BOLETIM INFORMATIVO – DEZEMBRO 2022

Boletim RES, Advogados

Dezembro de 2022

 

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: imobiliário, processo civil, trabalhista e empresarial.

 

No campo do direito do imobiliário, abordamos os avanços e a desjudicialização dos compromissos de compra e venda de imóveis, com base no novo artigo 251-A da Lei de Registros Públicos.

 

No espaço reservado para o direito processual civil, tratamos sobre a possibilidade de estabelecer convenções processuais nos contratos para buscar um processo mais ágil e efetivo em casos de litígios.

 

Na área do direito trabalhista, analisamos a obrigatoriedade das cotas de empregados com deficiência e aprendizes nos quadros de empregados das empresas.

 

Abordamos também a legitimidade dos dependentes para propor ação trabalhista pelo falecido.

 

Por fim e no campo do direito empresarial, versamos sobre as vantagens da sociedade em conta de participação na estruturação de empreendimentos imobiliários.

 

Lembramos que em nosso site, você pode sempre encontrar notícias atualizadas; uma boa leitura!

 

 

Índice:

 

Direito Imobiliário:

 

Compromisso de compra e venda de imóveis: avanços e desjudicialização.

Fls………………………………………………………………………………………………………….05-08

– Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Direito Processual Civil:

 

O artigo 190 do CPC/2015 – A possibilidade de estabelecer convenções processuais nos contratos.

Fls………………………………………………………………………………………………………….09-14

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

Direito Trabalhista:

 

Cotas de empregados com deficiência e aprendizes nos quadros de empregados das empresas.

Fls………………………………………………………………………………………………………….15-17

– Eduardo Galvão Prado

 

A legitimidade de dependentes para propor ação trabalhista pelo falecido.

Fls………………………………………………………………………………………………………….18-23

– Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi e Laura Mesquita Muniz

 

 

Direito Empresarial:

 

As vantagens da sociedade em conta de participação (“SCP”) na estruturação de empreendimentos.

Fls…………………..……………………………………………………………………………………..24-30

– Flavia de Faria Horta Pluchino

 

 

 

Compromisso de Compra e Venda de Imóveis: Avanços e Desjudicialização.

 

Ainda em 2015, a Lei nº 13.097 alterou a redação do Decreto Lei 745/69, e permitiu a rescisão do compromisso de compra e venda, sem a necessidade de ingressar com ação judicial, no caso de o contrato conter cláusula resolutiva expressa e tendo o promissário comprador não pago as parcelas em aberto, após ter sido notificado para fazê-lo em 15 dias. Foi passo tímido, porém significativo, no caminho da desjudicialização.

 

A Lei 13.097 de 2015, porém nada falava em relação ao cancelamento do registro, no caso de o compromisso ter sido registrado perante a matrícula do imóvel, o que tornava a questão nebulosa, pois, apesar do contrato poder ser rescindido sem a necessidade da intervenção judicial, o oficial de registro de imóveis não tinha base legal para proceder administrativamente ao cancelamento do registro, sem a anuência do promitente vendedor.

 

É importante lembrarmos, que o registro do compromisso de compra e venda perante a matrícula imobiliária é medida muito salutar, pois concede segurança ao adquirente [promissário comprador], em especial por dar publicidade a promessa de venda, conceder ao compromisso o status de direito real e em especial, evitar discussões em relação à fraude à execução, caso ocorram penhoras ou constrições posteriores a assinatura do compromisso, que venham a onerar o imóvel prometido à venda.

 

A Lei nº 14.382, de 2022, resolveu tal impasse, ao introduzir o art. 251-A na Lei de Registros Públicos. Assim como já acontecia na rescisão extrajudicial do compromisso de compra e venda no âmbito dos loteamentos de imóveis urbanos [artigo 32, parágrafo 1º da Lei 6.766/1979], o artigo 251-A da Lei dos Registros Públicos passou a admitir a rescisão do contrato registrado, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário, não apenas nos casos de loteamentos, mas em todos os casos de promessa de venda de imóveis cujas prestações não tenham sido pagas pelo promissário comprador.

