A VALIDADE DA ASSINATURA ELETRÔNICA
Cada vez mais a assinatura eletrônica em documentos é utilizada, seja com ou sem certificação digital. Com base na mais recente jurisprudência sobre o tema, trazemos, nas linhas abaixo, as principais informações necessárias para que as partes signatárias evitem problemas e garantam a validade jurídica do documento.
A assinatura eletrônica tem sua previsão na Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 (“MP 2200”) que, em seu o artigo 10, parágrafos §1º e § 2º, prevê a validade de documentos eletrônicos tanto firmados com certificado digital ICP-Brasil, quanto firmados sem certificado digital ICP-Brasil:
“Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.
§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil.
§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento”.
Mais recentemente, a Lei 14.063/2020 (que dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos), trouxe, especificamente nos arts. 3º e 4º, os conceitos de autenticação e dos diferentes tipos de assinaturas eletrônicas.
No REsp 2159442 – PR, a Ministra Nancy Andrighi, em seu voto, fez um resumo que, dada sua capacidade didática, vale a transcrição:
(i) autenticação: processo eletrônico que permite a identificação eletrônica de uma pessoa natural ou jurídica;
(ii) assinatura eletrônica: associação de dados em formato eletrônico utilizados pelo signatário para assinar nos três níveis de segurança, classificados do menor ao mais elevado, da seguinte forma:
(a) assinatura eletrônica simples: permite identificação do signatário por simples associação de dados;
(b) assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil, ou que utiliza um método alternativo de comprovação de autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, desde que:
(1) seja admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento,
(2) seja inequivocamente associada ao signatário,
(3) utilize dados que permitam ao signatário operar sob o seu controle exclusivo e com elevado nível de confiança e
(4) permita a detecção de qualquer modificação dos dados da assinatura posteriormente à sua execução;
(c) assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificados emitidos pela ICP-Brasil.
O acórdão proferido no referido recurso especial destacou que ambas as formas de assinatura eletrônica (avançada e qualificada) são válidas, sendo que a assinatura “qualificada” seria aquela equivalente à firma reconhecida por autenticidade, e a “avançada” seria aquela equivalente à firma reconhecida por semelhança.
Com relação à assinatura avançada, a ministra, afirmou que ela apenas se diferencia da qualificada no que se refere à força probatória e grau de dificuldade na impugnação técnica, mas que não seria permitido negar validade a um documento com assinatura avançada, simplesmente pelo fato de a autenticação ter sido feita por uma entidade sem credenciamento no sistema ICP-Brasil. De forma didática, trouxe a seguinte analogia: “seria o mesmo que negar validade jurídica a um cheque emitido pelo portador e cuja firma não foi reconhecida em cartório por autenticidade, evidenciando um excessivo formalismo diante da nova realidade do mundo virtual”.
O voto esclarece que “o processo de certificação pelo sistema ICP-Brasil, não excluiu outros meios de validação jurídica de documentos e assinaturas eletrônicos, consoante se verifica no § 2º do art. 10 da MPV 2200/2001 ao referir expressamente “utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade”, e a expressão “meio de comprovação” invariavelmente traz contornos sobre a força probatória do que se pretende provar ou comprovar”.
Para sustentar tal afirmação, a Ministra citou o primeiro Procurador-Chefe do Instituto Nacional da Tecnologia da Informação (“ITI”), segundo o qual:
“A MP 2.200-2, fonte normativa de abrangência geral, adotou uma classificação bipartida das assinaturas eletrônicas. Primeiramente, a partir da previsão do art. 10, §1º, que equiparou a assinatura digital denominada ICP-Brasil à assinatura manuscrita, com referência ao art. 219 do atual Código Civil. Isso implica em dizer que apenas esta assinatura digital agregará presunção de autoria e integridade ao documento eletrônico. …De outro lado, a MP 2.200-2 facultou a utilização de outros mecanismos de comprovação de autoria para o meio eletrônico, que não os do âmbito da ICP-Brasil, de modo que as partes, no exercício de sua autonomia privada, ou aqueles que estabelecem modelos de negócios ou simplesmente optam pela utilização do ambiente digital em suas atividades, possam optar por outras alternativas. Cuida-se, aqui, de um ambiente desregulado e que merecerá o valor probatório a ser aferido a cada caso, pelas próprias partes, ou, em caso de litígio, pelo Poder Judiciário ou pelo Tribunal Arbitral. Esta é a razoável interpretação do disposto no parágrafo segundo do art. 10 da MP 2.200-24, uma vez que vigora no Brasil o princípio da liberdade de forma da declaração de vontade (art. 107 do Código Civil), ao lado da diretriz de que as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos para provar a verdade dos fatos (art. 369 do Código de Processo Civil). (Menke, Fabiano. A Medida Provisória nº 983 e a classificação das assinaturas eletrônicas: comparação com a Medida Provisória nº 2.200-2 de 2001. Disponível em: https://cryptoid.com.br/criptografia-identificacao-digital-id-biometria/a-mp-983-e-a-classificacao-das-assinaturas-eletronicas-comparacao-com-a-mp-2-200-2-por-fabiano-menke/, p. 01-02, g.n.)
E prosseguiu:
“A Medida Provisória n. 2.200-2 não determina a observância compulsória dos requisitos da ICP-Brasil, sob pena de invalidade. A este ponto não chegou o texto legal. Não há que se perder de vista, outrossim, o contido no §2º do art. 10 da Medida Provisória n. 2.200-2…Este dispositivo tem o intuito de flexibilizar a referida regra do § 1º, esclarecendo que as partes têm a liberdade de escolher outros meios de atribuição de autoria que não a assinatura digital ICP-Brasil. A Medida Provisória n. 2.200-2, portanto, não criou uma forma especial obrigatória para o meio eletrônico. E mais, sua disciplina sobre forma e prova dos atos e negócios jurídicos se situa no âmbito do disciplinado no Código Civil, que determina, no art. 107, que a validade de declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Não se verifica, portanto, no texto da Medida Provisória n. 2.200-2, a fixação da forma especial para os procedimentos de atribuição de autoria da ICP-Brasil….O diferencial da assinatura digital da ICP-Brasil, assim, não é atributo de uma pretensa validade exclusiva e absoluta para o meio eletrônico, mas sim de efeitos jurídico-probatórios diferenciados que o documento eletrônico comum não dispõe…. A questão se resolve, pois, no plano da eficácia e não da validade. Esses efeitos jurídico-probatórios diferenciados da ICP-Brasil agregam um maior poder de convencimento sobre a autoria e a integridade do documento eletrônico, portanto, uma segurança jurídica muito mais robusta, ao dificultar sobremaneira (mas não impossibilitar de todo) as alegações de ausência de autoria”. (Menke, Fabiano. Apontamentos sobre o comércio eletrônico no direito brasileiro. In: Coelho, Fábio Ulhoa. Questões de direito comercial no Brasil e em Portugal. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 369-372, g.n.)
Dito de outro modo, a Ministra Nancy Andrighi, interpretando a MP 2200/2001, estabeleceu em seu voto a validade jurídica de documentos eletrônicos e assinaturas com ou sem a utilização de certificado digital, a fim de garantir a segurança nas transações eletrônicas, sem alterar a legislação sobre documentos em papel, reconhecendo a autonomia das partes em escolher métodos de autenticação.
Portanto, como visto, a jurisprudência mais recente sobre o tema tem reconhecido a validade de documentos eletrônicos, mesmo que não atendam a requisitos tradicionais, refletindo a evolução tecnológica nas relações comerciais.
Conclusão:
Em suma, com visto acima, além de previsão legal, o STJ – tribunal responsável por uniformizar a interpretação da lei federal no Brasil, afirmou que a validade das assinaturas eletrônicas deve ser reconhecida, independentemente do método de autenticação, desde que haja acordo entre as partes e que a prova da autenticidade deve ser contestada pela parte que se opõe ao documento.
Isto posto, é de extrema importância fazer constar, nos contratos, cláusula dispondo sobre acordo entre as partes para assinatura eletrônica, seja por certificado digital (art. 10º, parágrafo §1º da MP nº 2200), seja por outros meios (art. 10º, parágrafo §2º da MP nº 2200).
Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho