BOLETIM INFORMATIVO – JUNHO DE 2021

Boletim RES, Advogados

Junho de 2021

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: trabalhista, imobiliário, cível e empresarial.

 

No campo do direito trabalhista, abordamos as situações em que o empregador deverá emitir o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) ao empregado contaminado por coronavírus.

 

Na área cível, o artigo trata da fraude à execução, apontando as principais diferenças entre a anulação e a ineficácia do ato fraudulento.

 

No campo do direito imobiliário, o artigo aborda a recente decisão do STJ sobre locação de imóveis através de aplicativos (Airbnb).

 

Por fim, na área de direito empresarial, tratamos do recente projeto de lei aprovado na Câmara do Deputados que institui o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador.

 

Lembramos que em nosso site você pode sempre encontrar notícias atualizadas. Uma boa leitura.

 

 

Índice:

 

 

Direito Trabalhista:

 

Emissão de CAT para empregado contaminado por Covid-19.

Fls…………………..……………………………………………………………………………………….3-4

– Eduardo Galvão Prado

 

 

Direito Cível:

 

Fraude à execução: entre a anulação e ineficácia do ato fraudulento.

Fls………………………………………………………………………………………………………….5-9

– Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Direito Imobiliário:

 

Análise da decisão do STJ sobre locação de imóveis através de aplicativos (Airbnb)

Fls………………………………………………………………………………………………………….10-19

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

Direito Empresarial:

 

PLC 146/2019 – Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador

Fls………………………………………………………………………………………………………….20-25

– Flávia de Faria Horta Pluchino

 

 

 

Emissão de CAT para Empregado Contaminado por Covid-19.

 

É comum a existência de dúvidas sobre a necessidade de emitir o CAT em casos de empregados contaminados pelo coronavírus.

 

Para esclarecer esta questão, é importante lembrar o conceito do CAT e as situações em que deve ser emitido.

 

O CAT é o comunicado para a Previdência Social, da ocorrência de acidente do trabalho ou de doença equiparada a acidente do trabalho e deve ser emitido pelo empregador, quando o acidente ou a doença, ocorrer em virtude das atividades laborais do empregado.

 

Já está pacificado que a Covid-19 pode ser considerada doença ocupacional, quando houver nexo de causalidade entre a contaminação e as atividades laborais.

 

Nas atividades com alto risco de contaminação, como atividades médicas por exemplo, há uma presunção que a contaminação por Covid-19 decorre das atividades laborais, mas essa presunção admite prova em contrário. Neste caso, o empregador deve emitir o CAT, exceto se houver prova que a contaminação ocorreu fora das atividades laborais.

 

Fora as atividades com alto risco de contaminação, o nexo de causalidade deve ser comprovado e neste caso, o empregador só deve emitir o CAT, se houver evidências que a contaminação por Covid-19 ocorreu em decorrência das atividades laborais, como por exemplo, o contato com outro empregado contaminado.

 

Porém, há decisões judiciais minoritárias no sentido de que, pelo fato de o empregador não ter tomado ou não ter comprovado que tomou as providências de prevenção, se presume que a contaminação ocorreu em virtude das atividades laborais e, consequentemente, a contaminação de Covid-19 é considerada doença laboral, com a necessidade da emissão do CAT pelo empregador e sua responsabilização pela doença.

 

Desta forma, para reduzir o risco de ser responsabilizado por eventual contaminação de empregado, é aconselhável que o empregador tome todas as providências possíveis para evitar contaminação no ambiente laboral e, principalmente, registre de todas as formas possíveis as providências tomadas, de forma a afastar entendimentos de presunção de responsabilidade do empregador no caso de contaminação do empregado pelo Covid-19.

 

Eduardo Galvão Prado

 

 

Fraude à Execução: Entre a Anulação e a Ineficácia do Ato Fraudulento.

 

Nas operações imobiliárias, tema recorrente é o exame pelo interessado em adquirir o imóvel, se a aquisição pode ser considerada fraudulenta, ou mesmo se a operação pela qual o atual proprietário adquiriu o bem foi assim considerada.

 

A fraude à execução caracteriza-se quando a alienação de bens é feita já na pendência de um processo cujo desfecho possa conduzir à imposição de medidas sobre o bem alienado[1]. Com essas condutas, o obrigado deseja prejudicar o titular do direito a ser satisfeito, alienando seus bens de modo que, ao final do processo e vencido, já não tenha patrimônio para responder pela dívida ou obrigação.

 

Neste tipo de situação é comum a confusão entre dois conceitos diferentes: nulidade e ineficácia.

 

A nulidade é a consequência de um defeito intrínseco do ato, que o tira a capacidade de produzir os efeitos programados. Em princípio a validade do ato depende do tríplice requisito: agente capaz, objeto lícito e juridicamente possível, e forma obediente à lei (ex. a compra e venda feita por pessoa incapaz é nula).

 

Por outro lado, o negócio pode ser válido, porém não produzir efeitos em face de terceiros (ineficácia). A ineficácia é o fenômeno jurídico pelo qual o ato não produz efeito em relação a algum, ou alguns sujeitos de direito, permanecendo hígido e válido em relação aos demais.

 

Neste sentido, a ineficácia é a técnica utilizada para que a venda fraudulenta não impacte na diminuição do credor em receber seu crédito, após ter se sagrado vencedor em um processo.

 

Assim, o negócio fraudulento produz efeitos em relação ao devedor e ao alienante, porém é ineficaz perante o credor. As fraudes do devedor devem ser encaradas, exclusivamente, pelo prisma do empenho em preservar o bem para a execução, pouco importando ao credor que ele haja passado de um dono a outro, desde que continue à disposição para satisfazer o crédito[2].

 

Por isso, o ato judicial que reconhece a fraude não retira do negócio fraudulento a eficácia programada de transferir a propriedade em favor de terceiro, mesmo que se trate de disposição do bem já constrito. Por outro lado, a anulação do negócio jurídico, seria um prêmio ao devedor alienante e um ônus desproporcional ao terceiro adquirente, que ficaria inteiramente privado do bem.

 

Podemos imaginar a hipótese que após uma operação realizada em fraude à execução ter sido declarada como “nula”, o devedor venha a ter sucesso nos embargos à execução, sendo extinta a execução que gerou a decisão de fraude em razão de prescrição. Neste caso, o bem teria desnecessariamente retornado ao patrimônio do vendedor, em evidente prejuízo ao comprador, que se veria despossuído de bem.

 

Outra hipótese seria de, após satisfeito o crédito com o leilão do bem penhorado, ainda restar saldo (o valor pago para arrematar o imóvel é superior ao do débito que o levou a ser leiloado), sendo que, se anulada a compra e venda fraudulenta, recolocando-se o devedor na posição de dono do bem, a ele seria restituído saldo e não ao adquirente[3]!

 

Outra questão, que é objeto de grandes dúvidas, é a possibilidade do registro de transferência de bem imóvel, após ter sido reconhecida como fraudulenta a operação pela qual o atual proprietário tenha adquirido o imóvel (inclusive com averbação, na matrícula do imóvel, de ineficácia de tal operação).

 

Retomando as premissas deste artigo, a ineficácia não se confunde com a nulidade do ato. Neste sentido, a existência de averbação de ineficácia não impede a alienação do imóvel, nem seu registro.

 

Tal tema já foi objeto de análise pela E. Corregedoria Geral de Justiça do TJSP (autos n.° 1070704-51.2019.8.26.0100, Relatora Dra. Tânia Mara Ahualli), que assim decidiu:

 

[…] “Há ineficácia quando os efeitos do negócio jurídico não se produzem em relação a algum, ou alguns sujeitos de direito, mas se irradiam relativamente a outro, ou outros. […]

Daí ser possível concluir que a declaração de ineficácia, com relação a um sujeito de direito, não acarreta nulidade do negócio, o que resultaria no cancelamento do registro. Neste contexto, a transferência da propriedade permanece existente e válida […].

