Boletim Informativo – Julho 2024
Boletim RES, Advogados
Julho de 2024
Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: societário, trabalhista, civil e das sucessões.
No campo do direito societário, abordamos a responsabilidade do adquirente de estabelecimento empresarial por débitos anteriores à transferência, não contabilizados.
No espaço reservado para o direito trabalhista, tratamos sobre a divergência na justiça do trabalho, quanto à competência para anular o contrato comercial de prestação de serviços e reconhecer a relação empregatícia.
No campo do direito civil, é analisada a possibilidade de instituição de pacto de indivisão de imóveis em copropriedade e a utilidade prática do instituto nos negócios comerciais.
Por fim, na área do direito das sucessões, são analisadas as noções gerais sobre testamento, tais como quem pode testar, o que pode ser testado e por que, bem como os requisitos específicos para a lavratura dos testamentos.
Lembramos que em nosso site, você pode sempre encontrar notícias atualizadas; uma boa leitura!
Índice:
Direito Societário:
A responsabilidade do adquirente de estabelecimento empresarial por débitos não contabilizados à luz da jurisprudência do TJSP.
Fls………………………………………………………………………………………………………….05-13
– Flavia de Faria Horta Pluchino e Paula Oliveira Silva
Direito Trabalhista:
Competência para julgar contrato de prestação de serviço X vínculo de emprego.
Fls………………………………………………………………………………………………………….14-16
– Eduardo Galvão Prado
Direito Civil:
O pacto de indivisão de imóveis em copropriedade.
Fls………………………………………………………………………………………………………….17-23
– Rodrigo Elian Sanchez
Direito das Sucessões:
Noções gerais sobre testamento.
Fls………………………………………………………………………………………………………….24-29
– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho
A Responsabilidade do Adquirente de Estabelecimento Empresarial por Débitos não Contabilizados à Luz da Jurisprudência do TJSP.
A exploração de qualquer atividade empresarial tem início com a reunião pelo empresário dos bens corpóreos e incorpóreos necessários ao desenvolvimento da atividade econômica.
A este conjunto de bens organizados pelo empresário, a Lei denomina estabelecimento empresarial (artigo 1.142, CC).
Ao organizar o estabelecimento, o empresário agrega valor aos bens reunidos, superior a simples soma de cada um deles em separado. Desta forma, é correto afirmar que o estabelecimento empresarial possui valor no mercado, podendo, por isto, ser objeto de negociação com terceiros, conforme dispõe o art. 1.143 do Código Civil:
“Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.”
A esta operação dá-se o nome de trespasse, que ocorre quando a universalidade dos bens materiais e imateriais de uma sociedade empresária é transferida para outra, que assume aquela mesma atividade.
Em outras palavras, ao adquirir um estabelecimento empresarial, o novo dono assume todos os contratos estipulados pela sociedade, passando a gerir o negócio e auferir seus benefícios. Em contrapartida, se torna responsável por todas as obrigações sociais, inclusive aquelas anteriores à transferência do estabelecimento empresarial. A Lei, contudo, em observância à segurança jurídica das relações negociais, que depende de previsibilidade e cooperação para que funcionem de forma eficaz e pacífica, estipula que o adquirente somente se responsabiliza pelas obrigações ou débitos que estejam efetivamente contabilizados no momento do trespasse.
Este é o comando que se extrai do artigo 1.146 do Código Civil:
“Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.”
Isto é assim, porque não há como presumir assunção tácita de responsabilidade por débitos ou obrigações que o adquirente sequer conhecia antes da efetivação do negócio.
Esta é a única exceção verificada na regra, que apresenta natureza cogente. Desta forma, nem mesmo cláusula contratual genérica, no sentido de excluir ou limitar a responsabilidade do adquirente, produz efeitos perante os credores da sociedade. Para que o adquirente afaste sua responsabilidade, eventual cláusula nesse sentido deve ser expressa, indicando com precisão quais passivos anteriores ao trespasse ele irá assumir.
