BOLETIM INFORMATIVO – JUNHO 2023

Boletim RES, Advogados

Junho de 2023

 

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: trabalhista, empresarial, imobiliário e consumerista.

 

No campo do direito trabalhista, abordamos as principais regras estabelecidas na CLT sobre o funcionamento do banco de horas.

 

No espaço reservado para o direito empresarial, tratamos sobre a natureza do vínculo jurídico do empregado eleito diretor da sociedade e os principais cuidados a serem tomados.

 

Na área do direito imobiliário, analisamos a possibilidade de aquisição de bem imóvel hipotecado.

 

Por fim e no campo do direito consumerista, versamos sobre as fraudes cometidas via mensagens de texto e maquininhas, bem como a responsabilidade das instituições financeiras.

 

Lembramos que em nosso site, você pode sempre encontrar notícias atualizadas; uma boa leitura!

 

 

 

Índice:

 

Direito Trabalhista:

 

Regras sobre o banco de horas.

Fls………………………………………………………………………………………………………….04-06

– Eduardo Galvão Prado

 

 

Direito Empresarial:

 

Natureza do vínculo jurídico do empregado eleito diretor e os cuidados a serem tomados pela sociedade.

Fls………………………………………………………………………………………………………….07-14

Flavia de Faria Horta Pluchino

 

 

Direito Imobiliário:

 

É possível comprar um imóvel hipotecado?

Fls………………………………………………………………………………………………………….15-23

– Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Direito Consumerista:

 

As fraudes cometidas via mensagens de texto (SMS), maquininhas e a responsabilidade das instituições financeiras.

Fls………………………………………………………………………………………………………….24-30

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

 

 

Regras sobre o Banco de Horas.

 

O banco de horas, é uma ferramenta utilizada para compensar as horas extras trabalhadas pelo empregado, pela qual ao invés de receber o pagamento pela jornada extraordinária, o empregado compensa as horas extras trabalhadas com a ausência ou redução de jornada, em outro dia.

 

As modalidades e regras do banco de horas estão previstas na CLT.

 

De acordo com a CLT, o banco de horas deve ter previsão em acordo entre a empresa e o empregado ou em convenção ou acordo coletivo.

 

No banco de horas instituído por acordo entre o empregador e o empregado, as horas extras devem ser compensadas em até seis meses, por outro lado e no banco de horas instituído com base em previsão em convenção ou acordo coletivo, as horas extras devem ser compensadas em até um ano.

 

É de se destacar que, no caso o contrato de trabalho ser rescindido, o saldo do banco de horas, deve ser pago como horas extras, levando em consideração o salário do momento da rescisão.

 

Essas são as principais regras estabelecidas na CLT sobre o funcionamento do banco de horas.

 

Não obstante, a ausência de previsão legal sobre a forma de registro do saldo positivo e negativo e o direito de o empregado ter acesso a estas informações, o entendimento predominante do Tribunal Superior do Trabalho, é no sentido que o empregado deve ter a possibilidade de acompanhar o saldo do banco de horas, sob pena de invalidade do banco.

 

Esse entendimento tem precedentes de todas as turmas, bem como na Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho:

 

“EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA – OPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 – BANCO DE HORAS – NORMA COLETIVA – AUSÊNCIA DE PROVA DO CONTROLE DE SALDO – INVALIDADE DO REGIME A jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido da invalidade do banco de horas em que não permitido ao trabalhador acompanhar a apuração entre o crédito e débitos de horas, diante da impossibilidade de verificar o cumprimento das obrigações previstas na norma coletiva que instituiu o regime. Precedentes de todas as Turmas do TST. Embargos conhecidos e providos” (E-RRAg-21825-58.2015.5.04.0221, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 09/06/2023).”

 

Desta forma, para garantir a validade do banco de horas, é recomendado que a empresa registre no controle de jornada o saldo diário positivo ou negativo e ao final do mês, registre o saldo mensal, permitindo que o empregado tenha acesso à essas informações.

 

Eduardo Galvão Prado

 

 

 

Natureza do Vínculo Jurídico do Empregado Eleito Diretor e os Cuidados a serem Tomados pela Sociedade.