Ressalto que o reconhecimento da fraude à execução não contamina o registro, já que não lhe tira a validade”.

Em resumo e de acordo com robustos e sólidos entendimentos da doutrina e jurisprudência da E. Corregedoria Geral de Justiça do TJSP, não é necessário o prévio cancelamento de averbação de ineficácia para que o atual proprietário possa vender o imóvel, não obstante o adquirente terá ciência da existência de tal “constrição” sobre o imóvel, que poderá responder ao crédito devido a quem a declaração de ineficácia aproveite.

 

Tais conceitos apesar de vagos, têm grande relevância prática nos negócios imobiliários, não somente em razão da preservação dos interesses dos terceiros adquirentes, como também, em razão de permitir compra de imóvel, em que a operação atual ou anterior possa ser considerada como fraudulenta. Caberá, nesses casos, ao interessado bem assessorado, analisar os riscos e oportunidades de sua eventual aquisição, à luz do valor do débito que gerou ou poderá gerar o reconhecimento da fraude em comparação com o valor do próprio imóvel.

 

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Análise da Decisão do STJ sobre Locação de Imóveis Através de Aplicativos (Airbnb).

 

Conforme abordamos em artigos anteriores, em razão da alta rotatividade e curtos períodos de locação via AIRBNB, surgiram conflitos entre condomínios e proprietários de imóveis que locavam suas unidades através do aplicativo.

 

A questão foi então debatida pelo STJ, em um caso específico e sem efeito vinculante (REsp 1819075/RS), mas que acreditamos, possa influenciar os julgamentos pelos demais Tribunais do país. O caso específico tratou de três questões centrais: (a) se a locação ou sublocação de imóveis pelo período de até 90 dias, a chamada locação temporária prevista em lei, retira a característica residencial do imóvel; (b) se há limite para o direito de propriedade ou se o proprietário pode dar a destinação que quiser ao seu imóvel; (c) se há diferença entre a hospedagem comercial e a locação temporária de imóvel residencial para fins de hospedagem.

 

O Superior Tribunal de Justiça, por três votos a um, decidiu que o condomínio residencial pode proibir que suas unidades sejam disponibilizadas para locação através do Airbnb, conforme ementa abaixo transcrita:

 

“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO RESIDENCIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. LOCAÇÃO FRACIONADA DE IMÓVEL PARA PESSOAS SEM VÍNCULO ENTRE SI, POR CURTOS PERÍODOS. CONTRATAÇÕES CONCOMITANTES, INDEPENDENTES E INFORMAIS, POR PRAZOS VARIADOS. OFERTA POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS ESPECIALIZADAS DIVERSAS. HOSPEDAGEM ATÍPICA. USO NÃO RESIDENCIAL DA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE, COM POTENCIAL AMEAÇA À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À SAÚDE DOS CONDÔMINOS. CONTRARIEDADE À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTINAÇÃO RESIDENCIAL. RECURSO IMPROVIDO.

  1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem.
  2. Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo.
  3. Trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados, sendo a atividade comumente anunciada por meio de plataformas digitais variadas. As ofertas são feitas por proprietários ou possuidores de imóveis de padrão residencial, dotados de espaços ociosos, aptos ou adaptados para acomodar, com certa privacidade e limitado conforto, o interessado, atendendo, geralmente, à demanda de pessoas menos exigentes, como jovens estudantes ou viajantes, estes por motivação turística ou laboral, atraídos pelos baixos preços cobrados.
  4. Embora aparentemente lícita, essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra, ainda, clara definição doutrinária, nem tem legislação reguladora no Brasil, e, registre-se, não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada (art. 48 da Lei de Locações).
  5. Diferentemente do caso sob exame, a locação por temporada não prevê aluguel informal e fracionado de quartos existentes num imóvel para hospedagem de distintas pessoas estranhas entre si, mas sim a locação plena e formalizada de imóvel adequado a servir de residência temporária para determinado locatário e, por óbvio, seus familiares ou amigos, por prazo não superior a noventa dias.
  6. Tampouco a nova modalidade de hospedagem se enquadra dentre os usuais tipos de hospedagem ofertados, de modo formal e profissionalizado, por hotéis, pousadas, hospedarias, motéis e outros estabelecimentos da rede tradicional provisória de alojamento, conforto e variados serviços à clientela, regida pela Lei 11.771/2008.
  7. O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício.
  8. O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV).
  9. Não obstante, ressalva-se a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (de dois terços das frações ideais), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio.
  10. Recurso especial desprovido.

