AS QUOTAS PREFERENCIAIS COMO FORMA DE ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO DAS SOCIEDADES LIMITADAS E SEUS REFLEXOS NA ATRAÇÃO DE INVESTIMENTOS
No Brasil, predomina o princípio da proporcionalidade entre o poder político e o poder econômico nas sociedades empresárias, representado pela ideia de uma ação-um voto.
Conforme Krueger (2012, p. 85-86, apud Castela, 2019, p. 14) pelo princípio da proporcionalidade, “os direitos inerentes a um título acionário devem corresponder estritamente à participação que ele representa na companhia”.
Nas sociedades anônimas, a flexibilização desse princípio vem exposta em vários artigos da Lei 6.404/76, mas principalmente no artigo 15, que prevê:
“Art. 15. As ações, conforme a natureza dos direitos ou vantagens que confiram a seus titulares, são ordinárias, preferenciais, ou de fruição.
§ 1º As ações ordinárias e preferenciais poderão ser de uma ou mais classes, observado, no caso das ordinárias, o disposto nos arts. 16, 16-A e 110-A desta Lei.
§ 2º O número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinquenta por cento) do total das ações emitidas.”
Nos termos do 17 da Lei 6.404/76, as ações preferenciais são valores mobiliários dotados de preferências e vantagens em relação às ações ordinárias, mais comumente no que se refere ao recebimento de dividendos e reembolso do capital investido, e em contrapartida, sofrem limitações em alguns direitos conferidos ao acionista, observados os requisitos e limites estabelecidos pela lei, mais comumente no exercício do direito de voto.
Em outras palavras, elas permitem separar o controle societário da propriedade das ações. A despeito das numerosas críticas feitas à esta estrutura de capital, não há dúvida que ela possibilita uma maior eficiência na condução dos negócios sociais, ao permitir a captação direta de recursos no mercado, sem que isto represente a transferência da gestão do patrimônio social para acionistas que, por diversos fatores pessoais, não tenham interesse ou capacidade para tanto.
Nos dizeres de Lígia Padovani Castela:
“Importante ressaltar que a variedade de características e formas de organização do capital social colocadas à disposição das sociedades de capitais, como é o caso das sociedades por ações, decorre mesmo das exigências da prática empresarial verificadas ao longo do tempo. Enquanto o lema uma ação, um voto em voga, resiste à possibilidade da presença de acionistas “desiguais” nas companhias, os participantes do mercado demonstraram que – muitas vezes – não estão interessados no controle da sociedade e desejam mesmo ser titulares passivos de papéis que lhes tragam apenas bons retornos financeiros.
Nesse contexto, foram criadas as ações preferenciais sem direito de voto, como mais uma forma de organização da estrutura de capital nas sociedades por ações, como esclarece a professora Rachel Sztajn: “Reconhece-se que muitos acionistas não desejam participar da administração da sociedade, nem mesmo votando nas assembleias gerais. Daí a criação de ações sem direito de voto”.
Disto se conclui que a utilização adequada das ações preferenciais estimula o mercado e o desenvolvimento da empresa, ao permitir a associação de acionistas com características e interesses distintos, sem que isso importe em prejuízo à condução dos negócios sociais.
Para as sociedades limitadas, a flexibilização do princípio da proporcionalidade entre o poder político e o poder econômico somente passou a ser aceito a partir da vigência da Instrução Normativa nº 81/2020 do Departamento do Registro Empresarial e Integração (DREI).
Até então, as sociedades limitadas estavam impedidas de criarem classes diferentes de quotas, com vantagens e limitações relativamente aos direitos dos sócios.
Editada sob a lógica proposta pela Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), a IN 81/2020 teve como maior objetivo a eficiência econômica, através da desburocratização do exercício da atividade empresarial, da simplificação dos procedimentos e do fortalecimento da autonomia privada, a fim de criar um ambiente de negócios mais atrativo para empresários e investidores[1].
No item 5.3.1 do Anexo IV do Manual de Registro das Sociedades Limitadas está previsto:
“5.3.1. Quotas Preferenciais
São admitidas quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser suprimido ou delimitado o direito de voto pelo sócio titular de quota preferencial respectiva, observados os limites da Lei n. 6.404 de 1976, aplicada supletivamente.
Havendo quotas preferenciais sem direito a voto, para efeito de cálculo dos quóruns de instalação e deliberação previstos no Código Civil, consideram-se apenas as quotas com direito a voto.”
Ou seja, a criação de quotas preferenciais deve guardar compatibilidade com os requisitos e limites da Lei das S/A, sendo vedada, assim como para as ações na sociedade anônima, sua instituição sem a contrapartida da vantagem patrimonial ou econômica, por representar um desvirtuamento de sua finalidade. Nas palavras de Nelson Eizirik[2]:
“A emissão de ações preferenciais sem direito a voto pressupõe a atribuição de uma vantagem de natureza patrimonial ou econômica, em comparação com as ações ordinárias, como forma de compensar seus titulares pela não participação no poder político da companhia. Com efeito, não existe ação preferencial sem a atribuição de uma vantagem patrimonial ao acionista, visto que a subtração do direito de voto somente é legítima enquanto compensada por um privilégio econômico, na repartição dos lucros ou no reembolso de capital.”
Do ponto de vista do investidor, cujo foco sejam apenas os direitos patrimoniais advindos das quotas, a permissão para a sociedade limitada emitir quotas preferenciais, permite uma nova possibilidade de investimento, sem a necessidade de constituição de uma sociedade anônima, mais custosa e burocrática.
Do ponto de vista da empresa, a medida possibilita uma melhor organização do poder político, restringindo o direito de voto dos sócios que, por inaptidão, devam ser desvinculados da condução do negócio, sem prejudicar seus direitos patrimoniais.
Ainda do ponto de vista da empresa, a medida proporciona maior capacidade para atrair investimentos, na medida em que o investidor terá maior previsibilidade sobre a forma e as estratégias de condução do negócio, centradas na figura do sócio que já controla a sociedade e conduz de forma eficiente a empresa.
Como nas sociedades anônimas, portanto, a possibilidade de criação de quotas preferenciais nas sociedades limitadas, constitui notável mecanismo de governança dentro dessas organizações e de atração de investimentos, ao permitir um arranjo eficiente do poder político dessas sociedades.
Contudo, para que todo o potencial desse arranjo societário seja bem aproveitado, é indispensável que o contrato social possua regras claras e bem definidas quanto às vantagens e limitações dessas classes de quotas.
Para tanto, a assessoria de advogados é essencial para o sucesso dessa estrutura. Nosso escritório conta um uma equipe especializada para auxiliar empresários e investidores na busca pela melhor forma de governança e estruturação do poder político e econômico nas sociedades limitadas.
Flávia de Faria Horta Pluchino
Bibliografia
EIZIRIK, Nelson. Direito societário – estudo e pareceres. São Paulo: Quartier Latin, 2015, BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo.
CASTELA, Lígia Padovani. Ações preferenciais: os impactos na governança corporativa e sua exclusão do Novo Mercado da B3. Tese (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2019.
BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
BRASIL. Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976.
BRASIL. Lei 13.874 de 20 de setembro de 2019.
[1] PEREIRA, Julia. Quotas preferenciais nas sociedades limitadas: estímulo para o planejamento. Consultor Jurídico, nov. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-out-08/julia-barufaldi-quotas-preferenciais-sociedades-limitadas. Acesso em: 13 nov. 2023.
[2] EIZIRIK, Nelson. Direito societário – estudo e pareceres. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 301.