artigo | ABUSIVIDADES DOS PLANOS DE SAÚDE: O REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA E A PROTEÇÃO DO ESTATUTO DO IDOSO

ABUSIVIDADES DOS PLANOS DE SAÚDE: O REAJUSTE POR FAIXA ETÁRIA E A PROTEÇÃO DO ESTATUTO DO IDOSO

O “reajuste por faixa etária” é uma questão que vem sendo, frequentemente, levada ao judiciário pelos consumidores. Os planos de saúde argumentam que, conforme o beneficiário vai ficando mais velho, ocorre o aumento da sinistralidade, ou seja, aumenta e utilização dos serviços médicos e, consequentemente, o custo do plano de saúde.

Atualmente, perante o Poder Judiciário, a questão está dividida em duas situações distintas: o reajuste na faixa de “59 anos ou mais”, e os reajustes nas “demais faixas etárias”.

Do Reajuste na faixa de “59 anos ou mais”:

Em relação ao reajuste na faixa de “59 anos ou mais”, os consumidores argumentam que, o aumento por faixa etária seria abusivo, pois, neste caso, os planos estariam ofendendo o Estatuto do Idoso que, em seu artigo 15, parágrafo 3º, veda a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores em razão da idade.

Nesta faixa, o reajuste chega a superar 100%, ou seja, em muitos casos, o beneficiário é surpreendido com um boleto em valor maior que o dobro do mês anterior ao aniversário em que completou 59 anos de idade!

Aparentemente, um reajuste em percentual tão elevado, ainda que justificado no suposto aumento de sinistralidade para tal faixa etária, revela uma forma velada de praticamente expurgar das carteiras, os beneficiários que geram custos maiores em razão da idade.

Há decisões, inclusive, que afirmam que a postura dos planos de saúde –de aplicar reajuste quando o beneficiário atinge 59 anos e não 60 – teria o condão de evitar a aplicação das garantias previstas no estatuto do idoso. Para anular esses reajustes, a comunidade jurídica afirma que o artigo 230 da Constituição Federal estabelece que é dever do Estado assegurar à pessoa do idoso sua dignidade, bem-estar e, principalmente, o direito à vida:
lhes o direito à vida.”

Nesta mesma linha, o Estatuto do Idoso proíbe, expressamente, em seu artigo 15, §3º, a aplicação de reajuste por faixa etária para os beneficiários idosos.

E assim sendo, firmou-se jurisprudência uníssona no sentido de que é proibida a aplicação de reajuste por faixa etária após os 60 anos de idade (nesse sentido, vide a Súmula 91, do TJ/SP, bem como, dentre outros, STJ, 3.ª Turma, REsp 809329 – Rel. Min. NANCY ANDRIGHI – TERCEIRA TURMA).

“Súmula 91: Ainda que a avença tenha sido firmada antes da sua vigência, é descabido, nos termos do disposto no art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, o reajuste da mensalidade de plano de saúde por mudança de faixa etária.”

Para ilustrar a situação, vejam entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual reconhece a nulidade das cláusulas contratuais que impõem reajuste por faixa etária em percentuais absurdos aos 59 anos de idade:

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – PLANO DE SAÚDE – Reajuste da mensalidade por mudança de faixa etária aos 59 anos, no percentual de 107,51% – Reajuste abusivo aos 59 anos que configura clara tentativa de burlar o Estatuto do Idoso – Inteligência do artigo 15, §3° do Estatuto do Idoso e da Súmula n° 91 deste E.TJSP – Decisão mantida – Recurso não provido. (TJ/SP, Apelação Cível n° 0000042-02.2012. Des. Rel. José Carlos Ferreira Alves. Julgamento: 04/09/2012).

Do reajuste em relação “às demais faixas etárias”:

Já em relação aos reajustes nas idades mais jovens, por exemplo “até 18 anos”, “de 19 à 23 anos”, os consumidores argumentam que as operadoras de plano de saúde não teriam bases sólidas para comprovar o aumento da sinistralidade, bem como que o cálculo atuarial realizado pela operadoras de plano de saúde, não poderia ser o único fundamento para reajustes nessas faixas.

Nestes casos, o Poder Judiciário, especificamente o TJSP, tem grande divergência entre suas câmaras: algumas entendem que dependendo do percentual, o reajuste pode ser considerado abusivo, outras são complacentes e afirmam que o clausulado é o válido.

Para avaliar a abusividade nestas demais faixas etárias, o Judiciário utiliza como base a resolução 63 da ANS, a qual define os limites para reajuste de preço por faixa etária nos planos privados de saúde contratados a partir de 2004.