 

De início, importante destacar que, o caso em julgamento foi muito peculiar: os proprietários de duas unidades no condomínio realizaram uma “locação fracionada do imóvel para pessoas sem vínculo entre si, por curtos períodos”. As salas dos apartamentos foram divididas por divisórias de escritório, para criar mais quartos, que eram alugados para pessoas diferentes e sem qualquer vínculo entre si.

 

Para o Tribunal Gaúcho, no julgamento do recurso de apelação, esta situação caracterizou contrato de hospedagem, atividade comercial proibida pela convenção de condomínio.

 

O STJ, ao julgar o recurso especial dos proprietários, manteve o entendimento da instância ordinária. Segundo o voto vencedor, a solução da lide passa pela análise dos conceitos de residência e domicílio, que nos termos da Lei Civil, estão ligados às concepções de permanência habitual e de definitividade anímica.

 

Segundo a Corte Superior, portanto, “os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem. ”

 

Para o STJ, a admissão de terceiros, estranhos entre si, em cômodos existentes nos apartamentos e por curtos períodos, com considerável rotatividade de ocupantes, não se confunde com as espécies tradicionais de locação, nem mesmo com o denominado aluguel por temporada e nem com as usuais modalidades de hospedagem, de modo profissional, realizadas por hotéis, hospedarias, etc.

 

Trata-se, segundo o voto vencedor, de verdadeiro contrato atípico de hospedagem, que ainda não possui regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro. Neste ponto, concluiu a Corte Superior que a hipótese dos autos se subsome aos arts. 1.332 a 1.336, do CC, que, “por um lado, reconhecem ao proprietário o direito de usar, fruir e dispor livremente de sua unidade e, de outro, impõem o dever de observar sua destinação e usá-la de maneira não abusiva, com respeito à Convenção Condominial…”, ao que a Lei Civil concedeu autonomia e força normativa.

 

Assim, uma vez que a Convenção de Condomínio possui regra que impõe destinação residencial às unidades autônomas, procede sua pretensão de vedar o uso destas unidades para fins de hospedagem remunerada, com múltipla e concomitante locação de aposentos existentes nos apartamentos, a diferentes pessoas, por curta temporada.

 

Ao final, o STJ faz importante ressalva – e que entendemos ser relevante destacar a nossos clientes e parceiros – no sentido de que caberia aos condomínios, através de assembleia (com votação de dois terços das frações ideais), deliberar se permite ou não a utilização das unidades para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais.

 

Referido julgamento ainda não foi encerrado, pois em 03/06/2021, o AIRBNB, na qualidade de assistente, opôs embargos de declaração para sanar contradições e erros de fato que entendeu haver no acórdão, principalmente quanto ao reconhecimento da possibilidade dos condôminos, reunidos em assembleia geral, autorizarem ou vetarem a locação nos moldes discutidos, uma vez que esta questão não teria sido suscitada no recurso.

 

Diante dos embargos de declaração, nossa equipe seguirá monitorando este processo a fim de que atualizar os clientes e parceiros assim que for proferida nova decisão.

 

Feita esta análise, é importante mencionar que, em recente matéria jornalística, publicada em 30/02/2021[4], o CEO e cofundador do Airbnb – Brian Chesky -, afirmou que o futuro do Airbnb inclui ‘morar’, e não apenas viajar, destacando que a pandemia de Covid-19 precipitou “a mudança mais profunda nas viagens desde o avião”.

 

Portanto, em um momento em que o mundo todo tenta se recuperar de uma severa crise econômica causada pela Covid-19 e, considerando o enorme impacto econômico que este tipo de negócio tem, com sua capacidade – demonstrada – de gerar renda aos cidadãos, bem como a necessidade de conferir segurança jurídica aos proprietários das unidades, ao condomínio edilício e aos próprios usuários dessa modalidade, é fácil concluir que a regulamentação da matéria é essencial.

 

Neste sentido, se encontra em trâmite na Câmara dos Deputados o projeto de lei n. 2.474/2019, de autoria do Senador Angelo Coronel, que propõe a alteração da Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991, “para disciplinar a locação de imóveis residenciais por temporada por meio de plataformas de intermediação ou no âmbito da economia compartilhada“, com a inserção do art. 50-A ao referido estatuto legal.

 

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

PLC 146/2019 – Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador.

 

Recentemente, em 11 de maio, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do Projeto de Lei Complementar nº 146/2019, conhecido como Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador, com a aprovação de sete, das dez emendas do Senado Federal. O projeto, agora, segue para sanção presidencial.

 

Referido projeto de lei tem como objetivo favorecer o ambiente de negócios inovadores e trazer maior segurança jurídica para empreendedores e investidores, mediante a desburocratização do setor das startups e da denominada nova economia.

 

A nova economia diz respeito às transformações pelas quais o mercado e as empresas estão passando, em um contexto de mudanças cada vez mais velozes, relacionadas à chamada 4ª revolução industrial.

 

Segundo Saty Nadella, CEO da Microsoft, ao escrever o prólogo do livro Aplicando a Quarta Revolução Industrial, de KLAUS SCHWAB (2019), “Os dados, o enorme armazenamento computacional e o poder cognitivo transformarão a indústria e a sociedade em todos os níveis, criando oportunidades antes inimagináveis, desde a saúde e a educação, até a agricultura, a indústria e os serviços.[5]

 

As diferentes tecnologias emergentes (robótica avançada, inteligência artificial, análise preditiva) transformarão, ao longo do tempo, a forma como nos comunicamos, colaboramos e desfrutamos do mundo que nos rodeia[6] e para acompanhar esta mudança na forma de se pensar a sociedade e seus modelos econômicos, é indispensável criar um ambiente que impulsione formatos inovadores de empreendedorismo e negócios disruptivos. E isto somente pode ser alcançado em um ambiente que traga segurança jurídica aos empreendedores e seus investidores.

 

O principal player da nova economia são as startups, “(…) empresa que nasce a partir de um modelo de negócio ágil e enxuto, capaz de gerar valor para seu cliente resolvendo um problema real do mundo real. Oferece uma solução escalável para o mercado e, para isso, usa tecnologia como ferramenta. ” [7]

 

A startup não é um tipo societário. Ao contrário, ela é modelo de negócios que pode adotar qualquer um dos tipos societários próprios das sociedades personificadas: sociedade simples, sociedade de responsabilidade limitada e até a sociedade anônima. A startup pode, também, se constituir como empresário individual ou cooperativa.

 

A característica mais forte de uma startup é inovar. Ocorre que empresas que desenvolvem modelos de negócios inovadores, são normalmente jovens e precisam captar recursos financeiros para experimentarem suas inovações no mercado. Ao mesmo tempo, atuam em um cenário de extrema incerteza e, consequentemente, de alto risco, o que dificulta a captação de investidores nos modelos tradicionais de negócios.

 

Surge, então, a figura do investidor-anjo, emprestada dos empresários que na década de 20 bancavam os altos custos das produções teatrais da Broadway e participavam de seu retorno financeiro, sem assumirem nenhuma responsabilidade perante fornecedores, artistas, teatro, etc.