Em consulta ao repositório de jurisprudência do TJSP, verifica-se que as turmas aplicam esse entendimento no julgamento da responsabilidade do adquirente no trespasse:
“Ação de cobrança aparelhada em contrato de financiamento com alienação fiduciária em garantia Justiça gratuita – Ausência de prova idônea da insuficiência patrimonial – Benesse indeferida, evitando a malversação do instituto – Legitimidade passiva do réu caracterizada – Alienação de estabelecimento comercial – Responsabilidade do adquirente pelos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados Inteligência do art. 1.146 do Código Civil – Cerceamento de defesa não configurado – Inocorrência de escrituração das dívidas – Insuficiência da cláusula inserida na alteração do contrato social da empresa informando que o sucessor assumiu o ativo e o passivo da sociedade – Recurso não provido.” (Apelação nº 1000607-90.2017.8.26.0360, rel. Des. César Peixoto, 38ª Câmara de Direito Privado, j. 09-5-2018).
“PROCESSO CIVIL. Execução – Sucessão empresarial – Trespasse de estabelecimentos da executada – Indeferimento do pleito de inclusão de terceira (JBS S/A) no polo passivo da execução – Admissibilidade – Inexistência de prova de ciência inequívoca (com a contabilização da dívida) e da assunção pela adquirente da responsabilidade pela dívida Requisito do art. 1.146 do CPC – Precedentes desta Corte – Argumento de que o trespasse e a responsabilização da terceira foram reconhecidos em outra ação, de outro credor, do qual a exequente não participa – Descabimento – Decisão que não projeta os seus efeitos nesta execução, a ponto de liberar a exequente agravante do ônus de provar desde logo que a terceira empresa tivera, por meio da escrituração a que a alude o art. 1.146 do CC, ciência inequívoca da dívida que ela recorrente executa – Decisão mantida Recurso desprovido.” (Agravo de Instrumento 2300935-64.2022.8.26.0000, rel. Des. Álvaro Torres Junior, 20ª Câmara de Direito Privado, j. 18-03-2024).
“Apelação – Ação de cobrança – Contrato de compra e venda de fundo de comércio – Sentença que julgou parcialmente procedente a ação e condenou os réus/apelantes à devolução dos valores desembolsados pela autora/apelada para pagamento de pendências tributárias, previdenciárias e honorários pagos a contador – Insurgência – Alegação dos réus de que, por ocasião do negócio pactuado, a autora tinha ciência das dívidas da empresa e que já se passaram 2 (dois) anos do prazo da responsabilidade solidária prevista no art. 1.146 do Código Civil – Dívidas, contudo, não contabilizadas na empresa, vez que surgidas somente após procedimento de verificação de omissão de faturamento pelo Fisco – Alienantes que não se desincumbiram do ônus da prova da ciência, pelo adquirente do estabelecimento, da existência de passivo não contabilizado – Honorários do contador pagos por terceiro, sem qualquer comprovação de que a autora tenha suportado tal despesa – Sentença reformada neste aspecto – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (Apelação nº 1021390-15.2014.8.26.0100, rel. Des. Jorge Tosta, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 13-6-2022).
“Honorários advocatícios – Cumprimento de sentença -Agravada que não foi localizada para fins de intimação para pagamento da verba honorária – Pretendida pela agravante a intimação da empresa ‘Allergan’ para efetuar o pagamento do débito, com base no art. 1.146 do CC -Documentos apresentados pela agravante que são insuficientes para se responsabilizar tal empresa pelo pagamento do débito em discussão – Não evidenciado, ademais, que a dívida em questão esteja regularmente contabilizada, como exige o art. 1.146 do CC – Agravo desprovido.” (A.I. nº 2190324-54.2016.8.26.0000, rel. Des. José Marcos Marrone, 23ª Câmara de Direito Privado, j. 30-11-2016).