De acordo com a resolução, os reajustes foram divididos em 10 faixas etárias nas quais o beneficiário pode sofrer aumento em razão da mudança, sendo que a resolução afirma que o máximo do reajuste é de 500%, sendo que a variação acumulada entre a 7ª e a 10ª faixa, não poderá ser superior à variação entre a 1ª e a 7ª faixas:

0 (zero) a 18 (dezoito) anos;
19 (dezenove) a 23 (vinte e três) anos;
24 (vinte e quatro) a 28 (vinte e oito) anos;
29 (vinte e nove) a 33 (trinta e três) anos;
34 (trinta e quatro) a 38 (trinta e oito) anos;
39 (trinta e nove) a 43 (quarenta e três) anos;
44 (quarenta e quatro) a 48 (quarenta e oito) anos;
49 (quarenta e nove) a 53 (cinquenta e três) anos;
54 (cinquenta e quatro) a 58 (cinquenta e oito) anos;
59 (cinquenta e nove) anos ou mais.

Não obstante a resolução da ANS, é importante destacar que a mesma deve se manter em harmonia com o art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, que ampara a parte mais fraca da relação, especialmente em relação aos contratos de adesão, que muitas das vezes, contém cláusulas iníquas e abusivas, sem informação prévia e ostensiva sobre seus conteúdos, fulminadas, desde a criação, devendo de rigor, serem consideradas nulas.

E nos contratos de adesão, em que as cláusulas genéricas são pré-estabelecidas, e não podem ser discutidas, modificadas ou recusadas pelo contratante, o negócio jurídico deve ser interpretado de acordo com a intenção das partes, mas sem perder de vista a necessidade de equilíbrio, boa-fé objetiva e justiça contratual, para que os interesses de uma delas não se sobreponham aos da outra de forma lesiva ou excessiva.

E com base no art. 6º, V do CDC, é que se pode requerer a revisão judicial da cláusula contratual – cujo entendimento, repita-se, não é pacífico – por onerosidade excessiva.

No caso em análise, há de se convir que, ainda que haja a previsão contratual de reajuste por mudança de faixa etária, havendo uma abusividade no percentual do reajuste, é possível a revisão/modificação da cláusula pelo Judiciário.

Cumpre trazer decisão do TJSP nesse sentido, para ilustrar:

“Plano de saúde. Ação fundada na abusividade dos reajustes decorrentes de alteração na faixa etária. Cláusula contratual que apenas prevê o aumento, sem fixar os percentuais de reajuste. Ofensa ao artigo 15 da Lei nº 9.656/98 e à norma consumerista, que veda redações obscuras em prejuízo ao consumidor. Ré que não consegue justificar o aumento pretendido nem comprova que o percentual de 56% tenha sido fixado em atenção à Resolução Normativa nº 63/2003. Reajuste manifestamente excessivo e injustificado. Aumentos previstos para incidir a partir dos 60 anos que também não devem subsistir no contrato. Ofensa Estatuto do Idoso e ao parágrafo primeiro do artigo 15 da Lei nº 9.656/98. Valor que deve ser reajustado de acordo com os percentuais autorizados pela ANS. Sentença mantida. Apelo desprovido.
(Relator(a): Ana Lucia Romanhole Martucci; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 24/07/2015; Data de registro: 24/07/2015).

“Plano de saúde. Reajuste por mudança de faixa etária. Abusividade do aumento de 70,99% aplicado à mensalidade da autora por ter completado 56 anos. Incidência do CDC, que veda o reajuste abusivo por parte da seguradora. Percentual manifestamente excessivo e injustificado. Devolução de valores que, no entanto, deve abranger apenas as mensalidades vencidas e pagas a plano de saúde. Reajuste por mudança de faixa etária. Abusividade do aumento de 70,99% aplicado à mensalidade da autora por ter completado 56 anos. Incidência do CDC, que veda o reajuste abusivo por parte da seguradora. Percentual manifestamente excessivo e injustificado. Devolução de valores que, no entanto, deve abranger apenas as mensalidades vencidas e pagas a partir da citação. Recurso parcialmente provido para tanto.
(TJ/SP, Apelação nº 1073569-23.2014.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator: Des. Maia da Cunha, julgado em 30/4/2015).

Por fim, é preciso destacar que, na ocorrência de uma cláusula não redigida de forma clara, dando margem as interpretações ambíguas, levando o consumidor a uma situação de extremo prejuízo, é impositiva a aplicação do artigo 47 do CDC, que determina que, as cláusulas contratuais serão interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor.

Por: Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho