BOLETIM INFORMATIVO – DEZEMBRO 2023

Boletim RES, Advogados

Dezembro de 2023

 

Prezados Srs., neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: sucessório, processual civil, empresarial e trabalhista.

 

No campo do direito sucessório, abordamos os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça sobre a integração das previdências privadas aos bens objeto do inventário.

 

No espaço reservado para o direito processual civil, tratamos sobre as recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre as astreintes.

 

Na área do direito empresarial, analisamos a proteção dos acionistas minoritários pela Lei das Sociedades por Ações e sua correlação com o aprimoramento da grande empresa.

 

Por fim e no campo do direito trabalhista é analisada a obrigatoriedade de equidade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens.

 

Lembramos que em nosso site, você pode sempre encontrar notícias atualizadas; uma boa leitura!

 

 

 

Índice:

 

Direito Sucessório:

 

Sobre a previdência complementar aberta: quando ela pode ser objeto de inventário e quando pode ser transmitida diretamente aos beneficiários, sem a necessidade de inventário.

Fls………………………………………………………………………………………………………….04-13

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho e Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi

 

Direito Processual Civil:

 

Os astreintes nas recentes decisões do STJ.

Fls………………………………………………………………………………………………………….14-19

Rodrigo Elian Sanchez

 

Direito Empresarial:

 

A Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976 e a proteção dos acionistas minoritários como fator essencial para o desenvolvimento econômico.

Fls………………………………………………………………………………………………………….20-27

– Flavia de Faria Horta Pluchino

 

Direito Trabalhista:

 

Obrigatoriedade de igualdade salarial entre mulheres e homens.

Fls………………………………………………………………………………………………………….28-30

– Eduardo Galvão Prado

 

 

 

Sobre a Previdência Complementar Aberta: Quando Ela Pode ser Objeto de Inventário e Quando Pode ser Transmitida Diretamente aos Beneficiários, sem a Necessidade de Inventário.

 

1. Breve introdução da história da previdência no Brasil:

 

A previdência no Brasil não é tão antiga. Ela iniciou em 1923, com a lei denominada “Lei Eloy Chaves”, que foi pioneira em criar regulamentações sobre aposentadorias e pensões, mais precisamente os CAPs (Caixas de Aposentadorias e Pensões) mas apenas no setor ferroviário. Cada “CAP” respondia pelo pagamento dos aposentados de uma determinada empresa.

 

Entre os anos de 1920 e 1930 os CAPs se estenderam para outros ramos, tais como aviação, navegação marítima e portuária.

 

Em 1933, além dos CAPs, foram criados os “Institutos de Aposentadorias e Pensões” (IAPs). Basicamente, a diferença era que, enquanto a CAP era responsável pelas aposentadorias de uma única empresa, o IAP beneficiava toda uma categoria profissional e era de abrangência nacional.

 

Em 1960, houve a unificação das normas dos CAPs e IAPs, incluindo a fixação de um valor máximo de contribuições e estabelecendo os benefícios. Em seguida, em 1966 o CAPs e o IAPs foram extintos, dando origem ao Instituo Nacional de Previdência Social (INPS).

 

Pouco tempo depois, em 1990 o INPS também foi extinto e houve a criação do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o atual órgão que administra a previdência pública.

 

2. Sistema de previdência atualmente em vigor no Brasil:

 

Antes de adentrar ao tema principal do presente artigo, é adequado e pertinente explicar que a previdência no Brasil, atualmente, se divide em pública e privada, sendo que a principal distinção entre elas é, em resumo, a sua acessibilidade.

 

A previdência pública, como o próprio nome diz, pode ser contratada por qualquer pessoa, podendo ser física ou jurídica. Já a previdência privada – que se subdivide em fechada e aberta – é destinada a usuários específicos.

 

A previdência privada fechada se caracteriza por sociedades ou fundações criadas com objetivo de instituir planos privados de concessão de benefícios complementares ou assemelhados aos da previdência social, acessíveis aos empregados ou dirigentes de uma empresa ou de um grupo de empresas, que por sua vez são denominadas patrocinadoras (ex. AvonPrev, EmbraerPrev, Gerdau Previdência etc.). Elas são fiscalizadas pela Susep (Superintendência de Seguros Privados).

 

A previdência privada aberta é aquela corriqueiramente oferecida por bancos e seguradoras, são exemplos: o VGBL e o PGBL. O PGBL “Plano Gerador de Benefício Livre” é classificado como uma previdência complementar e o VGBL “Vida Gerador de Benefício Livre” classificado como um seguro pessoal.