 

Com o aumento da complexidade dos negócios e da concorrência do mercado, passou a ser recorrente o recrutamento de administradores profissionais para gerirem sociedades empresárias.

 

Os administradores profissionais são eleitos pelos sócios da sociedade, mas não possuem vínculo familiar ou de amizade com eles

 

Em razão de sua capacidade de gestão e formação profissional em administração, focam na integração entre os interesses conflitantes dos sócios (lucro máximo) e dos empregados, fornecedores e da comunidade onde a empresa está inserida. Com isso, conseguem maximizar a produtividade e o crescimento da empresa.

 

Muitas vezes os dirigentes profissionais são recrutados no mercado, sem possuírem qualquer vínculo anterior com a sociedade, mas há muitos casos em que eles são recrutados entre os empregados da sociedade, aqueles que já mantinham com ela contrato de trabalho.

 

Neste sentido, tema bastante relevante se refere à definição do vínculo jurídico destes administradores com a sociedade, se seria mantido vínculo de emprego ou se eles passariam a ser regidos pelas regras do direito de empresa.

 

A questão não é simples e depende de uma visão interdisciplinar entre o Direito de Empresa e o Direito do Trabalho.

 

Perante o direito societário, são considerados administradores, apenas os diretores eleitos em ato solene. No caso das sociedades limitadas, a eleição deve ser formalizada em ata de assembleia ou de reunião de sócios ou no contrato social; e no caso das sociedades anônimas, em ata de assembleia. Estes sujeitam-se às regras do direito de empresa, sendo regidos pelo contrato/estatuto social, conforme o tipo societário seja uma sociedade limitada ou uma sociedade anônima.

 

Assim, devem observar os deveres impostos a todos os administradores, devendo exercer suas funções com lealdade, visando o interesse social, e não o seu interesse individual ou de quem o indicou, e com elevado padrão de conduta, probidade e prudência, sob pena de responder pessoalmente pelos prejuízos causados à sociedade, nos termos do art. 117 da Lei S/A e do art. 1.016 do CC.

 

Por outro lado, perante o direito do trabalho, a questão da natureza jurídica do vínculo jurídico do empregado eleito diretor é mais complexa.

Conforme Pontes de Miranda (MIRANDA, 2000), os administradores, enquanto órgãos da sociedade, presentam a mesma, isto é, ao atuarem, quem está efetivamente praticando o ato é a própria pessoa jurídica, porque o ato do órgão é ato dela.

 

Em outras palavras, os deveres e responsabilidade do administrador não são derivados do contrato. Decorrem da lei e por isso são orgânicos.

 

Nesse sentido, ensina Miranda Valverde (2001, p. 278-279 apud CALVO, 2005, p. 66):

 

“O administrador ou diretor eleito pela Assembleia Geral, ou indicado por quem tenha autoridade para tanto, como nas Sociedades Anônimas de economia mista, não contrata com a sociedade o exercício das funções. Se o nomeado aceita o cargo, deverá exercê-lo na conformidade das prescrições legais e estatutárias, que presidem ao funcionamento da pessoa jurídica.”[1]

 

Diante do entendimento de que o administrador é órgão da sociedade, responsável por representá-la junto a terceiros, surge a dúvida de qual seria o vínculo jurídico desse administrador, quando já era empregado da sociedade ao assumir o cargo. Como fica o contrato de trabalho desse empregado, ao assumir função de administração da sociedade?

 

Para explicar a questão, alguns doutrinadores defendem a plena possibilidade de coexistir a função de administração e a relação de emprego, de modo que, mesmo quando assume a direção da sociedade, o contrato de trabalho então existente é mantido íntegro. Justificam seu posicionamento no que disciplinam os arts. 156 e 157, §1º, alínea d da LSA. Ainda, há aqueles que entendem que a natureza diretiva da função de administrador é incompatível com a subordinação indispensável para caracterizar a relação de emprego, nos termos do art. 3º da CLT.

