COMO O FINANCIAMENTO PROFISSIONAL DE LITÍGIOS PODE SERVIR DE INCENTIVO AO CUMPRIMENTO DOS CONTRATOS E DAS LEIS.

Neste artigo, buscaremos demonstrar como o financiamento profissional de litígios pode incrementar a economia, ao incentivar o cumprimento de contratos e da lei, aumentando a eficiência e a segurança jurídica das relações comerciais e, consequentemente, a frequência com que negócios são celebrados.

 

O financiamento de litígios é um contrato pelo qual um agente econômico aceita financiar os custos de uma disputa judicial ou arbitral, em troca de um percentual do resultado econômico obtido.

 

Trata-se de um investimento de risco, onde a força do direito da parte é a garantia de retorno do investidor. Em outras palavras, a parte financiada somente fica obrigada a pagar o financiamento, se o projeto gerar resultados positivos.

 

Da perspectiva do financiador, o financiamento é interessante, porque os possíveis resultados do projeto divergem dos demais investimentos e independem de variáveis econômicas.

 

Como o sucesso do litígio é o fator preponderante para a aceitação do financiamento pelo investidor, o processo de verificação da viabilidade do projeto envolve análise jurídica, financeira e temporal da demanda.

 

A análise jurídica visa obter o maior número de informação sobre a causa, a fim de verificar a força do direito das partes e a probabilidade de sucesso. Já a análise financeira, relaciona-se com a solvência da contraparte e sua capacidade econômica de honrar a dívida.

 

A análise temporal, por sua vez, verifica as estratégias de recuperação do crédito e o prazo para o retorno do investimento.

 

Mas como o financiamento de litígios age como força motriz na economia de mercado?

 

Como cediço, em muitas disputas judiciais, há uma enorme assimetria entre as partes litigantes, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ponto de vista técnico.

 

De um lado, há indivíduos com recursos limitados para suportar os custos do litígio e o tempo de espera por uma solução, também chamados de Litigantes Eventuais e, de outro, se encontra uma grande corporação, com orçamentos abastados para fazer frente aos custos da demanda, denominada de Litigantes Recorrentes.

 

Na arbitragem, a situação se complica ainda mais, chegando mesmo a impedir seu acesso ao homem médio.

 

Segundo Marc Galanter[1], as vantagens dos Litigantes Recorrentes podem ser assim enumeradas:

 

(i) o litigante recorrente tem conhecimento prévio acumulado e, portanto, é capaz planejar seus movimentos e transações futuros com base na avaliação dos riscos;

 

(ii) os litigantes recorrentes têm acesso à especialistas, ao mesmo tempo em que diminuem seus custos porque trabalham em economia de escala;

 

(iii) como trabalham em escala, os litigantes recorrentes podem adotar o que o autor chama de estratégia minimax (eles podem maximizar ganhos a longo prazo, ainda que isto implique perda total em alguns casos);

 

(iv) os litigantes recorrentes, por sua proximidade com as instituições, têm maior facilidade em desenvolver mecanismos informais facilitadores de obtenção de vantagens por funcionários oficiais;

 

(v) os litigantes recorrentes têm uma reputação de “combatente” a manter, a partir da qual têm em seu favor reconhecido o respeito como negociador;

 

(vi) os litigantes recorrentes podem, por fim, disputar as regras da litigância, pois, ao contrário dos litigantes eventuais, – que buscam resultados pessoais tangíveis em cada demanda, – aqueles geralmente têm por objetivo a formação de uma jurisprudência favorável, que o beneficie em casos futuros.

 

Neste aspecto, o financiamento profissional de litígios se torna uma importante ferramenta para equilibrar o jogo, ao diminuir a disparidade econômica e técnica entre as partes.

 

Via de regra, o descumprimento de um contrato ou da lei relaciona-se ao sopesamento dos ganhos e das perdas esperadas com o inadimplemento. Se as perdas decorrentes do inadimplemento forem menores que os ganhos do adimplemento, a parte terá um incentivo ao descumprimento.