 

E é sobre esses produtos de previdência privada aberta oferecidos pelos bancos e seguradoras que iremos discorrer no presente artigo.

 

3. As peculiaridades que caracterizam a previdência como aposentadoria ou como investimento:

 

Feitas as explicações acima, é importante esclarecer que a previdência pode ser utilizada tanto como um sistema de aposentadoria, quanto como um investimento.

 

O ponto é que, a depender das especificidades do caso concreto, ou seja, se ficar caracterizado que a previdência foi utilizada como meio de investimento, os valores aportados em planos de previdência privada complementar aberta devem integrar o inventário como herança e ser objeto da partilha (REsp 2.004.210).

 

Todo o imbróglio gira em torno de como a natureza dos aportes financeiros é interpretada, ou seja, analisar as especificidades do caso concreto para avaliar se aquele produto é um investimento, ou uma aposentadoria com características de pensão, na medida em que “o denominado plano VGBL, nos termos do art. 794 do Código Civil, tem natureza de contrato de seguro de vida, não integrando o acervo hereditário do de cujus, para todos os fins de direito, o que afasta, por consequência, a incidência do ITCMD.”[1]

 

Para que a previdência privada complementar aberta não necessite ser transmitida por inventário em caso de falecimento do titular, deve haver características de que sua finalidade quando constituída, era a de pensão/aposentadoria.

 

Além disso, e ainda que o titular opte por realizar um aporte de valor elevado em uma fase já avançada da vida, deve ficar atento para que o montante aplicado não seja maior do que o limite de 50% que a lei fixa para que o titular dos bens possa deles dispor livremente, em prejuízo dos herdeiros necessários.

 

No voto-vista proferido no Recurso especial mencionado acima (REsp 2.004.210) a ministra Isabel Gallotti analisou a questão com lupas, tendo acompanhado a posição do relator e feito um importante destaque: em caso de morte do titular, o saque dos recursos pelo beneficiário não pode prejudicar a legítima pretensão dos herdeiros necessários, destacando que “entendimento contrário, data maxima venia, tornaria possível que, a margem do regime sucessório disciplinado por lei cogente, fosse permitida a burla à legítima em prol de terceiros ou de apenas um dos herdeiros necessários”.

 

Vem se consolidando, portanto, o entendimento de que quando uma pessoa já em idade avançada faz um aporte único de um valor expressivo que possui, para investimento em um plano de previdência privada aberta, há o risco de a fazenda estadual questionar a finalidade do aporte (sob o argumento de simulação para fugir da incidência do imposto causa mortis – ITCMD) e, com isso, não só fazer o valor ser transmitido por inventário, como também fazer incidir o ITCMD.

 

Os critérios utilizados para caracterizar o desvirtuamento do PGBL ou do VGBL são, em geral: (i) o resgate a curto prazo desacompanhado de risco social (ex. óbito do participante);  (ii) a alocação de boa parte do patrimônio em tais fundos com o intuito de mera multiplicação de recursos; (iii) blindagem patrimonial (ocultação de numerário em detrimento de credores, herdeiros e cônjuge meeiro); e (iv) má-fé a depender de análise caso a caso, para sopesar  o tempo de acumulação, a periodicidade, a situação econômica do participante etc.

 

Nessa mesma linha de entendimento é a lição de Ana Luiza Maia Nevares:

 

“A questão, de fato, é tormentosa, uma vez que o VGBL e o PGBL, embora tenham natureza securitária, constituem capital de titularidade do segurado, que o administra da maneira que lhe convém, podendo sacá-lo a qualquer tempo. Enquanto tal capital não resta convertido em renda periódica, a previdência privada é um investimento como outro qualquer, razão pela qual não só devem ser tributados, como também devem ser contabilizados para fim de colação ou de partilha decorrente do regime de bens. Realmente, de outra maneira, seria fácil burlar a legítima, bastando que o autor da herança aplicasse todos os seus recursos financeiros em um VGBL, por exemplo, destinando-o a apenas um dos herdeiros necessários em caso de falecimento, ou mesmo burlar o regime de bens, na hipótese em que um cônjuge aplicasse os recursos do casal em investimento como o ora mencionado, nomeando um terceiro como beneficiado.” (NEVARES, Ana Luiza Maia. Perspectivas para o planejamento sucessório in Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, n. 18, nov./dez. 2016, p. 19/20).”

