A LEI 6.404 DE 15 DE DEZEMBRO DE 1976 E A PROTEÇÃO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS COMO FATOR ESSENCIAL PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.

Com o objetivo primordial de fomentar o desenvolvimento econômico, foi promulgada, em 15 de dezembro de 1976, a Lei 6.404, conhecida como lei das sociedades anônimas. Seu objetivo primordial foi o fortalecimento do mercado de capitais brasileiro, através da criação de uma estrutura jurídica que estimulasse o direcionamento voluntário da poupança popular ao setor empresarial, através da criação de regras definidas e equitativas, que assegurassem ao acionista minoritário segurança e rentabilidade de um lado, sem engessar o empresário em suas iniciativas, do outro.

 

Este regramento jurídico baseou-se principalmente na ampla liberdade do empresário, associada a um regime jurídico de ampla responsabilidade dos controladores e administradores das grandes empresas no país, tanto em relação aos acionistas minoritários, quanto em relação à comunidade onde essas empresas estão inseridas.

 

Dentre as inovações trazidas pela LSA, ressalta-se a supressão da igualdade do valor nominal de todas as ações, admitindo a existência de ações sem valor nominal; a descrição pormenorizada do objeto social, como providência fundamental de proteção à minoria, ao limitar as áreas de discricionariedade dos administradores e acionistas majoritários e possibilitar a caracterização das modalidades de abuso de poder; e a possibilidade da participação em outras sociedades, como meio de realizar o objeto social.

 

Tendo sempre em vista o aprimoramento do sistema de tutela privada dos direitos dos minoritários, pois é esta proteção que garante a segurança necessária para estimular a destinar seus recursos às companhias, a LSA sofreu várias alterações ao longo dos mais de 40 anos de sua vigência.

 

Considerada a mais importante alteração promovida na LSA, a Lei 10.303 de 31 de outubro de 2001, procurou restaurar alguns direitos dos minoritários, que foram abolidos em 1997 pela denominada Lei Kandir (Lei nº 9.457/97), além de instituir outros[1].

 

Dentre estes, se destaca o reconhecimento aos minoritários, titulares de, no mínimo 10% das ações em circulação no mercado, ou seja, 10% de todas as ações em circulação no mercado, com exceção daquelas detidas pelo controlador, diretores, conselheiros de administração e as em tesouraria, de requerer a convocação de assembleia especial, para deliberar sobre a realização de nova avaliação dessas ações, pelo mesmo critério ou por outro, para determinação do valor da companhia (art. 4º-A[2]).

 

No campo da governança corporativa, a grande novidade consistiu na previsão dos minoritários elegerem um representante no Conselho de Administração da companhia.

 

Entretanto, a inovação mais importante na defesa dos minoritários, foi a inclusão do artigo 254-A, que introduziu a figura do tag along como regra na alienação do controle societário. Este mecanismo obriga o adquirente do controle a fazer oferta pública de aquisição de todas as ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, em valor não inferior a 80% daquele pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.

 

Posteriormente, em 2007, foi promulgada a Lei 11.638, que alterou e revogou dispositivos da Lei nº 6.404/76 e da Lei nº 6.385/76, com o objetivo principal de atualizar a legislação societária brasileira, “a fim de possibilitar o processo de convergência e harmonização das práticas contábeis adotadas no Brasil com aquelas constantes nas normas internacionais de contabilidade (IFRS)[3].

 

A principal alteração promovida por esta lei na proteção dos acionistas minoritários relaciona-se à destinação dos lucros, que antes poderiam ser mantidos na conta de Lucros ou Prejuízos Acumulados, até que fosse deliberada sua destinação pelos acionistas. Esta disposição, permitia ao controlador nunca distribuir lucros, sob o argumento de necessidade de capitalização da própria sociedade.

 

Com a mudança na legislação, passou a ser vedada a manutenção de saldo positivo nessa conta, de modo que se torna obrigatório dar a devida destinação aos lucros excedentes no final do exercício social.

 

Ou seja, a inovação legislativa dotou os acionistas minoritários de mecanismo apto para oporem-se ao poder do controlador, no tocante à não distribuição de lucros da companhia, com o argumento de evitar sua descapitalização.

 

Posteriormente, em 26 de agosto de 2021, foi promulgada a Lei nº 14.195, com o objetivo de incentivar o crescimento e a modernização do ambiente de negócios no país. Uma vez mais, no campo do direito societário, as alterações buscaram incrementar o ambiente de negócios, sem se afastar da importância de se implementar regras de proteção de acionistas minoritários.

 

Esta situação é verificada na instituição do voto plural, que relativiza o princípio da “uma ação um voto”, prevista no artigo 110-A da LSA. Por este princípio, fica admitida a criação de uma ou mais classes de ações ordinárias com atribuição de voto plural, não superior a 10 (dez) votos por ação ordinária, desde que aprovada pelo voto favorável de 50% dos acionistas com direito a voto e 50% dos acionistas com voto limitado (preferenciais).

 

Apesar de intenção do legislador, de fomentar o mercado de ações brasileiro, permitindo aos acionistas fundadores maior poder diretivo nos anos iniciais da companhia, em que se faz imprescindível a presença deles, o voto plural também pode ampliar a participação do acionista minoritário, fortalecendo temporariamente seu poder administrativo na companhia.

 

É também verdade que as limitações à adoção e funcionamento do voto plural, são necessárias para garantir direitos aos demais acionistas da companhia.

 

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.925/2023, que visa alterar a Lei nº 6.385/76 e a Lei nº 6.404/76, com o objetivo de ampliar a proteção dos direitos dos acionistas minoritários.

 

Em linhas gerais, o PL fortalece o mecanismo de responsabilização civil dos acionistas controladores e dos administradores, pelos prejuízos causados aos acionistas minoritários, por atos praticados com abuso de poder, mediante:

 

a) Inclusão, como competência da assembleia, a autorização de transação que vise encerrar ações de responsabilidade previstas nos artigos 159 e 246 da LSA;

b) Proibição de voto pelos administradores, acionistas ou procuradores, nas deliberações sobre exoneração de responsabilidade e propositura de ação de responsabilidade;

c) Alteração dos critérios de legitimação dos acionistas para propositura de ações de responsabilidade previstas nos artigos 159 e 246 da LSA e proibição para que a companhia proponha ação de responsabilidade independente, na hipótese de ação de responsabilidade proposta por acionista contra o administrador e o acionista controlador; e

d) Instituição do prêmio de 20% a ser pago ao autor da ação pelo administrador ou acionistas controladores, calculado sobre o valor da indenização fixada; e

e) A possibilidade de acionistas minoritários lesados pelos administradores e pelo acionista controlador proporem ação coletiva de responsabilidade.

 

Como cediço, o mercado não é estático, ele muda e evolui constantemente. Por isso, a LSA também sofreu alterações no decorrer de seus mais de 40 anos de vigência, a fim de se adequar às mudanças do mercado e do ambiente de negócios do país.

 

Em todas as mudanças, o ponto central sempre envolveu assegurar o desenvolvimento seguro do mercado de capitais, visando a modernização da grande empresa, através do fortalecimento dos direitos dos acionistas minoritários, indispensável para fomentar a atividade empresarial e estimular o ambiente de negócios, ao proporcionar segurança aos investidores.

 

Flavia de Faria Horta Pluchino

 

[1] TRINDADE, Celso Alves. A Lei nº 10.303/2001 e a questão da proteção dos acionistas minoritários, no caso da alienação de controle. Monografia apresentada como requisito imprescindível para conclusão do curso de Direito UniCEUB. Orientador: Marlon Tomazette. Brasília, 2013.

[2] Art. 4º- A. Na companhia aberta, os titulares de, no mínimo, 10% (dez por cento) das ações em circulação no mercado poderão requerer aos administradores da companhia que convoquem assembleia especial dos acionistas titulares de ações em circulação no mercado, para deliberar sobre a realização de nova avaliação pelo mesmo ou por outro critério, para efeito de determinação do valor de avaliação da companhia, referido no § 4o do art. 4º.

1º O requerimento deverá ser apresentado no prazo de 15 (quinze) dias da divulgação do valor da oferta pública, devidamente fundamentado e acompanhado de elementos de convicção que demonstrem a falha ou imprecisão no emprego da metodologia de cálculo ou no critério de avaliação adotado, podendo os acionistas referidos no caput convocar a assembleia quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 (oito) dias, ao pedido de convocação.

2º Consideram-se ações em circulação no mercado todas as ações do capital da companhia aberta menos as de propriedade do acionista controlador, de diretores, de conselheiros de administração e as em tesouraria.

3º Os acionistas que requererem a realização de nova avaliação e aqueles que votarem a seu favor deverão ressarcir a companhia pelos custos incorridos, caso o novo valor seja inferior ou igual ao valor inicial da oferta pública.

4º Caberá à Comissão de Valores Mobiliários disciplinar o disposto no art. 4o e neste artigo, e fixar prazos para a eficácia desta revisão.

[3] MARINI, Isadora Michelon e VICTOR, Fernanda Gomes. Mudanças Contábeis da Lei Societária Brasileira: um estudo sobre o impacto da Lei nº 11.638/07 na destinação do saldo da conta de lucros e prejuízos acumulados em empresas com diferentes estruturas de propriedade. Trabalho de Conclusão de Curso (Departamento de Ciências Contábeis) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017, p. 2.