“TRESPASSE DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. POSTO DE COMBUSTÍVEL. PASSIVO AMBIENTAL NÃO INFORMADO QUANDO DA COMPRA DO ESTABELECIMENTO. PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES RECOLHIMENTO DE CUSTAS INSUFICIENTE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. Às custas recursais foram recolhidas corretamente, tendo em vista que o valor discutido em recurso é o reconhecimento da compensação dos R$ 135.000,00 gastos para regularizar o requerido pela CETESB. RAZÕES RECURSAIS EMBARGADO QUE SE RESPONSABILIZOU POR DÍVIDAS OCASIONADAS ANTES DA VENDA. PASSIVO AMBIENTAL QUE ERA DE RESPONSABILIDADE DO EMBARGADO, TANTO QUE APRESENTOU DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO SENDO INDEFERIDO PELA CETESB. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE QUE OS EMBARGANTES TINHAM CIÊNCIA DO PASSIVO QUANDO DA COMPRA DO PONTO COMERCIAL. O valor gasto pelos embargantes para regularizar o passivo ambiental deve ser compensado com o saldo remanescente da dívida, lembrando que os valores das parcelas não poderiam ter sido retidos, pois não se enquadravam no disposto na cláusula 5, § 2º do contrato firmado pelas partes. O embargado não comprovou nos autos que os embargantes tinham conhecimento do passivo ambiental e que mesmo assim efetuaram a negociação. PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES REJEITADA. APELAÇÃO PROVIDA.” (Apelação 1000710-97.2020.8.26.0132 – Rel. Des. Sandra Galhardo Esteves – j. 05/12/2023).
No mesmo sentido: TJSP, Apel. 1002965-13.2019.8.26.0019, rel. Des. 1002965-13.2019.8.26.0019, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 17/11/2023; TJSP, Apel. 1001271-29.2019.8.26.0659, rel. Des. Azuma Nishi, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 31/08/2021.
Em todos os acórdãos pesquisados, o fundamento relevante para afastar a responsabilidade do adquirente residiu na ausência de prova da ciência inequívoca do adquirente sobre o passivo da sociedade, em razão deles não estarem regularmente contabilizados. Nota-se ter sido irrelevante, inclusive, a alegação genérica de que o adquirente assumia os passivos sociais, pois, ainda nesta situação, a presunção é de que esta assunção de responsabilidade se deu por passivos conhecidos no momento do negócio.
Entretanto, a presunção de desconhecimento não é absoluta e pode ser afastada por outros elementos que demonstrem que o adquirente tomou conhecimento do passivo e se responsabilizou por eles:
“Embargos de terceiro – Penhora de faturamento – Trespasse – Responsabilidade do adquirente – Aplicação direta do art. 1.146 do Código Civil de 2002 – Dívida pretérita – Ausência de questionamento acerca da ausência de contabilização – Legitimidade da constrição -Improcedência – Sentença reformada – Recurso provido.” (Apelação 0007380-79.2010.8.26.0566, rel. Des. Fortes Barbosa, 6ª Câmara de Direito Privado, j. 29-11-2012).
“Apelação – Embargos à execução conexos julgados em conjunto – Nota promissória – Trespasse – Sentença de rejeição dos embargos – Manutenção. 1. Deserção Preliminar suscitada em resposta à apelação se referindo ao recurso outro Preparo, de todo modo, recolhido regularmente naquele processo. 2. Notas promissórias -Títulos vinculados ao contrato de trespasse apenas lhes retirando autonomia – Liquidez que se afere à luz do título e do correspondente contrato. 3. Responsabilidade do adquirente de fundo de comércio – Responsabilidade pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, nos termos do art. 1.146 do CC – Demonstração da anterioridade dos débitos e da circunstância de não estarem eles contabilizados à época do negócio que tocava aos embargantes – Sem relevo a circunstância de o instrumento contratual não haver indicado, supostamente, todos os débitos remanescentes à época do trespasse – Prova pericial descartada, por não embasada em escrituração regular – Prova testemunhal, ademais, indicando que os embargantes tiveram acesso aos documentos contábeis da empresa, à época do negócio, e destruíram parte deles em momento posterior -Quadro diante do qual não há como proclamar a existência de crédito em favor dos embargantes pelo suposto passivo da pessoa jurídica anterior à data do negócio – Ressalva da possibilidade de o reconhecimento do afirmado crédito ser reclamado pelas vias ordinárias. 4. Compensação – Completa ausência de liquidez do crédito afirmado pelos embargantes, de todo modo, afastando a possibilidade de proclamação de compensação de dívidas, por não preenchidos os requisitos do art. 369 do CC. Preliminar afastada; apelação desprovida.” (TJSP – Apelação 0002306-38.1997.8.26.0586 – rel. Des. Ricardo Pessoa de Mello Belli – 19ª Câmara de Direito Privado – j. 18-02-2013).