Este também foi o entendimento da 3ª Turma do STJ no seguinte precedente:

 

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO SUCESSÓRIO. AÇÃO DE INVENTÁRIO E PARTILHA. COMORIÊNCIA ENTRE CÔNJUGES E DESCENDENTES. COLAÇÃO AO INVENTÁRIO DE VALOR EM PLANO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA ABERTA. NECESSIDADE. REGIME MARCADO PELA LIBERDADE DO INVESTIDOR. CONTRIBUIÇÃO, DEPÓSITOS, APORTES E RESGATES FLEXÍVEIS. NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO PREVIDENCIÁRIO. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA. DESSEMELHANÇAS ENTRE OS PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA, ESTE ÚLTIMO INSUSCETÍVEL DE PARTILHA. NATUREZA SECURITÁRIA E PREVIDENCIÁRIA DOS PLANOS PRIVADOS ABERTOS VERIFICADA APÓS O RECEBIMENTO DOS VALORES ACUMULADOS, FUTURAMENTE E EM PRESTAÇÕES, COMO COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA. NATUREZA JURÍDICA DE INVESTIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA ANTES DA CONVERSÃO EM RENDA E PENSIONAMENTO AO TITULAR. BEM PERTENCENTE À MEAÇÃO DA CÔNJUGE IGUALMENTE FALECIDA QUE DEVE SER OBJETO DE PARTILHA COM SEUS HERDEIROS ASCENDENTES. 1- Recurso especial interposto em 13/02/2017 e atribuído à Relatora em 02/03/2018. 2- O propósito recursal consiste em definir se deve a inventariante colacionar o valor existente em previdência complementar privada aberta na modalidade PGBL ao inventário do falecido, especialmente na hipótese em que houve comoriência entre o autor da herança, a seu cônjuge e os seus filhos, figurando como herdeiros apenas os ascendentes do casal. 3- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira. 4- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão, apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG). 5- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida. 6- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002. 7- Na hipótese, tendo havido a comoriência entre o autor da herança, seu cônjuge e os descendentes, não havendo que se falar, pois, em sucessão entre eles, devem ser chamados à sucessão os seus respectivos herdeiros ascendentes, razão pela qual, sendo induvidosa a conclusão de que o valor existente em previdência complementar privada aberta de titularidade do autor da herança compunha a meação do cônjuge igualmente falecido, a colação do respectivo valor ao inventário é indispensável. 8- Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp n. 1.726.577/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 1/10/2021)”.

 

E nessa mesma linha há diversos julgados das 3ª e 4ª Turmas do STJ, (REsp 1.880.056/SE, REsp 1.698.774/RS, REsp 1.726.577/SP, AgInt no AREsp 921.715/SP, REsp 1.593.026/SP e AgInt no AREsp 1813193/SP).

 

Por outro lado, as 1ª e 2ª Turmas do STJ, por várias vezes (AgInt no AREsp 1702870/RS, AgInt no AREsp 1847351/RS, REsp 1963482/RS, REsp 1961488/RS, REsp 1961488/RS), concluíram que a natureza jurídica dos referidos planos seria previdenciária ou securitária, ou seja, que não devem integrar o inventário para fins de herança.

 

4. Conclusão:

 

Assim sendo, diante das questões acima colocadas e das decisões citadas, podemos concluir que a depender da forma como for instituído, os valores aportados em planos de previdência privada aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, poderão ser vistos como investimento e, com isso, em caso de falecimento do titular, ser objeto de inventário e partilha, bem como recolhimento do imposto causa mortis.

 

Portanto, é importante ter cautela quando instituições financeiras e seguradoras oferecerem seus produtos como ferramenta de “planejamento sucessório”, tais como os próprios planos de previdência (VGBL/PGBL) alegando ser vantagem que evitaria o recolhimento de imposto causa mortis, já que em caso de óbito do titular, e a depender das especificidades do caso concreto, a administração tributária poderá instaurar um processo administrativo para averiguar a operação e exigir o pagamento do ITCMD, fazendo com que os valores aportados integrem o inventário como herança e sejam objeto da partilha.

 

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho e Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi

 

 

 

Os Astreintes nas Recentes Decisões do STJ.

