FOLHA DE SÃO PAULO – NOVAS REGRAS DIFICULTAM CESÁREA EM PLANO DE SAÚDE

 

FOLHA DE S. PAULO – 5.7.15

 

Novas regras dificultam cesárea em plano de saúde

Há quatro meses, Virgínia Carvalho, 36, recebeu o aviso de que a obstetra que a acompanhava pelo plano de saúde não poderia mais atendê-la na hora do parto. Cesárea? Só particular, ao custo total de R$ 8.000.

 

“Estou ainda sem saber o que fazer”, conta ela, hoje aos sete meses de gravidez.

 

O motivo são as novas regras da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para partos nos planos de saúde, que entram em vigor nesta segunda-feira (6).

 

A medida visa diminuir o número de cesarianas nas operadoras –atualmente, esse índice é de 85%. Na pública, a taxa é de 40%.

 

Quem prefere a cirurgia, porém, já sente as mudanças. A principal delas se deve à exigência de os médicos preencherem um partograma, que mostra a evolução do trabalho de parto.

 

O documento será um dos requisitos para que a operadora pague o médico, além de ser um meio de fiscalizar se uma cesárea foi feita sem necessidade. Na prática, a medida acaba por barrar cesáreas marcadas com antecedência –o que tem afastado médicos dos planos.

 

Informada pela médica de que, caso quisesse fazer cesárea, só poderia ter atendimento particular, Virgínia cogitou um reembolso da operadora, que negou a possibilidade.

 

Em uma quase “cruzada” pelo atendimento, procurou então a ANS e o Procon e já planeja recorrer à Justiça.

 

Entre outras mães, a reclamação é a mesma. “Se antes era difícil encontrar quem fizesse parto normal pelo plano de saúde, agora é difícil encontrar quem faça cesárea”, conta uma professora universitária, que pede para não ser identificada.

 

Nos últimos dois meses, ela procurou quatro médicos diferentes no plano de saúde.

 

Chegou a pensar em parir em um dos hospitais conveniados –até saber que havia apenas um plantonista.

 

Desistiu da ideia: vai pagar o serviço particular para a equipe da médica que já a acompanhava no pré-natal. “Essa lei foi proposta para dar liberdade à mulher, mas também tira o direito daquela que quer fazer cesárea.”

 

Ainda na 28ª semana de gestação, a secretária Thaís Barreto, 26, diz que foi aconselhada pela médica a procurar outro obstetra se insistisse no parto cirúrgico. “Ela disse que, com a nova lei, não teria nenhuma possibilidade”, relata. Thais prefere a cesárea por ter tido complicações no parto anterior.

 

Para José Hiran Gallo, do Conselho Federal de Medicina, médicos não podem deixar de atender devido à nova regra. “Isso é abominável.”

 

Grávida terá de assinar termo sobre tipo de parto

 

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) nega que as novas regras possam trazer prejuízos às pacientes, como um possível cenário de desassistência para quem prefere cesárea.

 

O órgão diz que o parto é um dos procedimentos obrigatórios dos planos de saúde e recomenda às gestantes que, em caso de problemas, entrem em contato com a operadora, que deve disponibilizar outro obstetra.

 

“As operadoras não podem negar a cobertura, ou estarão sujeitas às penalidades previstas pela legislação”, afirma a ANS em nota.

 

Para evitar problemas, a agência planeja finalizar ainda neste mês, em parceria com entidades médicas, um termo de consentimento livre e esclarecido, que deve ser assinado pelas gestantes.

 

A ação visa impedir que médicos deixem de atender a quem quer o procedimento. “A paciente tem essa opção. É dada pela própria Constituição e no Código de Ética Médica, então não podemos excluir esse direito”, diz a gerente de regulação assistencial da ANS, Raquel Lisbôa.

 

Em janeiro, no entanto, o então presidente da agência, André Longo, afirmou que os planos poderiam reter o pagamento dos médicos caso o partograma mostrasse que houve uma cesárea “desnecessária”. “É tudo o que a operadora quer”, disse.

 

Com a nova medida, os médicos deverão anexar o termo de consentimento junto a um relatório para que possam receber pelo serviço.

 

A solução, no entanto, ainda gera embate com obstetras. O principal motivo é o prazo: para a ANS, o ideal é que a mulher assine o termo só na 39ª semana, no fim da gravidez, o que garantiria que a cesárea não foi antecipada.

 

Já os médicos defendem que haja um acordo logo após as primeiras consultas.

 

“Faltando 15 minutos, não dá para dizer: ‘Assine aqui'”, diz José Hiran Gallo, do Conselho Federal de Medicina.

 

Em nota, a FenaSaúde, entidade que representa as maiores operadoras de planos de saúde, diz que a opção por parto normal ou cesárea é um “direito da gestante”.

 

“Quando a parturiente não acatar a orientação do médico, é de praxe a paciente assinar termo de responsabilidade por sua escolha”, diz.

 

A associação diz ainda que não tem registros de descredenciamento de obstetras dos planos devido à nova norma.

 

TAXAS DE CESÁREAS

 

Além do partograma, as novas regras preveem que os pacientes possam solicitar as taxas de cesárea de profissionais e hospitais. A ideia é auxiliar as mulheres que desejam fazer o parto normal a encontrarem o serviço.

 

A medida é vista pela categoria como uma forma de “condenar” os profissionais.

 

“Colocar um carimbo no médico com o número de cesáreas não vai resolver”, diz o diretor da Sogesp (associação de obstetrícia e ginecologia de São Paulo), César Eduardo Rodrigues.

 

Para ele, a divulgação das cesáreas por obstetra pode gerar interpretações erradas –em casos, por exemplo, em que o médico é especialista em gestação de alto risco.

 

NATÁLIA CANCIAN

DE BRASÍLIA