 

Em muitos casos, mesmo quando a vítima descobre o ilícito, ela pode optar por não judicializar o problema, pois a iniciativa litigiosa pode ser mais custosa que arcar com o prejuízo, seja em razão do tempo de duração do litígio, seja pela falta de recursos para contratar bons profissionais para atuar na causa.

 

Por outro lado, a decisão judicial é uma solução que a parte não tem como controlar, sendo que o resultado pode ser aquém do esperado ou, mesmo quando reconhece exatamente o direito pretendido, a parte pode não conseguir receber da contraparte, que possui mecanismos para protelar o pagamento e forçar um acordo muito reduzido em relação ao valor devido.

 

Esses fatores são considerados pelas grandes corporações nas suas relações jurídicas e podem ensejar o descumprimento do contrato ou da lei, por ser mais vantajoso economicamente.

 

E é justamente neste ponto que o financiamento de litígios se torna uma importante ferramenta de incentivo ao cumprimento dos contratos e da Lei, pois quanto mais efetivos forem os mecanismos legais à disposição dos indivíduos para a defesa de seus direitos, mais custoso se torna o descumprimento dos contratos e da lei.

 

Consoante BEDI E MARRA[2], citados por CASTRO:

 

“O financiamento faz com que o valor dos danos que a parte inadimplente espera pagar fique mais próximo dos danos efetivamente incorridos pela parte adimplente. O financiamento de litígios gera isso porque ele funciona como um mecanismo de execução, erodindo algumas razões que podem levar a parte inadimplente a não pagar o montante total dos danos. Contratantes que, de outro modo, deixariam de processar a outra parte por questões de liquidez ou risco, agora estarão mais inclinados a processar. (…) E os contratantes estarão menos inclinados a celebrar acordos por menos do que a totalidade da indenização porque o financiamento reduz ou elimina problemas de liquidez e risco, os quais, muitas vezes levam uma parte a celebrar acordos por valores subótimos.” (BEDI E MARRA, 2021, p. 597 apud CASTRO, 2023, p. 23).

 

O só fato do aceite do financiador sinaliza para a outra parte a força do direito do financiado. E à medida que este passa a ter acesso aos recursos e à experiência para bancar a lide no longo prazo, há um desestímulo da outra parte de adotar estratégias de procrastinação e aumento dos custos do processo, permitindo que as demandas sejam decididas no mérito, e não com base no apetite de uma delas de protelar o litígio.

 

Neste sentido, há um incremento na posição negocial dos litigantes eventuais que se equipara à posição das litigantes recorrentes, o que altera a dinâmica das vantagens econômicas do descumprimento, além de aumentar as chances de um acordo mais próximo ao dano suportado.

 

Em conclusão, o financiamento de litígios, ao democratizar o acesso à justiça, equiparando as forças no litígio, produz maior eficiência no sistema de resolução de conflitos o que, por sua vez, refletirá nas decisões dos agentes econômicos de atuarem de forma aderente às regras contratuais e legais.

 

A consequência é o aumento da segurança jurídica e do bem-estar da sociedade como um todo.

 

Bibliografia

 

CASTRO, João Mendes de Oliveira. O Financiamento de Litígios no Sistema de Solução de Controvérsias. In Litgation Finance e Special Situations: Financiamento de litígios, aquisição de direitos creditórios e outras operações. Guilherme Setogui J. Pereira, coordenador. São Paulo: Thompson Reuters, 2023.

LANG, Camila Du Plessis. Financiamento de Litígio: estruturas e tendências atuais. In Litgation Finance e Special Situations: Financiamento de litígios, aquisição de direitos creditórios e outras operações. Guilherme Setogui J. Pereira, coordenador. São Paulo: Thompson Reuters, 2023.

 

GALANTER, Marc. Why the haves come out ahead? Speculations on the limits of legal change Volume 9:1 Law and Society Review, 1974, pp. 95-96.

 

Flavia de Faria Horta Pluchino

 

[1]   GALANTER, Marc. Why the haves come out ahead? Speculations on the limits of legal change Volume 9:1 Law and Society Review, 1974, pp. 95-96.

[2] BEDI, Suneal e MARRA, William C. The Shadows of Litigation Finance. Vanderbilt Law Reveiew. Volume 74, Nember 3, 2021, p. 597.