AS CERTIDÕES NEGATIVAS DO INCORPORADOR COMO REQUISITO PARA REGISTRO DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA.

A lei de incorporação imobiliária [Lei n.º 4.591/64] em seu art. 32, estipula os documentos que devem instruir o memorial para registro da incorporação. Dentre eles, as certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos, de ações cíveis e criminais e de ônus reais relativa ao imóvel, bem como do incorporador/proprietário.

 

É raro que uma empresa de incorporação imobiliária não tenha processo em curso, seja de um cliente insatisfeito com uma unidade adquirida, seja de um antigo empregado ou até uma discussão tributária.

 

De acordo com a “letra da lei”, nestas situações o registro da incorporação imobiliária seria negado pelo oficial de registro de imóveis; o que não faz sentido, especialmente, quando as ações apontadas nas certidões não tiverem a possibilidade de trazer risco à conclusão do empreendimento e a venda das unidades.

 

A exibição de tais certidões tem como finalidade demonstrar a situação jurídica e financeira dos agentes envolvidos na incorporação imobiliária, para se vislumbrar se é minimamente possível a conclusão do empreendimento.

 

A lei de incorporações tutela simultaneamente dois interesses distintos: estimular e regular o desenvolvimento do mercado imobiliário e trazer segurança para os adquirentes de unidades futuras.

 

Tais objetivos da legislação não são antagônicos, muito pelo contrário; quanto for maior a segurança dos adquirentes, maior será o desenvolvimento do mercado imobiliário. Neste espírito, passaremos a refletir sobre a melhor interpretação do art. 32, “b”, da lei de incorporações.

 

Das certidões fiscais

 

A certidão federal de débitos fiscais apenas será exigida quando se tratar de imóvel rural; urbano que tenha sido rural nos últimos cinco anos, ou que seja aforado a união[1]. Fora destas hipóteses, a única certidão fiscal exigida seria a municipal, da situação do imóvel. Tal entendimento foi, inclusive, adotado pela Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo: “210.2. As certidões de impostos relativas ao imóvel urbano são as municipais[2].

 

As certidões fiscais a serem fornecidas não são exclusivamente do imóvel, mas também do incorporador e proprietário do imóvel.

 

Das certidões pessoais

 

Deverão, também, ser apresentadas as certidões de protestos, dos distribuidores cíveis e criminais, tanto da justiça federal como da estadual[3]. As certidões cíveis e criminais serão extraídas pelo período de 10 (dez) anos e as de protesto pelo período de 5 (cinco)[4].

 

Caso o incorporador não seja o proprietário do imóvel onde será erigido o empreendimento, as certidões deverão ser tanto dele, como do proprietário.

 

É de se destacar, que as certidões deverão abranger a comarca onde se localiza o terreno, como também o da sede ou residência do incorporador/proprietário.

 

Ônus reais

 

A certidão de ônus do imóvel deve ser compreendida com a certidão atualizada da matrícula do imóvel, a não ser que o título do imóvel ainda se encontre no sistema de transcrição. Isso em razão das certidões de inteiro teor das matrículas imobiliárias já mencionarem todo o histórico do imóvel e evidentemente de eventuais ônus.

 

E se as certidões foram positivas?

 

Sempre que das certidões pessoais ou reais constar a distribuição de ações cíveis, surge dúvida por conta de a lei fazer alusão a necessidade de apresentação de certidões negativas.

 

É de se destacar, que no que se refere as certidões de ônus reais e fiscais, a própria lei de incorporações, em seu §5ª do aludido artigo 32 assim ressalva: “existência de ônus fiscais ou reais, salvo os impeditivos de alienação, não impedem o registro, que será feito com as devidas ressalvas, mencionando-se, em todos os documentos, extraídos do registro, a existência e a extensão dos ônus”.

 

Ou seja, caso tal ônus não impeça a alienação das unidades futuras, é admitida a inscrição da incorporação, porém, de forma a zelar pela transparência e visando para que os adquirentes possam tomar decisão informada, o registrador indicará em todos os documentos, extraídos do registro da incorporação, a existência e a extensão do ônus (arts. 32, § 5º, e 37 da Lei 4.591).

 

Como exemplo de ônus que impede a alienação encontra-se a cláusula de inalienabilidade imposta em negócios graciosos (bem recebido por doação ou disposição testamentária) e a indisponibilidade decorrente de decisão judicial ou lei[5].

 

Uma dúvida frequente é em relação a penhora do imóvel[6], já que ela não implica na indisponibilidade do bem. A questão é controversa, sendo que a possibilidade de registro da incorporação em imóvel nesta situação poderia ser justificada em razão da taxatividade da lei; a existência de ônus real, salvo os impeditivos de alienação, não impede o registro da incorporação.

 

Por outro lado, a posição no sentido de que a penhora do imóvel seria obstáculo ao registro da incorporação, tem como principal argumento o fato da penhora, apesar de não impedir, limitar a disponibilidade do bem[7]. A venda do bem penhorado configura fraude à execução e é ineficaz em relação ao credor/exequente[8].

 

Tal posição foi inclusive encampada pela Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul, que inseriu na Consolidação Normativa Notarial e Registral, o artigo 773: “Será recusado o registro da incorporação quando houver ônus impeditivo da construção ou da alienação, inclusive no caso de penhora.

 

Impedir o registro da incorporação imobiliária, quando da existência de penhora no imóvel, nos parece o mais razoável, por dois motivos. O primeiro seria para manter a congruência, pois é incompatível permitir o registro de incorporação para venda de unidades futuras, sendo que a alienação delas, enquanto permanecer a penhora, será ilícita [fraude à execução]. O segundo motivo, leva em consideração ter a legislação atribuído ao oficial registrador o poder-dever de avaliar a existência de apontamentos que coloquem em risco a possibilidade de o incorporador adimplir com suas obrigações e concluir o empreendimento. O oficial deve analisar as certidões para “barrar” o registro de incorporação, quando verificar tais riscos, sendo a existência de penhora sobre o imóvel, uma destas situações. Se já na “largada”, o incorporador não consegue quitar o débito que levou a penhora do imóvel, evidente a situação de fragilidade financeira do incorporador e o risco aos futuros adquirentes, especialmente considerando a possibilidade de excussão do terreno, onde se pretende erigir o empreendimento.

 

Uma garantia cada vez mais usual em nosso sistema jurídico é a alienação fiduciária em garantia, sendo interessante mencionar que a existência de gravame fiduciário é impeditiva para o registro da incorporação. O credor (fiduciário) além de não ter a posse direta sobre o imóvel, a propriedade que detém encontra-se sob condição resolutiva expressa. Frisa-se que para o proprietário fiduciário, o imóvel constitui patrimônio afetado, o qual deve ser mantido intacto em sua natureza até que o devedor faça o resgate (pagando a dívida). Se a dívida não for paga, o imóvel fica consolidado na propriedade do credor [Lei 9.514, de 1994]. Sob outra perspectiva, o devedor (fiduciante) não pode efetuar incorporação imobiliária, porque não é proprietário, mas apenas titular de um direito real de aquisição.

 

Para além dos ônus reais, destaca-se que sempre que das certidões pessoais constar apontamento, deve ser exigida certidão complementar, esclarecedora de seu desfecho ou estado atual, salvo quando se tratar de ação que, pela sua própria natureza, possa ser desde logo aferida a inexistência de qualquer repercussão econômica para o empreendimento, ou, relação com o imóvel objeto da incorporação[9].

 

A certidão complementar [objeto e pé], poderá ser substituída por impressão do andamento do processo digital, quando dos andamentos for possível verificar o estado do processo e a repercussão econômica do litígio, conforme o § 14º, artigo 32 da Lei [introduzido pela Lei 14.382/2022]

 

O registrador para avaliar se a ação em andamento ou o protesto existente implica em impedimento ao registro da incorporação, deverá, também, se valer do cotejo da possível dívida [que poderá advir da sucumbência na ação] com o patrimônio do incorporador, assim como verificar se há garantias dadas, de modo a sopesar os riscos aos futuros adquirentes[10].

 

Em resumo nos parece a melhor interpretação da lei que as certidões mencionadas no art. 32, “b” da Lei de incorporação imobiliária, não precisam ser negativas; podem ser positivas, desde que os esclarecimentos prestados sejam idôneos para demonstrar que é viável e possível a conclusão do empreendimento.

 

Entretanto e nessas situações [de existir apontamento/ônus real ou fiscal], o oficial deverá consignar, como ato de averbação, a existência do ônus e no caso das fiscais, das certidões positivas e as positivas com efeito de negativas, de forma a dar publicidade ao apontamento.

 

Rodrigo Elian Sanchez

 

[1] A cobrança do IPTU ou ITR, não se baseia exclusivamente na localização do imóvel [se dentro de área urbana ou de expansão urbana], mas sim também considerando sua destinação econômica, conforme artigo 15 do Decreto-Lei nº 57/66.

[2] TJSP, NSCGJSP, Cap. XX, Item 210.2

[3] Apesar da redação não mencionar, entendemos que também deve ser exibida a certidão dos distribuidores da justiça trabalhista.

[4] TJSP, NSCGJSP, Cap. XX, Item 210.1.

[5] Um exemplo de indisponibilidade legal é a prevista no art. 36 da Lei 6.024/74, que trata dos bens dos administradores das instituições financeiras em intervenção, em liquidação extrajudicial ou em falência.

[6] Ato pelo qual o poder judiciário realiza a individualização e constrição sobre o patrimônio do executado com vistas à garantia da execução, para, na sequência, haver a satisfação. A penhora concede ao credor a preferência, conforme dicção do art. 797 do CPC.

[7] FRANCO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Incorporações Imobiliárias. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1972, p. 69-70.

[8] A alienação de imóvel cuja penhora está averbada perante a respectiva matrícula é considerada fraudulenta e ineficaz em relação ao exequente (art. 792, III e § 1º, CPC).

[9] TJSP, NSCGJSP, Cap. XX, Item 210.3.

[10] BRANDELLI, Leonardo. Condomínio e Incorporação Imobiliária/Celso Maziteli Neto. 1 º ed. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2020 (Coleção Direito Imobiliário; vol. VII/coord. Alberto Gentil de Almeida Pedroso), pg. 372.