 

Segundo a nova regra, em caso do atraso no pagamento de uma das parcelas do preço, a requerimento do promitente vendedor, o promitente comprador será intimado pessoalmente pelo oficial do competente registro de imóveis para satisfazer, no prazo de 30 (trinta) dias, a prestação ou as prestações vencidas e as que vencerem até a data de pagamento, os juros convencionais, a correção monetária, as penalidades e os demais encargos contratuais, despesas de cobrança e de intimação.

 

A mora poderá ser purgada mediante pagamento ao oficial do registro de imóveis, que dará quitação e no prazo de 3 (três) dias e depositará esse valor na conta bancária informada pelo promitente vendedor. Caso não ocorra a quitação integral dos débitos, o oficial de registro de imóvel certificará o ocorrido e intimará o promitente vendedor a promover o recolhimento dos emolumentos para efetuar o cancelamento do registro.

 

O objetivo é agilizar eventual recebimento pelo promitente vendedor de prestações devidas e no caso de não pagamento do valor em aberto, permitir o cancelamento do registro, para que o promitente vendedor possa realizar nova venda do imóvel.

 

Obviamente, que ainda existirão situações em que a intervenção judicial será indispensável, especialmente nos casos em que o promissário comprador já está na posse do imóvel, sendo necessária a sua retomada, porém, o procedimento será “sumarizado”, pois segundo o §6ª da nova regra, a certidão do cancelamento do registro do compromisso de compra e venda reputa-se como prova determinante para concessão da medida liminar de reintegração de posse.

 

É de se destacar, que será fundamental a forma com que as Corregedorias dos Tribunais de Justiça estaduais irão normatizar algumas questões de ordem jurídica e operacional dentro das suas respectivas competências, para viabilizar o avanço trazido pelo novo art. 251-A da Lei de Registros Públicos.

 

Em resumo, as alterações legislativas trazidas trarão grandes benefícios para o mercado imobiliário, especialmente no que se refere a simplificação de cancelamento de registros e retomadas de imóveis, conferindo uma maior segurança jurídica aos contratantes.

 

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

 

O artigo 190 do CPC/2015 – A Possibilidade de Estabelecer Convenções Processuais nos Contratos.

 

Em vigor desde 18/03/2016, o Código de Processo Civil tem em sua estrutura o estímulo às soluções de conflitos através da autocomposição.

 

E para fomentar a auto-composição, previu a possibilidade de as partes estabelecerem convenções processuais atípicas. Trata-se da cláusula geral de convencionalidade ou cláusula geral de negociação, positivada nos artigos 190 e 200 do Código:

 

“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

 

Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.”

 

A ideia da cláusula geral de negociação é permitir que as partes possam arquitetar e desenhar, previamente, nos contratos em geral, as condições de um possível litígio com vistas a não só aumentar as chances de uma autocomposição, como também tentar prever e agilizar questões processuais – abreviando o tempo do processo e trazendo redução de custos – caso um acordo não seja viável, e o fórum seja a única saída.

 

Sobre a matéria, Humberto Theodoro Júnior ensina que “é evidente que a possibilidade de as partes convencionarem sobre ônus, deveres e faculdades deve limitar-se aos seus poderes processuais, sobre os quais têm disponibilidade, jamais podendo atingir aqueles conferidos ao juiz. Assim, não é dado às partes, por exemplo, vetar a iniciativa de prova do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem qualquer outra atribuição que envolva matéria de ordem pública inerente à função judicante”.

 

Verifica-se, portanto, que os prazos peremptórios são insuscetíveis de serem modificados previamente pela via contratual, havendo tal possibilidade apenas quando o litígio já estiver instaurado, de comum acordo entre o juiz e as partes, e em casos excepcionais, nos termos do artigo 191, § 1º do mesmo diploma legal:

 

“Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.

§1º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.

§2º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário”.

 

Feitas as ressalvas acima, via de regra, as partes têm a liberdade para, pela via contratual, exercer a criatividade para dispor e obter benefícios mútuos em termos de convenção e negociar as condições de um possível litígio, no âmbito dos deveres processuais disponíveis.

 

Em relação à limitação da negociação processual, ensina Teresa Arruda Alvim Wambier (em Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 356-357) que não é “possível a pactuação de negócio jurídico processual que tenha por objeto deveres processuais imperativamente impostos às partes, sob pena de ser-lhe ilícito o objeto. Não vigora, ipso facto, o ‘vale tudo’ processual. O negócio jurídico processual não tem, e nem deve ter, esta extensão. (…) Não se pode, é nossa convicção, dispor em negócio jurídico processual que uma decisão poderá ser não fundamentada, ou que não vigora o dever de cumprir as decisões judiciais. Admiti-lo seria algo comparável à admissão do objeto ilícito na celebração do negócio jurídico processual.”

 

A possibilidade de negociar questões processuais enfrenta resistência e dificuldade de aceitação, pois o modelo adotado pelos Códigos Processuais Brasileiros (de 1939 e 1973), era o de um processo inquisitivo, ou seja, o juiz era o protagonista e a marcha processual dependia dele para avançar.

 

O CPC vigente retirou esse protagonismo do Juiz, concedendo maior autonomia às partes, para, em processos que versem sobre direitos que admitam autocomposição, adequarem as soluções processuais à especificidade da causa e de seus interesses, utilizando a criatividade para prever soluções processuais que lhes beneficiem em casos de litígios, não somente no plano do direito processual, como também no plano do direito material.

 

Obviamente, há opiniões contrárias em relação à possibilidade das partes estabeleceram negócios jurídicos processuais. Em linhas gerais, elas entendem que a vontade das partes seria irrelevante, pois não teriam o poder de alterar os efeitos dos atos processuais. Nas palavras de Didier Junior: “A vontade das partes seria, então, irrelevante na determinação dos efeitos que os atos processuais produzem. Os efeitos dos atos processuais não seriam, em outras palavras, moldáveis. A única disponibilidade que as partes teriam seria a opção de praticar ou não o ato previsto numa sequência predeterminada pelo legislador. Qualquer que fosse a opção da parte, os efeitos dos atos processuais já estariam tabelados”. (DIDIER JÚNIOR, 2016, p. 50).

 

Não obstante entendimentos contrários, fato é que há, sim, na via contratual, espaço para efetiva aplicação da cláusula geral de negociação prevista no art. 190 do CPC/2015. As oportunidades são as mais diversas, e tem como principal incentivo, o interesse das partes em buscar uma situação de “ganha-ganha” que alterem, delimitem e/ou simplifiquem procedimentos no decorrer do processo judicial, sabidamente moroso.

 

Dentre os exemplos de ajustes pela via contratual que podem ser citados, estão: (i) a obrigação de uma perícia prévia para aferir a ocorrência ou não de ilícito contratual e sua extensão, bem como a contratação ou a dispensa consensual de assistente técnico; (ii) a obrigação de rateio de custas processuais entre as partes litigantes; (iii) a obrigação de uma sessão de mediação prévia, ou até mesmo uma rotina de sessões de mediação durante o curso do processo; (v) acordo para se estabelecer o julgamento antecipado da lide, desde que a matéria permita.

 

Em que pese o histórico de insegurança jurídica que temos no país, não se pode negar que a cláusula geral de negociação é um bom caminho, pois a solução da qual as partes efetivamente participem é melhor aceita por elas, o que minimiza a frustração e a demora na pacificação dos conflitos.

 

Assim, a cláusula geral de negociação segue a esteira de técnicas que já são amplamente utilizadas em procedimentos arbitrais e está em harmonia com o dinamismo que a tecnologia atual imprimiu aos negócios jurídicos, exigindo que os contratos prevejam, sempre que possível, meios alternativos de tornar mais rápidos e econômicos os eventuais litígios.

 

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

 

Cotas de Empregados com Deficiência e Aprendizes nos Quadros de Empregados das Empresas.

 

O cumprimento de cotas de empregados com deficiência e de aprendizes é uma obrigação determinada por lei para certas empresas, de acordo com o número de empregados.