 

Dentre as medidas que o juiz pode se utilizar para induzir uma das partes do processo a cumprir com uma obrigação de fazer ou deixar de fazer, a fixação de multa (§1º, art. 536, CPC) é uma das mais corriqueiras. O prazo para o cumprimento da ordem judicial é usualmente fixado em dias e, portanto, as multas, também costumam serem fixadas, por dias de descumprimento, porém, nada obsta que sejam fixadas em horas, meses etc.

 

No vocabulário jurídico esta multa processual, de caráter coercitivo que visa “convencer” o executado de que é melhor cumprir a decisão é chamada astreintes.

 

As astreintes já foram objeto de acalorados debates, especialmente na égide do Código de Processo Civil de 1973. O principal girava em torno de sua natureza, se indenizatória [pena privada] ou coercitiva.

 

Se sua natureza fosse indenizatória, faria sentido que a quantia arrecadada com a sua aplicação revertesse em favor do próprio credor da obrigação que se busca induzir o devedor a cumprir. Por outro lado, se sua natureza fosse de preservação da autoridade das decisões judiciais, a quantia não poderia ser revertida em benefício do credor, mas deveria ser direcionada aos cofres públicos.

 

O Superior Tribunal de Justiça em intenso debate durante o julgamento do Recurso Especial nº 949.509 – RS, chegou ao entendimento de que as astreintes visam impelir o réu a cumprir a obrigação e servem para compensar o demandante pelo tempo pelo qual permanece privado de fruir do bem da vida que lhe fora concedido, seja antecipadamente, por meio da tutela antecipada, ou definitivamente face a prolação da sentença. Neste sentido, o credor da obrigação é o beneficiário do valor arrecadado com a cobrança dos astreintes.

 

Após a definição jurisprudencial, e com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, a regra contida no §2º, art. 537, colocou a “pá de cal” na referida discussão, ao estipular que o beneficiário da multa é o exequente.

 

Porém, continuou tormentosa a questão relacionada ao cumprimento provisório da decisão que fixa multa diária. Imaginemos que em uma ação judicial se discuta a validade de um contrato de empréstimo, e que o correntista afirme que não foi ele quem contratou aquela operação. À luz das provas iniciais, o juiz concede liminar para o Banco se abster de descontar da conta corrente do consumidor as parcelas do empréstimo. É fixado prazo para cumprimento, sob pena de cobrança de multa diária fixada. O Banco recebe a determinação judicial e não a cumpre dentro do prazo determinado, incorrendo na multa diária. Poderia, o Autor da ação já “exigir a multa”, mesmo que o processo ainda não tenha sido sentenciado?

 

O STJ na vigência do Código de Processo de 1973 perfilava entendimento pelo qual as astreintes sujeitam-se a exigibilidade secundum eventum litis, de modo que a reforma da decisão que a concedeu ou a prolação de sentença em sentido contrário torna sem efeito a multa aplicada[2].

 

Neste sentido e ainda em 2014, a discussão em relação à possibilidade da execução provisória da multa diária fixada, em sede de antecipação de tutela, levou o STJ em julgamento de recurso especial julgado sob o rito dos repetitivos (Tema 743), a fixar a seguinte tese:

 

A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.

 

Esta lógica foi parcialmente quebrada com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, já que o novel código reforça a eficácia das decisões interlocutórias, de modo promover a garantia a razoável duração do processo. Na exposição de motivos do CPC 2015, o legislador declara ser seu objetivo assegurar o “princípio da razoável duração do processo, já que a ausência de celeridade, sob certo ângulo, é ausência de justiça”. Assim e com o objetivo de favorecer um processo mais ágil, permitiu a execução provisória das astreintes.

 

A regra contida no §3º do art. 537, tinha a seguinte redação: “A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos incisos II ou III do art. 1.042”.

 

Com pouquíssimo tempo de vigência do código, referida regra foi alterada pela Lei nº 13.256, de 2016, tendo passado a atual redação: “A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte”.

 

A solução não é ótima e recebeu críticas, já que retirou parte da eficácia das decisões interlocutórias e avançou timidamente quando permitiu que seja executada provisoriamente a multa diária. O ponto positivo está em obrigar o réu recalcitrante a ter que desembolsar o valor e depositá-lo em juízo. Entretanto, o autor da ação terá que aguardar até o trânsito em julgado para realizar o levantamento da importância, a não ser que ofereça caução.

 

Assim, e em razão da tese fixada pelo STJ quando do julgamento do Tema 743 ter como fundamento legal o CPC/1973, entendeu-se que tal precedente já não mais produzia efeitos, especialmente em razão da inovação legal.

 

No entanto, em 23 de novembro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça ao julgar os Embargos de Divergência 1.883.876/RS, em movimento contrário à evolução legislativa, resolveu reafirmar a jurisprudência (em caráter vinculante) fixada no tema 743, de modo a impedir a execução provisória das astreintes antes da sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.

 

A decisão não deixa de ser surpreendente, pois atenta contra a força imediata de conteúdos decisórios e ao princípio da celeridade, ideais centrais do Código processual de 2015. Por outro lado, a decisão se faz mais ainda surpreendente, já que atenta contra o texto da lei federal.

 

O acórdão referente a esta recente decisão ainda não foi disponibilizado, o que impede análise mais acurada e alimenta alguma esperança no sentido de que o retrocesso seja menor, a depender do texto final a ser publicado.

 

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

 

A Lei 6.404 de 15 de Dezembro de 1976 e a Proteção dos Acionistas Minoritários como Fator Essencial para o Desenvolvimento Econômico.

 

Com o objetivo primordial de fomentar o desenvolvimento econômico, foi promulgada, em 15 de dezembro de 1976, a Lei 6.404, conhecida como lei das sociedades anônimas. Seu objetivo primordial foi o fortalecimento do mercado de capitais brasileiro, através da criação de uma estrutura jurídica que estimulasse o direcionamento voluntário da poupança popular ao setor empresarial, através da criação de regras definidas e equitativas, que assegurassem ao acionista minoritário segurança e rentabilidade de um lado, sem engessar o empresário em suas iniciativas, do outro.

 

Este regramento jurídico baseou-se principalmente na ampla liberdade do empresário, associada a um regime jurídico de ampla responsabilidade dos controladores e administradores das grandes empresas no país, tanto em relação aos acionistas minoritários, quanto em relação à comunidade onde essas empresas estão inseridas.

 

Dentre as inovações trazidas pela LSA, ressalta-se a supressão da igualdade do valor nominal de todas as ações, admitindo a existência de ações sem valor nominal; a descrição pormenorizada do objeto social, como providência fundamental de proteção à minoria, ao limitar as áreas de discricionariedade dos administradores e acionistas majoritários e possibilitar a caracterização das modalidades de abuso de poder; e a possibilidade da participação em outras sociedades, como meio de realizar o objeto social.

 

Tendo sempre em vista o aprimoramento do sistema de tutela privada dos direitos dos minoritários, pois é esta proteção que garante a segurança necessária para estimular a destinar seus recursos às companhias, a LSA sofreu várias alterações ao longo dos mais de 40 anos de sua vigência.

 

Considerada a mais importante alteração promovida na LSA, a Lei 10.303 de 31 de outubro de 2001, procurou restaurar alguns direitos dos minoritários, que foram abolidos em 1997 pela denominada Lei Kandir (Lei nº 9.457/97), além de instituir outros[3].

 

Dentre estes, se destaca o reconhecimento aos minoritários, titulares de, no mínimo 10% das ações em circulação no mercado, ou seja, 10% de todas as ações em circulação no mercado, com exceção daquelas detidas pelo controlador, diretores, conselheiros de administração e as em tesouraria, de requerer a convocação de assembleia especial, para deliberar sobre a realização de nova avaliação dessas ações, pelo mesmo critério ou por outro, para determinação do valor da companhia (art. 4º-A[4]).

 

No campo da governança corporativa, a grande novidade consistiu na previsão dos minoritários elegerem um representante no Conselho de Administração da companhia.

 

Entretanto, a inovação mais importante na defesa dos minoritários, foi a inclusão do artigo 254-A, que introduziu a figura do tag along como regra na alienação do controle societário. Este mecanismo obriga o adquirente do controle a fazer oferta pública de aquisição de todas as ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, em valor não inferior a 80% daquele pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.

 

Posteriormente, em 2007, foi promulgada a Lei 11.638, que alterou e revogou dispositivos da Lei nº 6.404/76 e da Lei nº 6.385/76, com o objetivo principal de atualizar a legislação societária brasileira, “a fim de possibilitar o processo de convergência e harmonização das práticas contábeis adotadas no Brasil com aquelas constantes nas normas internacionais de contabilidade (IFRS)[5].

 

A principal alteração promovida por esta lei na proteção dos acionistas minoritários relaciona-se à destinação dos lucros, que antes poderiam ser mantidos na conta de Lucros ou Prejuízos Acumulados, até que fosse deliberada sua destinação pelos acionistas. Esta disposição, permitia ao controlador nunca distribuir lucros, sob o argumento de necessidade de capitalização da própria sociedade.

 

Com a mudança na legislação, passou a ser vedada a manutenção de saldo positivo nessa conta, de modo que se torna obrigatório dar a devida destinação aos lucros excedentes no final do exercício social.

 

Ou seja, a inovação legislativa dotou os acionistas minoritários de mecanismo apto para oporem-se ao poder do controlador, no tocante à não distribuição de lucros da companhia, com o argumento de evitar sua descapitalização.

 

Posteriormente, em 26 de agosto de 2021, foi promulgada a Lei nº 14.195, com o objetivo de incentivar o crescimento e a modernização do ambiente de negócios no país. Uma vez mais, no campo do direito societário, as alterações buscaram incrementar o ambiente de negócios, sem se afastar da importância de se implementar regras de proteção de acionistas minoritários.

 

Esta situação é verificada na instituição do voto plural, que relativiza o princípio da “uma ação um voto”, prevista no artigo 110-A da LSA. Por este princípio, fica admitida a criação de uma ou mais classes de ações ordinárias com atribuição de voto plural, não superior a 10 (dez) votos por ação ordinária, desde que aprovada pelo voto favorável de 50% dos acionistas com direito a voto e 50% dos acionistas com voto limitado (preferenciais).

 

Apesar de intenção do legislador, de fomentar o mercado de ações brasileiro, permitindo aos acionistas fundadores maior poder diretivo nos anos iniciais da companhia, em que se faz imprescindível a presença deles, o voto plural também pode ampliar a participação do acionista minoritário, fortalecendo temporariamente seu poder administrativo na companhia.

 

É também verdade que as limitações à adoção e funcionamento do voto plural, são necessárias para garantir direitos aos demais acionistas da companhia.

 

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.925/2023, que visa alterar a Lei nº 6.385/76 e a Lei nº 6.404/76, com o objetivo de ampliar a proteção dos direitos dos acionistas minoritários.

 

Em linhas gerais, o PL fortalece o mecanismo de responsabilização civil dos acionistas controladores e dos administradores, pelos prejuízos causados aos acionistas minoritários, por atos praticados com abuso de poder, mediante:

 

a) Inclusão, como competência da assembleia, a autorização de transação que vise encerrar ações de responsabilidade previstas nos artigos 159 e 246 da LSA;

b) Proibição de voto pelos administradores, acionistas ou procuradores, nas deliberações sobre exoneração de responsabilidade e propositura de ação de responsabilidade;

c) Alteração dos critérios de legitimação dos acionistas para propositura de ações de responsabilidade previstas nos artigos 159 e 246 da LSA e proibição para que a companhia proponha ação de responsabilidade independente, na hipótese de ação de responsabilidade proposta por acionista contra o administrador e o acionista controlador; e

d) Instituição do prêmio de 20% a ser pago ao autor da ação pelo administrador ou acionistas controladores, calculado sobre o valor da indenização fixada; e

e) A possibilidade de acionistas minoritários lesados pelos administradores e pelo acionista controlador proporem ação coletiva de responsabilidade.

 

Como cediço, o mercado não é estático, ele muda e evolui constantemente. Por isso, a LSA também sofreu alterações no decorrer de seus mais de 40 anos de vigência, a fim de se adequar às mudanças do mercado e do ambiente de negócios do país.

 

Em todas as mudanças, o ponto central sempre envolveu assegurar o desenvolvimento seguro do mercado de capitais, visando a modernização da grande empresa, através do fortalecimento dos direitos dos acionistas minoritários, indispensável para fomentar a atividade empresarial e estimular o ambiente de negócios, ao proporcionar segurança aos investidores.

 

Flavia de Faria Horta Pluchino

 

 

 

Obrigatoriedade de Igualdade Salarial Entre Mulheres e Homens.

 

Em 23 de novembro de 2023, o Decreto nº 11. 795 de 2023, passou a regulamentar as medidas estabelecidas na Lei Federal nº 14.611 de julho de 2023, que obriga a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.

