OS ASTREINTES NAS RECENTES DECISÕES DO STJ.
Dentre as medidas que o juiz pode se utilizar para induzir uma das partes do processo a cumprir com uma obrigação de fazer ou deixar de fazer, a fixação de multa (§1º, art. 536, CPC) é uma das mais corriqueiras. O prazo para o cumprimento da ordem judicial é usualmente fixado em dias e, portanto, as multas, também costumam serem fixadas, por dias de descumprimento, porém, nada obsta que sejam fixadas em horas, meses etc.
No vocabulário jurídico esta multa processual, de caráter coercitivo que visa “convencer” o executado de que é melhor cumprir a decisão é chamada astreintes.
As astreintes já foram objeto de acalorados debates, especialmente na égide do Código de Processo Civil de 1973. O principal girava em torno de sua natureza, se indenizatória [pena privada] ou coercitiva.
Se sua natureza fosse indenizatória, faria sentido que a quantia arrecadada com a sua aplicação revertesse em favor do próprio credor da obrigação que se busca induzir o devedor a cumprir. Por outro lado, se sua natureza fosse de preservação da autoridade das decisões judiciais, a quantia não poderia ser revertida em benefício do credor, mas deveria ser direcionada aos cofres públicos.
O Superior Tribunal de Justiça em intenso debate durante o julgamento do Recurso Especial nº 949.509 – RS, chegou ao entendimento de que as astreintes visam impelir o réu a cumprir a obrigação e servem para compensar o demandante pelo tempo pelo qual permanece privado de fruir do bem da vida que lhe fora concedido, seja antecipadamente, por meio da tutela antecipada, ou definitivamente face a prolação da sentença. Neste sentido, o credor da obrigação é o beneficiário do valor arrecadado com a cobrança dos astreintes.
Após a definição jurisprudencial, e com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, a regra contida no §2º, art. 537, colocou a “pá de cal” na referida discussão, ao estipular que o beneficiário da multa é o exequente.
Porém, continuou tormentosa a questão relacionada ao cumprimento provisório da decisão que fixa multa diária. Imaginemos que em uma ação judicial se discuta a validade de um contrato de empréstimo, e que o correntista afirme que não foi ele quem contratou aquela operação. À luz das provas iniciais, o juiz concede liminar para o Banco se abster de descontar da conta corrente do consumidor as parcelas do empréstimo. É fixado prazo para cumprimento, sob pena de cobrança de multa diária fixada. O Banco recebe a determinação judicial e não a cumpre dentro do prazo determinado, incorrendo na multa diária. Poderia, o Autor da ação já “exigir a multa”, mesmo que o processo ainda não tenha sido sentenciado?
O STJ na vigência do Código de Processo de 1973 perfilava entendimento pelo qual as astreintes sujeitam-se a exigibilidade secundum eventum litis, de modo que a reforma da decisão que a concedeu ou a prolação de sentença em sentido contrário torna sem efeito a multa aplicada[1].
Neste sentido e ainda em 2014, a discussão em relação à possibilidade da execução provisória da multa diária fixada, em sede de antecipação de tutela, levou o STJ em julgamento de recurso especial julgado sob o rito dos repetitivos (Tema 743), a fixar a seguinte tese:
“A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo”.
Esta lógica foi parcialmente quebrada com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, já que o novel código reforça a eficácia das decisões interlocutórias, de modo promover a garantia a razoável duração do processo. Na exposição de motivos do CPC 2015, o legislador declara ser seu objetivo assegurar o “princípio da razoável duração do processo, já que a ausência de celeridade, sob certo ângulo, é ausência de justiça”. Assim e com o objetivo de favorecer um processo mais ágil, permitiu a execução provisória das astreintes.
A regra contida no §3º do art. 537, tinha a seguinte redação: “A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte ou na pendência do agravo fundado nos incisos II ou III do art. 1.042”.
Com pouquíssimo tempo de vigência do código, referida regra foi alterada pela Lei nº 13.256, de 2016, tendo passado a atual redação: “A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte”.
A solução não é ótima e recebeu críticas, já que retirou parte da eficácia das decisões interlocutórias e avançou timidamente quando permitiu que seja executada provisoriamente a multa diária. O ponto positivo está em obrigar o réu recalcitrante a ter que desembolsar o valor e depositá-lo em juízo. Entretanto, o autor da ação terá que aguardar até o trânsito em julgado para realizar o levantamento da importância, a não ser que ofereça caução.
Assim, e em razão da tese fixada pelo STJ quando do julgamento do Tema 743 ter como fundamento legal o CPC/1973, entendeu-se que tal precedente já não mais produzia efeitos, especialmente em razão da inovação legal.
No entanto, em 23 de novembro deste ano, o Superior Tribunal de Justiça ao julgar os Embargos de Divergência 1.883.876/RS, em movimento contrário à evolução legislativa, resolveu reafirmar a jurisprudência (em caráter vinculante) fixada no tema 743, de modo a impedir a execução provisória das astreintes antes da sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.
A decisão não deixa de ser surpreendente, pois atenta contra a força imediata de conteúdos decisórios e ao princípio da celeridade, ideais centrais do Código processual de 2015. Por outro lado, a decisão se faz mais ainda surpreendente, já que atenta contra o texto da lei federal.
O acórdão referente a esta recente decisão ainda não foi disponibilizado, o que impede análise mais acurada e alimenta alguma esperança no sentido de que o retrocesso seja menor, a depender do texto final a ser publicado.
Rodrigo Elian Sanchez
[1] STJ, REsp 1016375/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2011, DJe 21/02/2011.