Desta forma, conclui-se ser de extrema relevância que o interessado na aquisição de estabelecimento empresarial, além da due dilligence fiscal, societária e trabalhista, realize previamente uma análise da situação econômico-financeira da sociedade, mediante consulta aprofundada da escrituração contábil das obrigações sociais, pois é essencial para a alocação informada e eficiente de riscos.
BIBLIOGRAFIA
COELHO, Fábio Ulhôa. Direito Comercial: direito de empresa. Vol. 2. 23a. ed. rev. e atual. São Paulo: Thompson Reuters, 2021.
DINIZA, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 37ª. ed. rev. e atual. de acordo com a Lei 13.874/2019. São Paulo: Saraiva, 2020.
PELUSO, Ministro Cezar (coord.). Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. Barueri: Manole, 2020.
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo.
Flávia de Faria Horta Pluchino e Paula Oliveira Silva
Competência para Julgar Contrato de Prestação de Serviço X Vínculo de Emprego.
É cada vez mais comum as empresas contratarem prestadores de serviços, mediante contratos comerciais, para realização de parte do seu processo produtivo.
Em regra, essa relação comercial é válida, porém, se estiverem presentes os requisitos da relação empregatícia entre o tomador e o prestador de serviços, principalmente a subordinação, poderá ser reconhecida a relação de emprego e, consequentemente o contrato comercial poderá ser anulado pelo Poder Judiciário.
Com a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, ficou definido que a Justiça do Trabalho é competente para reconhecer a relação de emprego e consequentemente, anular o contrato comercial de prestação de serviços, quando presentes os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT.
Desde então, não havia divergência dos tribunais quanto a competência da Justiça do Trabalho para apreciar litígios envolvendo essas matérias.
Porém, no Recurso Extraordinário nº 958.252 em que se discutiu a constitucionalidade do contrato de terceirização de mão-de-obra no Tema nº 725 – Terceirização de serviços para a consecução da atividade-fim da empresa, foi fixada pelo Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, a seguinte tese:
“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”
Com fundamento nessa tese, o STF passou a entender que a Justiça do Trabalho não tem competência para anular um contrato comercial de prestação de serviços, ou seja, que na prática, a Justiça do Trabalho não tem competência para, mesmo quando estiverem presentes os requisitos, reconhecer a relação de emprego e anular o contrato de prestação de serviços.
Algumas decisões de 1ª instância da Justiça do Trabalho, passaram a adotar esse entendimento do STF, se declarando incompetentes para apreciar esse tipo de litígio e remetendo o processo para a justiça comum.
Já o entendimento que prevalece nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho é que, a Justiça do Trabalho é competente para analisar a existência dos requisitos da relação empregatícia estabelecidos nos artigos 2º e 3º da CLT e, verificada a presença de tais requisitos, pode reconhecer o vínculo empregatício e, por consequência, declarar nulo o contrato de prestação de serviços.
Essa atual divergência de entendimento, gera uma grande insegurança jurídica, sendo essencial que essa situação seja definida o quanto antes para dar previsibilidade às relações comerciais e trabalhistas.
Eduardo Galvão Prado
O Pacto de Indivisão de Imóveis em Copropriedade.
Introdução
O Código Civil [art. 1.320, § 1º] estabelece a possibilidade de se instituir pacto de indivisão, pelo qual os condôminos podem acordar que fique indivisa a coisa comum, por prazo não superior a cinco anos, suscetível, porém, de posterior prorrogação por novo pacto.
O pacto, ainda pode prever que seus efeitos são extensíveis a herdeiros e sucessores; o que é de grande utilidade, considerando a possibilidade de um dos coproprietários falecer ou até de “perder” sua cota parte no imóvel para um credor[1].
O Código ainda estabelece a possibilidade [§2º do art. 1.320] de doador ou testador estabelecer tal restrição.
Para compreender melhor o instituto, é necessário esclarecer que se um bem tem vários proprietários, cada um deles é um “condômino” e detém uma fração ideal do imóvel, sendo que isso não significa que cada um exercerá seu direito de propriedade circunscrito a referida fração. O objeto do direito de propriedade de cada condômino é a integralidade do bem[2], porém, a fração ideal será a proporção segundo a qual o condômino participará das vantagens ou lucros e dos encargos ou despesas da coisa comum.