 

Dentre os últimos, duas teorias surgiram: a teoria da extinção do contrato de trabalho, defendida por Mozart Victor Russomano dentre outros; e a teoria da suspensão do contrato de trabalho, defendida por Arnaldo Sussekind, dentre outros, que foi a que prevaleceu em nosso direito desde 1988, com a edição do Enunciado 269[2] do Tribunal Superior do Trabalho.

 

Diante do objeto de estudo do presente artigo, vamos nos ater à teoria da suspensão do contrato de trabalho, na medida em que é ela a aplicável pela jurisprudência na solução de controvérsias envolvendo o tema.

 

Segundo a teoria da suspensão do contrato de trabalho, a mesma pessoa física não pode exercer o poder de comando, típico da figura de empregador, e, ao mesmo tempo, permanecer juridicamente subordinada a esse mesmo poder.

 

Logo, a regra adotada em nosso ordenamento jurídico é a de que o recrutamento do empregado para exercer o cargo de administrador da sociedade, suspende o contrato de trabalho, pelo período em que ele ocupar o cargo.

 

Entretanto, a regra não é absoluta e a definição quanto ao vínculo jurídico do diretor que era empregado da sociedade deve ser realizada caso a caso, tendo como base a verificação da subordinação jurídica.

 

Como muito bem esclarece Amauri Mascaro do Nascimento:

 

“A decisão significa que em cada caso concreto a Justiça do Trabalho examinará o modo como o trabalho é prestado pelo Diretor, para ver se há subordinação trabalhista. Observará a posição hierárquica, os tipos de pagamentos, o número de ações, a natureza técnica ou administrativa do cargo, as pessoas que dão ordens ao Diretor etc.”[3]

 

Em tese, portanto, cessam os direitos trabalhistas do empregado eleito diretor, e a relação dele com a sociedade passa a ser regida pelo direito de empresa. Logo, não receberá salário, mas pro labore; o direito a férias será exercido conforme as regras do contrato/estatuto social, e não conforme a CLT; e quanto às verbas rescisórias, terá direito apenas às obrigações que a sociedade estabeleceu no contrato/estatuto social para os diretores.

 

Entretanto, caso a justiça do trabalho, analisando o caso concreto, declare a relação de emprego entre o diretor estatutário e a sociedade, todas as participações não salariais recebidas por ele passam a ser consideradas salário, com a computação em todos os reflexos.

 

Em outras palavras, os seus direitos passam a ser os mesmos previstos na legislação trabalhista para os demais empregados.

 

Desta forma, é de extrema importância que a sociedade, ao alçar o empregado ao cargo de diretor, tenha o cuidado de observar estritamente o que a legislação empresarial prevê para o cargo, dotando a pessoa de verdadeiro poder gestão.

Ainda que a decisão do diretor, no final, reflita as visões dos sócios para o negócio, é imprescindível que ele tenha autonomia na tomada de decisões e liberdade para conduzir o negócio social com independência.

 

Em outras palavras, o diretor não pode atuar como se fosse mero preposto do sócio ou do membro do conselho de administração, mas sim, como um cargo de natureza independente.

 

Além disso, as sociedades devem ter o cuidado de evitar dar ao diretor tratamento semelhante ao que é dado aos demais empregados como, por exemplo, utilizar comunicações em impressos iguais aos que são utilizados para comunicação dos demais empregados, pois, é comum na justiça do trabalho processos em que os diretores requerem reconhecimento de vínculo de emprego, alegando que recebem o mesmo tratamento e os mesmos pagamentos dos demais empregados.

 

Com o aumento da complexidade dos negócios e das relações profissionais, torna-se, portanto, cada dia mais importante o aconselhamento jurídico na estruturação da organização da empresa e no controle de suas relações com profissionais, a fim de mitigar riscos e reduzir o passivo social.

 

Bibliografia

 

CALVO, Adriana Carrera. A Natureza Jurídica do Vínculo do Diretor Estatutário na Sociedade Anônima. Tese (Mestrado em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2005.

 

SUSSEKIND, Arnaldo. Empregado de S.A. eleito Diretor. Revista Forense. São Paulo, v. 339, 1989.

