A ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL: DÚVIDAS E REFLEXÕES EM RELAÇÃO AO NOVO PROCEDIMENTO.

Em 28 de junho de 2022 entrou em vigor a Lei nº 14.382 que alterou dispositivos de diversos diplomas legais, dentre eles a lei dos registros públicos (n° 6.015/73).

 

No que se refere a lei de registros públicos, uma interessante alteração foi no sentido da desjudicialização, com a inclusão do art. 216 -B, pela qual, sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel poderá ser efetivada extrajudicialmente, perante o serviço de registro de imóveis da situação do imóvel.

 

O procedimento judicial e sua evolução

 

A adjudicação compulsória, através da via jurisdicional está prevista em nosso ordenamento jurídico há mais de 70 anos, através da redação dada ao artigo 22 do Decreto Lei n° 58/1937, pela Lei nº 649, de 1949 e, posteriormente, pela Lei nº 6.014, de 1973.

 

Em resumo, nos compromissos de compra e venda de imóveis celebrados em caráter irrevogável e irretratável, tendo sido quitado o preço, e tendo sido o compromisso averbado perante a matrícula do imóvel, o promitente comprador poderá exigir do promitente vendedor a outorga da escritura de compra e venda, e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel, servindo a sentença de procedência, como título para a transferência da propriedade.

 

No correr do tempo, a jurisprudência afastou a exigência da prévia averbação do compromisso de compra e venda perante a matrícula imobiliária, para o exercício da ação de adjudicação compulsória, tendo tal entendimento sido cristalizado, em 2000, com a edição da súmula n° 239 pelo Superior Tribunal de Justiça (“O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”).

 

Por outro lado, obstáculo comum nas ações de adjudicação compulsória é a impossibilidade do registro da sentença, no caso de não ser possível emitir certidão conjunta de débitos administrados pela Receita Federal (PGFN), do vendedor. De acordo com a regra contida no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91 é necessária a exibição da CND do vendedor, para atos de venda de imóveis. Sua dispensa é restrita aos casos em que a alienante for empresa que tenha por atividade a comercialização de imóveis, e que o imóvel a ser alienado não integre seu ativo fixo.

 

Não obstante tal exigência, nos casos em que os registros de imóveis se recusam a registrar a sentença proferida em ação de adjudicação compulsória, por ausência de CND do vendedor, o judiciário tem dispensado sua apresentação (TJSP, Apelação Cível n° 9000003-22.2009.8.26.0441, Rel. Des. José Renato Nalini, DJ: 05/03/2013).

 

As razões para afastar tal exigência são tanto de direito material, já que o promitente comprador teria lesado seu lídimo direito à propriedade [garantia fundamental elevada à cláusula pétrea , art. 5°, XXII, CF/88], como de índole prática, pois ao se negar o registro, pela ausência da certidão negativa de tributos do vendedor, se forçaria o interessado a buscar – via ação de usucapião, modo originário de aquisição da propriedade -, o reconhecimento do seu direito real sobre a coisa, o quê além de criar embaraço para o adquirente, também traria nova e desnecessária movimentação da máquina judiciária.

 

Neste sentido e no Estado de São Paulo, a Corregedoria Geral de Justiça inseriu o item 60.2, no Capítulo XVI, das Normas de Serviço do Extrajudicial:

 

“60.2. Nada obstante o previsto nos arts. 47, I, b, da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991, e no art. 257, I, b, do Decreto n.º 3.048, de 6 de maio de 1999, e no art. 1.º do Decreto n.º 6.106, de 30 de abril de 2007, faculta-se aos Tabeliães de Notas, por ocasião da qualificação notarial, dispensar, nas situações tratadas nos dispositivos legais aludidos, a exibição das certidões negativas de débitos emitidas pelo INSS e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e da certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tendo em vista os precedentes do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de inexistir justificativa razoável para condicionar o registro de títulos à prévia comprovação da quitação de créditos tributários”

 

Do procedimento extrajudicial

 

Feitas tais considerações, voltemos para o novo art. 216-A da Lei de Registros Públicos. Em referida norma foram estabelecidos os requisitos para o procedimento extrajudicial. São eles, a apresentação dos seguintes documentos, perante o oficial do registro de imóveis:

 

I – instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;

II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;

III – certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;

IV – comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);

 

A redação da norma, em nosso sentir, poderia ser mais detalhista, especialmente no que se refere ao inciso primeiro, pois sabemos que não é qualquer compromisso de venda e compra que dá direito a adjudicação compulsória, mas apenas os que são celebrados sem possibilidade de arrependimento.

 

Por outro lado, é de se destacar que em seu texto original, constava o §2°, que foi vetado. Sua redação era a seguinte: “§ 2º O deferimento da adjudicação independe de prévio registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão e da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor.”

 

Tal parágrafo, dispensava expressamente o prévio registro do instrumento de compra e venda perante a matrícula do imóvel, bem como a exibição da CND – Receita Federal do promitente vendedor.

 

Questão tormentosa será como os registradores e as corregedorias dos tribunais de justiça estaduais (que regulam o serviço notarial) irão interpretar referido veto. Tal ponderação é feita, em razão do veto poder ser interpretado como necessidade da observância de tais condições, o que tornaria o procedimento extrajudicial, de certo modo, mais tormentoso que o judicial.

 

Por outro lado, entendemos que do veto não se pode presumir a existência de tais requisitos, pois se não constou a dispensa, também não constou referidas exigências, na redação final do art. 216-B. Assim, insuscetível, de se exigir algo que a lei não previu, a teor do princípio da legalidade (art. 5°, II, CF/88: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”).

 

É relevante destacar, que as mesmas razões que se aplicam para dispensar a CND da Receita Federal do promitente vendedor, no caso de o procedimento ser judicial, devem ser aplicados ao procedimento extrajudicial, já que inexiste elemento distintivo entre os procedimentos, que permita a aplicação de entendimento diverso, sob pena de se ferir o princípio da igualdade.

 

Feitas tais ponderações, vemos como muito bons olhos o novo instituto e especialmente a possibilidade de as partes resolverem seus conflitos fora da esfera judicial, desde que sejam juridicamente capazes. Evidente, que o novo instituto terá maior aderência à realidade social, caso a interpretação do art. 216-B da lei de registros públicos seja razoável e não enverede para imposição de obstáculos não previstos em lei; o que esperamos que se suceda.

 

Rodrigo Elian Sanchez