tema, entendemos que fica afastada sua legitimidade ativa para as ações de execução específica do pacto, pois os direitos e deveres nele contidos não lhe pertencem.

 

Entretanto, a particularidade principal do acordo de quotistas é justamente sua capacidade de produzir efeitos perante a esfera jurídica de terceiros, aí incluída a sociedade.

 

Toda vez, portanto, que os efeitos da execução específica do acordo de sócios atingir diretamente a esfera jurídica da sociedade, ela terá legitimidade passiva para responder aos termos da ação. Exemplos disto são vistos nas ações envolvendo direito de voto ou de bloqueio, em que, além de recepcionar a sentença, deverá a sociedade invalidar o ato jurídico registrado.

 

Dito isto, pode-se concluir que a legitimidade da sociedade nas ações de execução específica de acordos de quotistas não é automática. Ela deverá ser analisada caso a caso e dependerá dos efeitos que a declaração de vontade não emitida produzirá na esfera jurídica da sociedade.

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

  1. BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no direito brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Vol. 121. São Paulo: Malheiros, 2001.
  2. CARVALHOSA, Modesto. Eficácia e execução específica do acordo de acionistas. Revista EMERJ, vol. 7, n. 26, 2004.
  3. SETTE, André Luiz Menezes Azevedo, Acordo de quotistas sob a ótica do novo Código Civil. Repertório de Jurisprudência. IOB, nº 13/2003, vol. III.
  4. BENEMOND, Fernanda Hennenberg. Acordo de quotistas de sociedades limitadas. 54 f. Dissertação (Mestrado em Direito Societário) – Instituto de Ensino e Pesquisa – INSPER, São Paulo, São Paulo, 2015.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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