 

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Campinas: Bookseller, Tomo III, 2000.

 

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Enunciado 269.

 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2002.

 

BRASIL. Lei nº 6.404, de 16 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedade por Ações. Brasília, DF: Diário Oficial de União, 1976.

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, RJ: Diário Oficial da União, 1943.

 

Flavia de Faria Horta Pluchino

 

 

 

 

É Possível Comprar um Imóvel Hipotecado?

 

O proprietário do imóvel que o dá em garantia hipotecária, conserva o poder de alienar o bem a qualquer tempo. A hipoteca, em razão de sua natureza real, adere à coisa e segue-a por onde ela for. Ou seja, a hipoteca acompanha o imóvel, motivo pelo qual a transferência de titularidade não causa qualquer prejuízo ao credor hipotecário, que não pode, portanto, se opor a ela.

 

Por outro lado e de acordo com o art. 1.475 do Código Civil, é nula a cláusula que proíbe o proprietário de alienar o imóvel hipotecário. É, porém, permitido ao credor convencionar regra, pela qual, em caso de venda do imóvel hipotecado, ocorre o vencimento antecipado da dívida garantida pela hipoteca (§ único, art. 1.475 do CC). Essa é uma cláusula lícita e interessante, pois, possibilita ao credor a satisfação do seu débito, através do acesso ao preço recebido pelo devedor alienante.

 

É de se destacar que ao adquirir um imóvel hipotecado, o comprador deve estar ciente que, no caso de a dívida não ser paga, o imóvel poderá ser sujeito a execução hipotecária e, portanto, é de boa cautela verificar se ela foi ou não quitada.

 

Autoriza a lei (art. 1.481 do Código Civil) que o adquirente do imóvel hipotecado, faça a remição hipotecária (resgate) mediante o pagamento aos credores hipotecários do valor justo do bem, mesmo que inferior ao crédito garantido pela hipoteca. O fato de o resgate poder consumar-se por valor inferior ao da dívida hipotecária, não prejudica os credores hipotecários, porque recebem o mesmo valor que se tivessem levado o imóvel à leilão.

 

Essa hipótese de remição segue procedimento regrado na lei dos registros públicos (art. 266 a 269), que determina que no prazo de trinta dias contados do registro do título aquisitivo perante a matrícula do imóvel, deve o adquirente requerer a citação dos credores hipotecários, para que tomem conhecimento da alienação, bem como proponha o pagamento de valor não inferir ao preço pelo qual adquiriu o imóvel.

 

Caso os credores não se manifestem ou não se oponham ao valor ofertado, terá fixado o preço da remição, que produzirá seus efeitos tão logo ocorra o pagamento ou depósito do preço, sendo que o juiz determinará o cancelamento da(s) hipoteca(s).

 

Em contrapartida e tendo sido apresentada impugnação, procede-se a licitação do imóvel, admitida a participação de qualquer interessado. Adquire o imóvel quem oferecer o maior lance, tendo o adquirente preferência, em igualdade de condições. Caso a licitação seja vencida por terceiro, o título aquisitivo do bem, deverá ser levada a registro. Nesta hipótese, perde eficácia a venda primitiva feita ao adquirente. É, também interessante destacar, que como em um leilão judicial, todos os ônus reais que anteriormente recaiam sobre o imóvel são cancelados.

 

Pago o preço ofertado ou obtido valor pelo qual o imóvel foi arrematado, é determinado o cancelamento de todas as hipotecas mesmo que a importância não seja suficiente para quitar as dívidas garantidas por hipotecas. Os credores que ainda tiverem valores a receber passarão a condição de quirografários.

 

De outro modo e caso o adquirente não tenha optado por remir a(s) hipoteca(s) em até trinta dias do registro do título aquisitivo, no caso de vir a ocorrer execução da hipoteca e não tendo o adquirente se obrigado pessoalmente pela satisfação da dívida, é possível exonerar-se da hipoteca mediante o “abandono do imóvel” (art. 1.479 e 1.480, Código Civil). Deverá o adquirente notificar o vendedor e os credores hipotecários, deferindo-lhes, conjuntamente, a posse do imóvel e, em caso de recusa, depositar o imóvel, em juízo. O credor hipotecário deve receber fração correspondente ao valor que lhe caberia em caso de excussão da hipoteca.