Por outro lado, existem bens que por sua natureza são divisíveis e outros que não. Não obstante tal dualidade, tanto no condomínio de bem divisível como no de bem indivisível, qualquer coproprietário poderá requerer a dissolução do condomínio, a qualquer momento.
Tal direito potestativo decorre do caráter de exclusividade do direito de propriedade. A copropriedade pode criar embaraços sérios e indesejáveis, já que a concorrência de diversos donos sobre o mesmo bem altera o caráter regular do direito de propriedade: sua exclusividade sobre a coisa[3].
Assim, o condomínio é sempre provisório e a situação de indivisão transitória, motivo pelo qual o Código Civil estabeleceu ser ao condômino, a todo tempo lícito, exigir a divisão da coisa comum.
Caso o imóvel seja divisível e todos os coproprietários maiores, capazes e concordes, a divisão amigável poderá ser realizada através de escritura pública [art. 571, CPC]. Caso algum destes requisitos esteja ausente e um dos coproprietários deseje a extinção do condomínio, deverá distribuir ação de divisão de terras particulares.
Quando o imóvel for indivisível e um dos coproprietários desejar o fim do condomínio, poderá se acordar pela compra do quinhão ideal daquele retirante pelos demais, porém, quando tal situação não for possível, o bem deverá ser vendido, sendo o valor apurado repartido de acordo com a fração ideal de cada coproprietário.
Sendo ainda o bem indivisível e levado à venda, seja forçada [através de ação judicial] ou consensualmente, haverá direito de preferência aos condôminos em relação aos terceiros ofertantes, e se a disputa ocorrer entre coproprietários, terá preferência aquele que tiver no imóvel benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.
Assim e compreendido o direito potestativo de qualquer dos coproprietários em requerer a extinção do condomínio, vejamos a seguir a utilidade do pacto de indivisão.
Utilidade Prática
Imagine-se que alguns irmãos herdam uma fazenda e que ela necessite de significativo investimento para que se torne produtiva [despesas com correção do solo, compra de maquinário e equipamentos, reforma e implantação de instalações como silos e galpões]. Imaginemos, ainda que os herdeiros se reúnam e se cotizem para adquirir todos os insumos e serviços necessários para tanto e iniciem o planejamento para que em quatro anos possam ter resultado financeiro deste investimento com duas colheitas e venda da safra.
Qual será o impacto, se transcorridos os 12 meses e estando próximo do início do primeiro plantio, um dos coproprietários manifeste desejo de vender sua cota parte da fazenda ou caso nenhum dos irmãos tenha interesse em adquiri-la, pleiteie a divisão da área, para que possa vender a um terceiro?
É possível que a questão tenha contornos de maior complexidade, se houver necessidade de divisão do imóvel rural, considerando área agricultável, localização da reserva legal, áreas de preservação permanente, bem como as edificações construídas dentro da propriedade e que são necessárias para a execução da atividade agrícola.
O pacto de indivisão é ferramenta útil para evitar tal cenário [pelo menos pelo período de cinco anos] ao trazer a segurança para realização de determinado investimento e afastar receio de que algum dos coproprietários pretenda requerer a extinção do condomínio, antes que ocorra o retorno planejado.
Requisitos
Para que o pacto de indivisão seja válido, ele deve ser realizado por unanimidade, sendo vedado pacto de indivisão parcial[4]. Além do requisito da unanimidade, o pacto deve ter prazo máximo de vigência de cinco anos. No caso de o pacto ter prazo superior, o excedente será nulo. Nada impede, porém, posteriores prorrogações por novos pactos, desde que, também, limitados a cinco anos.
Se o imóvel objeto do pacto tiver valor superior a 30 salários-mínimos, é necessário que a convenção seja formalizada através de escritura pública, para que tenha validade[5]. Além da forma de sua celebração, importante mencionar que a Lei de Registros Públicos [Lei 6.015/1973] prevê em seu art. 167, I, que convenções de condomínio serão registradas perante a matrícula do imóvel. Tal registro é necessário, para que a convenção tenha efeitos “erga omnes” e vinculem terceiros, inclusive eventuais credores de um dos coproprietários do imóvel.
Assim e estando o pacto de indivisão [com cláusula de extensão de efeitos à herdeiros e sucessores] registrado perante a matrícula imobiliária, no caso de um credor adjudicar quinhão de um dos coproprietários, estará o novo proprietário vinculado ao pacto, e, portanto, obrigado a permanecer vinculado ao estado de indivisão.
Exceções
Cabe apontar que apesar do vínculo criado pelo pacto de indivisão, tal estado pode ser desfeito se comprovadas graves razões [art. 1.320, §3º, CC], o que segundo a doutrina seria o caso de disputas entre os coproprietários que colocassem em risco a integridade do imóvel, sua função social ou que implicasse na desvalorização do bem, caso permaneça o estado de indivisão até o final do prazo previsto no pacto.
Outra situação que permitiria a não observância do pacto, seria de o credor comprovar consilium fraudis entre os condôminos, que ao onerarem o imóvel com tal restrição, estivessem visando frustrar a satisfação do crédito[6].
Conclusão
O pacto de indivisão é instrumento útil, pelo qual é possível pactuar não somente período de indivisão, mas condições para que a indivisão permaneça [ex. que seja realizado investimento por todos no bem comum, dentro de cronograma acordado]; como também hipóteses para extinção do condomínio e como ela se procederá.
NOTAS DE RODAPÉ
[1] Necessário destacar que o atual Código Civil em seu art. 1.420, §2º permite o gravame de parte ideal independentemente da autorização dos demais coproprietários, mesmo se tratando de imóvel indivisível.
[2] Nas palavras de Silvio Rodrigues: “A noção de condomínio contrasta, de um certo modo, com a afirmação anteriormente feita, de exclusividade do direito de propriedade. E para conciliar a aparente contradição, entende-se que o direito de propriedade é um só, do qual cada um dos coproprietários tem uma parte ideal. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. v. 5 – Direito das Coisas, 25ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000, 189.
[3] SARAIVA, Bruno de Sousa. Notas sobre o pacto de indivisão (art. 1.320, § 1º, do Código civil brasileiro de 2002). Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 38, p. 109-144, São Paulo, Ed. RT, 2024, p. 124.
[4] SARAIVA, Bruno de Sousa. Ob. Cit. p. 134.
[5] O Código Civil em contêm regra a respeito em seu art. 108, que transcrevemos: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.
[6] SARAIVA, Bruno de Sousa. Ob. Cit. p. 139.
Rodrigo Elian Sanchez
Noções Gerais Sobre Testamento.
Quem pode testar, o quê, e por quê:
No Brasil, toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens ou de parte deles, para depois de sua morte, ressalvada a legítima dos herdeiros necessários, que não poderá ser incluída no testamento.
Em outras palavras, toda pessoa capaz pode dispor de metade (50%) de seu patrimônio, tendo respeitada sua vontade pessoal. A outra metade (50%) obrigatoriamente deve ser transmitida aos herdeiros necessários, ou seja, aos descendentes, ascendentes, e cônjuge, observando-se as regras de sucessão, conforme cada caso. Na falta de herdeiros necessários, a pessoa poderá dispor em testamento da totalidade de seus bens.
Portanto, lavrar um testamento se revela, na prática, uma forma de organização patrimonial, na medida em que facilita a organização e a administração do patrimônio, e garante que os bens sejam distribuídos de acordo com os desejos do testador, evitando possíveis conflitos entre herdeiros.
Outra vantagem de se lavrar um testamento, é a possibilidade de nomear herdeiros e legatários específicos, que não seriam beneficiados automaticamente pelas regras legais de sucessão, por não serem herdeiros necessários. Podemos aqui citar, como exemplo, parentes distantes, funcionários, ONG´s, fundações etc.
Além da organização e administração patrimonial, em alguns casos, a lavratura de um testamento permite a inclusão de cláusulas específicas, tais como as cláusulas restritivas à propriedade (inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade), bem como algumas condições para herdar e, até mesmo, a instituição de usufruto.