 

Cotas de Empregados com Deficiência

 

De acordo com a lei 8213/1991, as empresas com mais de 99 empregados devem preencher entre 2% e 5% de seu quadro de empregados, com pessoas portadoras de deficiência, na seguinte proporção: até 200 empregados, deve haver 2% de pessoas com deficiência; de 201 a 500 empregados, deve haver 3% de pessoas com deficiência; de 501 a 1000 empregados, deve haver 4% de pessoas com deficiência; e, acima de 1000 empregados, deve haver 5% de pessoas com deficiência.

 

A comprovação da deficiência é realizada através de laudo médico.

 

De acordo com Portaria Interministerial do Ministério do Trabalho e Previdência nº 12 de 17/01/2022, a partir de janeiro de 2022, a multa pelo descumprimento das cotas reservadas para empregados com deficiência é de R$ 2.926,52 a R$ 292.650,52, por vagas não preenchidas, de acordo com critérios como reincidência na infração, faturamento entre outros. O valor da multa é atualizado anualmente.

 

Cotas de Aprendizes

 

De acordo com o artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, com exceção das microempresas e empresas de pequeno porte, que estão dispensadas do cumprimento das cotas de aprendizes, os estabelecimentos de qualquer natureza devem empregar entre 5% e 15% de aprendizes do total de seus empregados, cujas funções demandem formação profissional.

 

O contrato de aprendizagem deve ser registrado em CTPS e, após recente alteração pelo Decreto 11.061/2022, pode ser realizado, em regra, por até três anos, com pessoas maiores de 14 anos e menores de 24 anos, inscritos em programas de aprendizagem técnico-profissional, orientado por entidade qualificada.

 

Caso o aprendiz seja contrato com idade entre quatorze e quinze anos incompletos, o contrato pode ser de até quatro anos.

 

De acordo com o artigo 434 da CLT, a multa pelo descumprimento das cotas reservadas para aprendizes é de um salário-mínimo regional por vaga não preenchidas. No caso de mais de uma vaga não preenchida, o somatório das multas não pode ultrapassar cinco salários-mínimos, salvo em caso de reincidência, em que esse somatório pode ser elevado ao dobro.

 

Tanto no cálculo de cotas destinadas para empregados com deficiência, como de aprendizes, se a aplicação da porcentagem resultar em número fracionado, a empresa deve arredondar para cima.

 

A demissão de um empregado cotista, pode ocorrer apenas após a contratação de outro, para preenchimento da cota.

 

Muitas vezes, as empresas não conseguem contratar esses empregados, por falta de oferta. Nesses casos, há decisões judiciais que deixam de aplicar a multa pelo descumprimento de cotas, após ficar provado que a empresa empreendeu esforços para realizar as contratações, porém, não obteve êxito por falta de candidatos.

 

Portanto, para evitar a aplicação das penalidades, é importante que as empresas procurem se adequar, para cumprirem as cotas de empregados com deficiência e aprendizes, e registrem de forma documental as tentativas de recrutamentos e contratações.

 

Eduardo Galvão Prado

 

 

 

A Legitimidade de Dependentes para Propor Ação Trabalhista pelo Falecido.

 

A lei determina que quem tem legitimidade para propor ação trabalhista é o próprio empregado, em razão do caráter intuitu personae[1] da relação de trabalho, sendo que a morte deste último é considerada umas das causas extintivas do contrato individual de trabalho, o que tornaria impossível, portanto, a continuidade de sua execução.

 

Em outras palavras, no caso de falecimento do empregado, a rescisão do contrato de trabalho é automática, já que um dos requisitos que caracterizam essa relação, qual seja, o da pessoalidade, previsto no artigo 3º da CLT, deixa de existir.

 

Contudo, tal regra é relativizada, pelo art. 1º, da Lei 6.858/80, que autoriza os dependentes a receberem as verbas trabalhistas que seriam devidas ao falecido. Confira-se o enunciando da norma:

 

“Art. 1º – Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento.”

 

Logo, de acordo com a norma supracitada, em caso de falecimento do empregado, os créditos trabalhistas devem ser pagos em quotas iguais da seguinte forma: a) dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares; e b) na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil.

 

Ou seja, não havendo dependentes do empregado que estejam devidamente habilitados perante a Previdência Social ou na forma da lei dos servidores civis e militares, o artigo 1.829 do Código Civil será imediatamente aplicado[2].

 

A vigência posterior do Código Civil de 2002, lei geral, esta não implicou na revogação da Lei nº 6.858/80, que é lei especial, posto que o Código Civil nada considerou a respeito dos requisitos para sucessão de empregado falecido, matéria disposta apenas nesta última.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é uníssona ao estabelecer a legitimidade de dependentes para propor ação trabalhista pelo falecido, in verbis:

 

“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. 1. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. HERDEIRO. Esta Corte Superior ao interpretar o artigo 1º da Lei nº 6.858/80, tem entendido que os dependentes habilitados perante a Previdência Social e os sucessores previstos na lei civil tem legitimidade para pleitear os direitos do titular não recebidos em vida decorrentes da relação empregatícia, independentemente de inventário ou arrolamento, sendo que a falta de habilitação dos herdeiros perante a previdência social, por si só, não autoriza a extinção do processo sem julgamento do mérito, na medida em que a habilitação pode ser feita até mesmo quando da liquidação da sentença. Precedentes. (TST – RR- 13200-66.2009.5.06.0002, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª Turma, DEJT 25.5.2012)”.

 

“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. ILEGITIMIDADE ATIVA. DIREITOS DECORRENTES DO CONTRATO DE TRABALHO. FILHOS DO EMPREGADO FALECIDO HABILITADOS PERANTE O INSS. O Tribunal Regional consignou que o autor é filho do “de cujus”, empregado do reclamado, e está regularmente habilitado junto ao INSS. O artigo 18, caput, do CPC prevê que somente o titular do direito pode pleitear em juízo a sua satisfação, salvo nos casos autorizados por lei. Por sua vez, o artigo 1º da Lei 6.858/80 trata exatamente da referida exceção prevista no artigo 18, caput, do CPC, para os créditos trabalhistas de empregado falecido. O referido disposto prevê que os dependentes habilitados perante o INSS podem pleitear judicialmente direitos trabalhistas devidos ao empregado falecido. Precedentes. (RR-112800-90.2010.5.17.0011, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 26/05/2017)”.

 

Mas afinal, são todos os direitos trabalhistas que poderão ser pleiteados pelos dependentes?

 

E nos casos de acidente de trabalho que consequentemente gerou a morte do trabalhador, é possível postular na justiça do trabalho indenização por danos materiais ou danos morais?

 

A Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004 acrescentou ao artigo 114 da Constituição Federal o inciso VI, que dispõe que a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.

 

Inclusive, o Tribunal Superior do Trabalho já firmou entendimento de que, o pedido de indenização por danos morais e materiais configura direito patrimonial transmissível por herança, nos termos do art. 943 do Código Civil e, por se tratar de uma indenização em razão do acidente que o de cujus sofreu durante o contrato de trabalho, os dependentes terão legitimidade ativa ad causam para pleitear a indenização por danos materiais na esfera trabalhista. Vejamos:

 

“ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. INTERPOSIÇÃO DA AÇÃO PELO ESPÓLIO POSTULANDO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO CUJO RESULTADO VITIMOU O TRABALHADOR. DIREITO PATRIMONIAL DO DE CUJUS TRANSMISSÍVEL POR HERANÇA. Discute-se, no tópico, a legitimidade do espólio para pleitear crédito derivado do contrato de trabalho, qual seja, indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho cujo resultado vitimou o trabalhador. Ressalte-se que o espólio não pleiteia para si qualquer indenização decorrente do falecimento do trabalhador (direito próprio), mas sim em face do acidente que ele sofreu no curso do contrato de trabalho, indenização esta que o próprio empregado pleitearia caso o acidente lhe tivesse causado apenas incapacidade e não o evento morte. Assim, ante a leitura dos arts. 1.784, 943 e 12, parágrafo único, do Código Civil e na esteira da jurisprudência desta Corte, há que se concluir que o espólio tem legitimidade ativa ad causam, tendo em vista que o pedido de indenização por danos morais e materiais decorre do contrato de trabalho havido entre o empregador e o de cujus. Ora, o pedido de indenização por danos morais e materiais configura direito patrimonial transmissível por herança, nos termos do citado art. 943 do Código Civil. Para a hipótese dos autos, o espólio efetivamente postula a reparação por dano extrapatrimonial sofrido em vida pelo de cujus, razão pela qual é parte legítima para figurar no polo ativo da lide. Por essa razão, a decisão regional pela qual se manteve a legitimidade do espólio para propor a presente ação não merece reforma. Nesse cenário, não há que se falar em afronta aos arts. 12, V, do CPC de 1973 (art. 75, VII, do NCPC) e 12, parágrafo único, do Código Civil ou mesmo em divergência com os arestos transcritos, à luz do artigo 896, § 7º, da CLT e da Súmula 333 do TST. Recurso de revista não conhecido. (RR-19000-24.2010.5.21.0002, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 11/12/2017)”.