 

Tal prerrogativa, pode ser exercida antes ou depois de iniciado o processo executivo, porém, se após iniciado o processo executivo, o adquirente deverá exercer essa faculdade no prazo decadencial de 24 horas após ter recebido a citação (art. 1.480, § único, CC).

 

Uma outra questão de relevância é da aquisição de imóvel hipotecado pela incorporadora, para financiar o empreendimento. O entendimento jurisprudencial foi consolidado através da Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça, que tem a seguinte dicção: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.

 

O entendimento jurisprudencial, faz alusão a dois períodos diversos: antes ou depois da celebração do compromisso de compra e venda.

 

Em relação a hipótese da ineficácia da hipoteca, celebrada posteriormente a celebração do compromisso de compra e venda, maiores dificuldades não existem em compreender a razão do enunciado, já que a despeito da promessa de compra e venda não ter sido levada a registro[4], em consonância do princípio da preferência temporal, prevalece o direito pessoal do promitente comprador, tão logo tenha quitado o preço.

 

Já a segunda hipótese, da celebração do compromisso de compra e venda após a constituição da hipoteca o entendimento foi inovador, pois importou na relativização de característica importantíssima dos direitos reais: a sequela e preferência temporal.

 

A súmula 308, neste ponto reflete a jurisprudência formada no emblemático caso da ENCOL[5], pelo qual se deu ênfase a boa-fé objetiva, tendo sido relevante para formar a jurisprudência o argumento de que a incidência da hipoteca na unidade imobiliária, colocava o consumidor adquirente em posição de desvantagem exagerada, pois além de responder pela sua dívida, via-se obrigado a pagar a dívida da incorporadora, de modo a não perder seu imóvel em caso de excussão da hipoteca; o que importaria em transferência abusiva dos riscos do empreendimento ao consumidor, parte vulnerável, que adere ao contrato elaborado pela incorporadora[6].

 

É necessário destacar que é comum nos compromissos de compra e venda para aquisição de unidades em construção (“na planta”) a existência de cláusula mandato, pela qual o adquirente autoriza a constituição em seu nome de hipoteca sobre sua unidade, para financiar a obra. A existência de tal previsão contratual não afastará a incidência do entendimento sedimentado na súmula 308 do STJ, já que referida cláusula, é considerada nula por violação a regra contida no art. 51, VIII, do Código de defesa do Consumidor.

 

A regra contida no art. 51, VIII do Código Consumerista busca afastar situação de evidente conflito de interesses e preceitua que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor.

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da nulidade:

 

“Compra e venda de bem imóvel assinada e paga antes do contrato de financiamento entre a construtora e o banco, mediante garantia hipotecária. Ausência de consentimento dos promitentes compradores. Cláusula que institui mandato para esse fim considerada abusiva, a teor do art. 51, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. 1. Considerando o Acórdão recorrido que o bem foi comprado e integralmente pago antes do contrato de financiamento com garantia hipotecária, que os adquirentes não autorizaram a constituição de tal gravame, que sequer o mandato foi exercido e, ainda, que é abusiva a cláusula que institui o mandato, a teor do art. 51, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não existe afronta a nenhum dispositivo sobre a higidez da hipoteca, presente a peculiaridade do cenário descrito. 2. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 296.453/RS, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 5/6/2001, DJ de 3/9/2001, p. 222.)”.

 

Uma outra questão de grande relevância é referente ao prazo máximo de vigência da hipoteca, que pode ser de até 30 (trinta) anos da data do contrato (art. 1.485, CC). Neste sentido, as partes podem convencionar livremente o prazo da hipoteca, desde que não ultrapasse esse limite. Por outro lado, nada impede que fixado inicialmente por prazo menor, seja a hipoteca prorrogada por prazo adicional, desde que não se ultrapasse os trinta anos.

 

Referido prazo como bem esclarece Francisco Eduardo Loureiro[7], é decadencial, de modo que não se aplicam as causas impeditivas, interruptivas ou suspensivas aplicadas a prescrição. Disso decorre a possibilidade de a perempção da hipoteca ocorrer antes da prescrição da dívida garantida, que se converterá em quirografária.

 

Ou seja, mesmo existindo a dívida é possível cancelar a hipoteca que onera o imóvel, caso transcorrido o prazo decadencial de 30 anos.

 

A corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, teve a oportunidade de analisar casos em que a proprietária de imóveis dados em garantia hipotecária, requereu perante o oficial de registro de imóveis o cancelamento de hipoteca, com base no transcurso do prazo convencional, mesmo não tendo a dívida sido paga.

 

A despeito da possibilidade de a garantia hipotecária ser cancelada por perempção, mesmo que a dívida garantida não tenha sido paga ou tenha prescrito, o entendimento que tem prevalecido é que: “Movida a ação de execução hipotecária e promovida a citação do devedor antes do decurso do prazo de perempção, não há como reconhecer, na esfera administrativa, que ocorreu o perecimento do direito do credor hipotecário (TJSP, Corregedor Geral da Justiça José Mário Antonio Cardinale, CG n.º 931/2004, e TJSP Corregedor Geral da Justiça Ricardo Anafe, CG n.º 463/2021).

 

Feita essas breves considerações em relação ao regime hipotecário, verifica-se que não é porque o imóvel está hipotecado que não possa ser adquirido, sendo necessário, porém assessoria legal para evitar maus negócios.

 

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

 

 

As Fraudes Cometidas via Mensagens de Texto (SMS), Maquininhas e a Responsabilidade das Instituições Financeiras.

 

As fraudes cometidas por estelionatários estão cada vez mais recorrentes, sendo impressionante o grau de requintes e avanço das tecnologias utilizadas pelos fraudadores. Nos últimos tempos, são recorrentes as cometidas por meio de uso de maquininhas de cartão adulteradas, como também através de mensagens de texto (SMS) enviadas por short codes[8] que, via de regra, gozam de credibilidade dos cidadãos, e que vêm sendo usados maliciosamente por criminosos, com encaminhamento para links com vírus ou até mesmo para telefones “0800” falsos, em que são atendidos por golpistas.

 

Com relação à maquininha, o golpe tem um padrão: o criminoso adultera a máquina, seja quebrando o visor, seja fazendo com que ele mostre um valor diferente daquele que está sendo efetivamente pago. Há também casos em que apagam os números “0” que ficam à direita, para que o cidadão acredite que está pagando um valor a menor.

 

Além destes golpes, há ainda aqueles em que o consumidor recebe um SMS advindo de um short code (que pode ser um número ou o nome da empresa/organização), que geralmente parece ser um “SMS Oficial” e, portanto, confiável.

 

Para ilustrar um short code, seguem abaixo exemplo de um confiável (notem que é apenas uma informação, sem nenhuma solicitação):

 

  • 29XXX – SEGURADORA informa: sua fatura com vencimento em xx/xxx foi devidamente quitada.

 

  • OAB-SP – O valor de sua anuidade é de R$ xxxx. Fique atento à data de vencimento.

 

Ocorre que, criminosos estão abrindo empresas de fachada e cadastrando, de forma indevida, um short code, pelo qual enviam mensagens em massa, sugerindo que entrem em contato através de um número de telefone 0800. É de se reconhecer que o golpe tem requintes e aparência de um “SMS Oficial” e, portanto, ilude várias vítimas.

 

Para ilustrar, segue abaixo exemplo real de uma mensagem fraudada:

 

Notem que a mensagem é enviada de um short code “27398”, dando aparência de um SMS oficial, e remete o cidadão a ligar para um número “0800” que também tem aparência de um número oficial. A vítima, assustada, pois jamais realizou a compra que teria sido “autorizada”, para cancelar a operação, telefona para o número 0800. Daí em diante um criminoso atende o telefone se passando por funcionário do banco e dá continuidade à fraude que, via de regra, envolve transferências e empréstimos mediante a utilização de senhas.