 

O artigo 461 da CLT já determinava a igualdade salarial entre empregados em funções idênticas para o mesmo empregador, porém, a nova legislação tem a finalidade de garantir, com mais efetividade, a equidade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens, através de medidas como: a) elaboração de um Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, para empresas com 100 empregados ou mais; b) elaboração de um protocolo de fiscalização sobre a igualdade salarial entre mulheres e homens e; c) realização de um plano de ação para mitigação da desigualdade salarial e de critérios remuneratórios.

 

O procedimento administrativo para a aplicação dessas medidas está regulamentado pela Portaria nº 3.714 de 2023 do Ministério do Trabalho e Emprego.

 

De acordo com a portaria, o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios será elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego com base em informações fornecidas pelas empresas no e-Social.

 

O Relatório indicará o número total de empregados da empresa, separados por sexo, raça e etnia, a indicação do cargo exercido por cada empregado, a indicação do salário contratual, do 13º salário, das gratificações, das comissões, das horas extras, dos adicionais noturno, de insalubridade e de periculosidade, do terço de férias, do aviso prévio trabalhado, do descanso semanal remunerado, das gorjetas, demais parcelas que componham a remuneração dos empregados, entre outras informações determinadas na portaria.

 

O relatório será publicado nos meses de março e setembro de cada ano, na plataforma do Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho e deverá ser disponibilizado pelas empresas no sítio eletrônico e redes sociais.

 

A Auditoria Fiscal do Trabalho será responsável pela fiscalização da igualdade salarial entre mulheres e homes nas empresas. Essa fiscalização será realizada com base nas informações do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios.

 

Constatada a prática de desigualdade salarial, a Auditoria Fiscal do Trabalho notificará a empresa para apresentar em 90 dias um Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, contendo medidas, metas, prioridades, prazos e mecanismos de aferição dos resultados.

 

Caso seja confirmada a desigualdade salarial através de processo administrativo, a Auditoria Fiscal do Trabalho poderá aplicar multa administrativa, no montante de 10 vezes o novo salário da empregada e, em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro, sem prejuízo da diferença salarial em benefício da empregada que sofreu a discriminação.

 

Com isso, é recomendado que as empresas fiquem atentas a possíveis situações que possam ser entendidas como discriminação salarial.

 

Eduardo Galvão Prado

 

 

 

[1] AgInt no AREsp 1.794.943/RS

[2] STJ, REsp 1016375/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2011, DJe 21/02/2011.

[3] TRINDADE, Celso Alves. A Lei nº 10.303/2001 e a questão da proteção dos acionistas minoritários, no caso da alienação de controle. Monografia apresentada como requisito imprescindível para conclusão do curso de Direito UniCEUB. Orientador: Marlon Tomazette. Brasília, 2013.

[4] Art. 4º- A. Na companhia aberta, os titulares de, no mínimo, 10% (dez por cento) das ações em circulação no mercado poderão requerer aos administradores da companhia que convoquem assembleia especial dos acionistas titulares de ações em circulação no mercado, para deliberar sobre a realização de nova avaliação pelo mesmo ou por outro critério, para efeito de determinação do valor de avaliação da companhia, referido no § 4o do art. 4º.

  • 1º O requerimento deverá ser apresentado no prazo de 15 (quinze) dias da divulgação do valor da oferta pública, devidamente fundamentado e acompanhado de elementos de convicção que demonstrem a falha ou imprecisão no emprego da metodologia de cálculo ou no critério de avaliação adotado, podendo os acionistas referidos no caput convocar a assembleia quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 (oito) dias, ao pedido de convocação.
  • 2º Consideram-se ações em circulação no mercado todas as ações do capital da companhia aberta menos as de propriedade do acionista controlador, de diretores, de conselheiros de administração e as em tesouraria.
  • 3º Os acionistas que requererem a realização de nova avaliação e aqueles que votarem a seu favor deverão ressarcir a companhia pelos custos incorridos, caso o novo valor seja inferior ou igual ao valor inicial da oferta pública.
  • 4º Caberá à Comissão de Valores Mobiliários disciplinar o disposto no art. 4o e neste artigo, e fixar prazos para a eficácia desta revisão.

[5] MARINI, Isadora Michelon e VICTOR, Fernanda Gomes. Mudanças Contábeis da Lei Societária Brasileira: um estudo sobre o impacto da Lei nº 11.638/07 na destinação do saldo da conta de lucros e prejuízos acumulados em empresas com diferentes estruturas de propriedade. Trabalho de Conclusão de Curso (Departamento de Ciências Contábeis) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017, p. 2.

 

 

 

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