 

Portanto, conclui-se que os herdeiros possuem legitimidade para propor ação trabalhista decorrente do contrato de trabalho do empregado falecido, desde que devidamente habilitados perante a Previdência Social, ou, na falta destes, os herdeiros da ordem civil.

 

Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi e Laura Mesquita Muniz

 

[1] Trata-se de contrato em que apenas uma determinada pessoa poderá cumprir o acordado, uma vez que foi celebrado em razão de suas características pessoais.

[2] O Código Civil dispõe em seu artigo 1.829 uma ordem de preferência acerca da sucessão legítima de forma geral, elencando primeiro os descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, em seguida os ascendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, em terceiro o cônjuge sobrevivente, e por fim, os colaterais.

 

 

 

As Vantagens da Sociedade em Conta de Participação (“SCP”) na Estruturação de Empreendimentos Imobiliários.

 

Introdução

 

A incorporação imobiliária é conceituada no artigo 28 da Lei 4.591/64, como a “atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.

 

Seu principal traço característico é a comercialização das futuras unidades do empreendimento, antes mesmo do início das obras e durante sua construção. É este aspecto que a distingue da pura construção de um edifício e da direta constituição de um condomínio.

 

Segundo Fábio de Oliveira Azevedo:

 

“Não existe incorporação em qualquer atividade construtiva. É preciso que a construção seja acompanhada do propósito específico de alienar unidades antes de concluídas as obras.”

 

O incorporador, portanto, é o operador do negócio, ou seja, quem coordena as atividades dos diversos agentes envolvidos na implantação do empreendimento, sendo a pessoa responsável por mobilizar os fatores necessários à consecução do empreendimento imobiliário e por entregar as unidades finalizadas aos consumidores. Ele é conceituado no artigo 29 da Lei 4.591/64.

 

O Código Civil, em seu artigo 966, consolidou em definitivo a natureza empresária da incorporação imobiliária, uma vez que o incorporador “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços”.

 

O exercício da atividade econômica organizada com propósito lucrativo, depende da reunião de capital para fazer frente aos custos iniciais do negócio. Na incorporação imobiliária não é diferente.

 

Isto porque, apesar da maior parte do financiamento das obras advir da alienação das unidades autônomas a serem construídas, para que o incorporador possa iniciar a alienação das unidades futuras, a incorporação deve estar registrada perante o registro imobiliário, conforme preconiza o artigo 32 da Lei 4.591/64.

 

Desta forma, os custos iniciais do empreendimento, notadamente as despesas com a concepção do negócio, projeto arquitetônico, aquisição do terreno, licenciamentos junto aos órgãos competentes, manutenção de estrutura empresarial, emolumentos, dentre outros, deverão ser arcados antes mesmo do lançamento do empreendimento.

 

Diante do alto custo envolvido na obtenção de recursos diretamente junto às instituições financeiras, os empreendedores passaram a procurar alternativas para captar investimentos junto a investidores particulares, em troca de participação societária no negócio.

 

Dentre as diversas formas de captação de recursos diretamente junto aos investidores particulares, destaca-se a Sociedade em Conta de Participação, forma muito difundida no mercado imobiliário.