 

O ponto é que em casos de operações legítimas, o SMS que é enviado pelo banco não pede para o cliente entrar em contato para cancelamento, e tampouco informa um número de telefone para tanto. Ele simplesmente dá conta de que a operação foi aprovada. E ponto.

 

Nos casos de fraude mencionados acima, em que o consumidor opta por levar à questão ao judiciário, os tribunais divergem entre (i) reconhecer a responsabilidade da instituição financeira/operadora de cartão (como base a teoria do risco, ou seja, de que a instituição financeira assume o risco do negócio e, por isso, cabe a ele tomar medidas para impedir fraudes, sobretudo diante de movimentação atípica, sob pena de responder pelos danos causados aos consumidores), e (ii) afastar a responsabilidade da instituição financeira com base no entendimento de que não ocorreu movimentação atípica e de que haveria negligência do consumidor (que deveria guardar a senha pessoal, e estar atento à “golpes” e não imputar sua senha sem as cautelas ordinárias).

 

Seguem abaixo exemplos de julgados, em cada um dos sentidos elencados acima:

 

  • Reconhecendo a responsabilidade da Instituição Financeira:

 

“AÇÃO INDENIZATÓRIA. Declaração de inexistência de débito, cumulada com pedido de repetição. Sentença de procedência. Apelo da ré. Autora que atendeu motoboy em sua residência, acreditando tratar-se de entrega de presente de aniversário de seu marido. Cobrança da taxa de entrega, com duas tentativas de pagamento com o uso de maquininha de cartão de crédito. Ulterior constatação de que foram realizadas duas compras desconhecidas pela autora, cujos valores discrepam de seu perfil. Máquina de cartão evidentemente adulterada. Responsabilidade objetiva. Ré que deixou de atuar de forma concreta ao receber a contestação do consumidor. Inequívoco indício de fraude. Declaração de inexigibilidade que se impõe. Restituição do valor cobrado à autora. Apelo desprovido.” (TJSP – Apelação nº 1094366-39.2022.8.26.0100 – J. 28/06/2023 – Des. Rel. RAMON MATEO JÚNIOR).”

 

“RECURSO – O recurso da parte ré não pode ser conhecido quanto às alegações e pedidos de afastar a condenação por danos materiais, por falta de interesse recursal (CPC/2015, art. 996). ATO ILÍCITO E DÉBITO Reconhecimento da existência de falha na prestação do serviço pelo banco réu, consistente no descumprimento do dever de resguardar a segurança da conta corrente e do cartão de crédito da parte autora contra a ação de fraudadores, falha de serviço esta que permitiu o acesso destes a informações da parte cliente protegidas pelo sigilo bancário, e, posteriormente, ao cartão da parte cliente, com realização de compras a crédito, no cartão, em curto período de tempo e em valores fora do perfil da autora, relativamente às operações bancárias identificadas na inicial – (…) não configurada nenhuma excludente de responsabilidade, de rigor, a manutenção da r. sentença, na parte em que julgou a ação procedente, em parte, “para o fim de: a) declarar inexigível o débito de R$5.650,68, conforme especificado na fundamentação; e b) determinar que o réu se abstenha de negativar o nome da autora, confirmando a antecipação dos efeitos da tutela, outrora, concedida”. Recurso conhecido, em parte, e desprovido”. (TJSP – Apelação nº 1066964-44.2021.8.26.0576 – J. 19/06/2023 – Des. Rel. REBELLO PINHO).”

 

  • Afastando a responsabilidade da Instituição Financeira:

“Apelação Ação de inexigibilidade de débito c/c repetição de indébito e indenização por danos materiais e morais Cartão de débito Golpe do delivery Sentença de improcedência na origem Recurso da autora. Pagamento com cartão de débito – Alegação de operação fraudulenta mediante uso de maquininha de cartão adulterada Operação efetuada mediante uso de cartão com chip e senha pessoal. Transação que não desborda do perfil econômico da correntista, dentro dos limites de operação diário Apelante que não tomou as precauções necessárias a fim de verificar a veracidade da operação, notadamente não tendo realizado qualquer pedido em plataformas de entrega. Situação que não evidencia negligência da instituição financeira ou ocorrência de fortuito interno (Sumula 479 do STJ) – Culpa exclusiva da vítima e de terceiro configurada Aplicação do art. 14, §3º, inciso II do Cód. Defesa do Consumidor Sentença mantida. Honorários advocatícios fixados sobre o valor da causa. Apelação parcialmente provida.” (TJSP – Apelação nº 1002406-95.2022.8.26.0554 – J. 23/05/2023 – Des. Rel. AFONSO CELSO DA SILVA).