Sobre as testemunhas:
Uma dúvida que pode surgir ao testador quando decide lavrar um testamento, é sobre quem ele indicará como testemunha (por Lei, duas testemunhas precisam assinar o testamento público, ou três testemunhas o testamento particular), afinal, elas terão conhecimento das disposições testamentárias, que, não raras vezes, o testador gostaria de manter em sigilo.
A escolha de testemunhas, portanto, precisa ser feita com cautela. Em linhas gerais, a testemunha deve guardar algumas características, como, não ser pessoa com interesse direto na herança (como cônjuges, companheiros, ascendentes, descendentes e colaterais até o terceiro grau dos herdeiros ou legatários) e não ter envolvimento direto nos assuntos familiares ou patrimoniais do testador.
A experiência nos mostra que costumam ser indicados como testemunhas amigos de confiança, como, por exemplo, colegas de trabalho e profissionais de confiança do testador, dentre eles médicos, advogados e contadores.
Estes últimos, via de regra, são as pessoas mais recomendadas, na medida em que, além de conhecerem o testador, também conhecem seu patrimônio e, por outro lado, não têm interesse na herança.
Se a situação alterar:
Além das facilidades e cautelas apontadas acima, cabe destacar que a lavratura de um novo testamento, revoga o anterior. Portanto, o testador pode – e deve – atualizar um testamento para refletir seus desejos sempre que ocorrerem mudanças relevantes em sua vida, tais como – mas não se limitando a – o nascimento de mais um filho, ou a morte, um divórcio, ou um novo casamento, a aquisição de determinado bem que tenha impacto patrimonial relevante etc.
Evitar problemas e surpresas:
É extremamente importante frisar que a lavratura de um testamento deve ser feita com assistência legal, pois, não raras vezes, herdeiros preteridos ou até mesmo credores contestam judicialmente a sua validade.
Os casos mais comuns de contestação judicial, envolvem vícios que podem acarretar a nulidade, parcial ou total, de testamentos. Se o vício não compromete a validade do testamento, mas apenas o patrimônio testado, o judiciário entende correto manter o testamento, e apenas adequá-lo, o mais próximo possível à vontade do testador.
Porém, em casos mais graves, o judiciário anula o testamento. Os principais vícios que podem levar à nulidade de um testamento são: (i) incapacidade do testador; (ii) vícios de consentimento, ou seja, erro, dolo e coação; (iii) vícios formais, ou seja, falta de testemunhas, nos casos em que a lei exige, ou desrespeito às formalidades legais; (iv) disposições contrárias à Lei, ou seja, ofensas à legítima (50% do patrimônio) e disposição sobre bens inalienáveis, ou seja, quando o testador dispõe sobre bens que, por lei, são inalienáveis.
Assinatura eletrônica:
Uma outra dúvida que também pode surgir, é sobre a possibilidade de assinaturas eletrônicas para a lavratura de testamentos. E a resposta é que, a maioria dos tabeliões não a aceitam.
O ponto é que, como visto acima, o Código Civil estabelece requisitos específicos para a validade dos testamentos, que incluem a forma e a presença física do testador e das testemunhas.
Ao conversar com tabeliões e questioná-los sobre o motivo da não aceitação, o esclarecimento é o seguinte: a assinatura eletrônica pode implicar em risco de futura contestação, por falta de previsão legal específica sobre o tema, que cria insegurança jurídica para um ato que exige diversas formalidades, bem como pela facilidade com que a autenticidade da assinatura pode ser questionada judicialmente, com mais frequência do que o documento físico, que é assinado na presença do notário. Além disso, a assinatura eletrônica, facilitaria casos de coação, na medida em que o testador poderia estar sob ameaça de alguém (que não esteja aparecendo na câmera da videoconferência), sem que seja possível ao notário verificar tal situação.
Conclusão:
Em suma, a decisão de lavrar um testamento deve considerar tanto os benefícios, quanto as possíveis complicações e custos envolvidos (tanto de taxas e emolumentos, quanto de assessoria jurídica), sendo recomendado seguir rigorosamente os procedimentos estabelecidos pela legislação em vigor, e manter o testamento atualizado, para com isso garantir a sua validade e eficácia. Nesse sentido, o auxílio de um advogado é um importante fator de segurança no momento de lavrar o testamento.
Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho
Todos os direitos reservados – Rodrigo Elian Sanchez Sociedade de Advogados S/S.