 

Vantagens da SCP na estruturação de empreendimentos imobiliários

 

Nos termos do artigo 991, do Código Civil, a sociedade em conta de participação (“SCP”) é aquela em que o objeto social é exercido unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.

 

Na sociedade em conta de participação, portanto, apenas o sócio ostensivo aparece perante terceiros, respondendo sozinho pelas obrigações sociais.

 

Trata-se de sociedade não personalizada, cuja constituição independe de qualquer formalidade, com exceção de sua inscrição perante o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda (IN RFB 1470/14) e não gera efeitos perante terceiro.

 

Na estruturação de empreendimentos imobiliários, o incorporador figura como sócio ostensivo, sendo responsável pelo desenvolvimento do negócio, ao passo que o investidor figura como sócio participante, responsável apenas por entregar os valores a que se comprometeu no contrato para permitir a consecução do objeto social.

 

Toda a relação entre o incorporador e os investidores é regulada no contrato de constituição, que somente produz efeitos perante eles. Por conta disso, a SCP tem a discrição como uma de suas principais vantagens.

 

Neste sentido, a SCP tanto permite ao sócio ostensivo não divulgar que trabalha com capital alheio, quanto ao sócio participante de não divulgar que participa de empresa especulativa ou que possui relação com determinada pessoa, como bem pontuam João Pedro Scalzilli e Luís Felipe Spinelli (SCALZILLI; SPINELLI, 2014, p. 33).

 

Além disso, em razão da ausência de personalidade jurídica, a SCP não se sujeita à desconsideração da personalidade jurídica, o que confere ao patrimônio pessoal do sócio participante proteção extra.

 

Segundo Victor Machado Schimidt (2019, p. 137), outra vantagem da SCP na estruturação de empreendimentos imobiliários reside na sua informalidade e simplicidade, que confere aos sócios ampla liberdade na definição de direitos e obrigações, o que permite a adequação das cláusulas e condições do contrato de constituição às particularidades do negócio.

 

No contrato social, portanto, os sócios podem dispor livremente sobre as formas de retirada da SCP e de sua extinção, sem a necessidade de observar as providências de dissolução e liquidação exigidas pela Lei.

 

Também podem definir com ampla liberdade a forma e a periodicidade da distribuição dos resultados, sem ficarem atreladas às regras previstas para os demais tipos societários.

 

Do ponto de vista do empreendedor, a SCP permite a captação de recursos a um custo menor e sem impactos significativos nas prerrogativas gerenciais do negócio, pois é dele, e somente dele, as decisões sobre a consecução do empreendimento.

 

Do ponto de vista do investidor, a vantagem reside justamente na possibilidade de participar dos lucros do empreendimento, sem ficar obrigado a participar de sua gestão ou de se expor aos riscos de insucesso do negócio.

 

Relativamente ao tratamento fiscal conferido à SCP, a vantagem está no fato de que a RFB equipara esta sociedade às pessoas jurídicas em geral, de modo que os resultados a serem distribuídos são isentos de IR e de CSLL.

 

Conclusão

 

As vantagens da SCP a colocam, portanto, como um tipo societário versátil, capaz de providenciar “uma rápida mobilização de recursos para a alocação em empreendimentos imobiliários, sem que isso onere demasiadamente os sócios, ou os prendam a laços societários mais duradouros ou difíceis de ser extintos” (SCALZILI; SPINELLI, 2014, p. 287) e isto explica sua ampla utilização no mercado imobiliário brasileiro.

 

Flavia de Faria Horta Pluchino

 

Bibliografia

 

SCHIMIDT, Victor Machado. Estruturação Societária de Empreendimentos Imobiliários: em face dos regimes jurídicos da incorporação imobiliária e do mercado de valores mobiliários. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-graduação em Direito. Florianópolis, 2019.

 

SCALZILI, João Pedro; SPINELLI, Luís Felipe. Sociedade em conta de participação. São Paulo: Quartier Latin, 2014.

 

BRASIL. Código Civil. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 11/12/2022.

 

BRASL. Lei 4.951/64. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm>. Acesso em 11/12/2022.

 

 

 

 

Todos os direitos reservados – Rodrigo Elian Sanchez Sociedade de Advogados S/S.