 

“Apelação. Golpe da maquininha. Ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com indenização por dano material e moral. Sentença de improcedência. Recurso da parte autora. 1. Inépcia recursal, por ofensa ao princípio da dialeticidade, afastada. Razões de apelação que, embora indiretamente, atacam os fundamentos da r. sentença. 2. Golpe da maquininha ou Golpe do taxi. Fraude na cobrança do valor de corrida de táxi. Alegação de pagamento de valor a maior em máquina de cartão. Conjunto probatório demonstra desídia do autor. Prestação de serviço bancário defeituoso ou fortuito interno não caracterizados. Responsabilidade objetiva da instituição financeira afastada. Ausência de prova de que a operação questionada está fora do perfil de consumo do autor. Impossibilidade de ressarcimento. Dano moral não configurado. 3. Sentença mantida, com majoração de honorários advocatícios nesta fase recursal. Recurso desprovido”. (TJSP – Apelação nº 1123384-42.2021.8.26.0100 – J. 15/12/2022 – Des. Rel. ELÓI ESTEVÃO TROLY).

 

Na nossa opinião, após a análise dos diferentes julgados, o entendimento é que a questão se resolve de acordo com a prova da atipicidade da movimentação que for produzida (v.g. extratos demonstrando que aquele tipo de operação foge completamente dos valores usualmente praticados), bem como, e não menos importante, demonstrando que não houve negligência por parte do consumidor.

 

Isto posto, a agilidade nas providências a serem tomadas logo após ser vítima de um golpe como estes é fundamental para reverter o dano, ou, pelo menos, tentar mitigar os prejuízos.

 

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

 

[1] VALVERDE, Miranda. Das Sociedades. São Paulo: Atlas,2001, p. 278-279. In

[2] “O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço desse período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego.”

[3] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2001.

[4] E de se destacar, que em nosso país, cerca de 50% dos imóveis no País são irregulares, de acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Disponível em: https://anoregam.org.br/2022/06/10/migalhas-crescimento-de-imoveis-irregulares-no-brasil/. Acesso 02. Julho. 2023

Por outro lado, isso acontece pelos mais diversos motivos, independentemente de classe social. Apenas para ter uma noção, o MDR declarou que, dos 60 milhões de domicílios no País, 30 milhões não têm escritura. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/07/28/interna-brasil,774183/imoveis-irregulares-no-brasil.shtml  Acesso 02. Julho. 2023

[5] A Encol foi uma das mais relevantes incorporadoras brasileiras e entrou em colapso no final dos anos 1990 e teve sua falência decretada em 1999, tendo deixado diversos empreendimentos inacabados, como também diversas unidades vendidas na planta, dadas em hipoteca ao sistema financeiro.

[6] STJ: REsp 187.940-SP, 4ª T, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 21.06.1999 e REsp 287.774-DF, 4ª T, Rel. Min, Sálvio De Figueiredo Teixeira, DJ 02.04.2001.

[7] LOUREIRO, Francisco Eduardo; PELUSO, Cezar. Código civil comentado. Coordenador Ministro Cezar Peluso. Barueri: Manole, 14. Ed., p. 1.566, 2020.

[8] Traduzido do inglês-Códigos curtos, ou números curtos, são sequências de dígitos curtos, significativamente mais curtos do que números de telefone, que são usados para endereçar mensagens no Sistema de Mensagens Multimídia (MMS) e sistemas de serviço de mensagens curtas (SMS) de operadoras de redes móveis.

 

 

 

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