 

No ramo do empreendedorismo, o investidor-anjo é pessoa física experiente, que investe o próprio patrimônio (cerca de 5% a 10%), seus conhecimentos e sua rede de contatos em empresas nascentes com alto potencial de crescimento, para alavancar o negócio, em troca do direito a um percentual deste, a ser combinado em contrato de participação.

 

Esta figura foi prevista no direito brasileiro pela Lei Complementar 155/2016, que introduziu o art. 61-A na Lei Complementar 123/2006. A parti daí, houve a primeira contribuição para construção de um modelo legal voltado ao fomento de negócios inovadores. Entretanto, para o efetivo aprimoramento do ambiente desses novos negócios no país, era necessário instituir um processo de regulação adequado.

 

O Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador, portanto, assume relevante papel de incentivar e favorecer o ambiente desses negócios no país, ao estabelecer normas que garantam ética, transparência e, como consequência, segurança jurídica, sem interromper o desenvolvimento ou dificultar a inserção de criações inovadoras.

 

Os pontos mais relevantes para dar efetividade à esta nova forma da sociedade se relacionar e criar valor podem ser enumerados da seguinte forma:

  1. a) definição de investidor-anjo, prevista no art. 2º, inc. I, como o investidor que não é considerado sócio, não tem qualquer direito à gerência ou a voto na administração da sociedade, não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes;
  2. b) criação de um ambiente regulatório experimental, denominado sandbox, voltado à exploração de modelos de negócios inovadores e ao teste de técnicas tecnológicas experimentais, onde as entidades reguladoras ficam autorizadas as suspender temporariamente para as startups determinadas regras exigidas para empresas que atuam no setor (art. 2º, inc. II);
  3. c) a definição de startups e dos critérios para o enquadramento na modalidade de tratamento especial destinado a este modelo de negócios (art. 4º, §1º);
  4. d) a possibilidade das startups admitirem o aporte de capital de pessoa física ou jurídica, mediante contratos conversíveis em participação societária, sem que o investidor se torne sócio da sociedade, exceto após a conversão do instrumento de aporte em efetiva participação societária (art. 5º, §§1º e 2º);
  5. e) prerrogativa do investidor pessoa física de redução tributária, nos termos do art. 7º;
  6. f) o afastamento da responsabilidade do investidor por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial e em desconsideração da personalidade jurídica nas esferas civil, trabalhista, consumerista e fiscal (art. 8º, inc. II).

 

Para serem enquadradas na modalidade de tratamento especial instituída pelo Marco Legal, as empresas deverão obedecer aos seguintes requisitos: i) ter receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou até R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil, trezentos e trinta e quatro reais) por mês no ano-calendário anterior, quanto a empresa esteja em funcionamento há menos de 12 meses; ii) ter no máximo 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ; e iii) declaração em seu ato constitutivo ou alterador de utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços ou estar enquadrada no regime especial Inova Simples, tendo se autodeclarado como startup.

 

A nova revolução tecnológica está reformulando a economia global e as sociedades como um todo e para acompanhar estes novos paradigmas, tornou-se essencial aos países se capacitarem para conseguirem gerenciar os riscos e as complexidades desse novo modelo.

 

Neste aspecto, entendemos que o PLC 146/2019, representa um importante marco inicial na estruturação de um ambiente de negócios no país, favorável aos investimentos em inovação.

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

Todos os direitos reservados – Rodrigo Elian Sanchez Sociedade de Advogados S/S.

 

[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Malheiros Editores, 2019, p. 404.

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Malheiros Editores, 2019, p. 408.

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Malheiros Editores, 2019, p. 409.

[4] https://www.moneytimes.com.br/ceo-diz-que-futuro-do-airbnb-inclui-morar-nao-apenas-viajar/

[5] SCHWAB, Klaus. Aplicando a Quarta Revolução Industrial. [livro eletrônico]. Klaus Schwab, Nicholas Davis; prefácios de Satya Nadella, João Dória; tradução Daniel Moreira Miranda – São Paulo: Edipro, 2019.

[6] Ob. citada. P.

[7] https://abstartups.com.br/definicao-startups/.