O ARTIGO 190 DO CPC/2015 – A POSSIBILIDADE DE ESTABELECER CONVENÇÕES PROCESSUAIS NOS CONTRATOS.
Em vigor desde 18/03/2016, o Código de Processo Civil tem em sua estrutura o estímulo às soluções de conflitos através da autocomposição.
E para fomentar a auto-composição, previu a possibilidade de as partes estabelecerem convenções processuais atípicas. Trata-se da cláusula geral de convencionalidade ou cláusula geral de negociação, positivada nos artigos 190 e 200 do Código:
“Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.”
A ideia da cláusula geral de negociação é permitir que as partes possam arquitetar e desenhar, previamente, nos contratos em geral, as condições de um possível litígio com vistas a não só aumentar as chances de uma autocomposição, como também tentar prever e agilizar questões processuais – abreviando o tempo do processo e trazendo redução de custos – caso um acordo não seja viável, e o fórum seja a única saída.
Sobre a matéria, Humberto Theodoro Júnior ensina que “é evidente que a possibilidade de as partes convencionarem sobre ônus, deveres e faculdades deve limitar-se aos seus poderes processuais, sobre os quais têm disponibilidade, jamais podendo atingir aqueles conferidos ao juiz. Assim, não é dado às partes, por exemplo, vetar a iniciativa de prova do juiz, ou o controle dos pressupostos processuais e das condições da ação, e nem qualquer outra atribuição que envolva matéria de ordem pública inerente à função judicante”.
Verifica-se, portanto, que os prazos peremptórios são insuscetíveis de serem modificados previamente pela via contratual, havendo tal possibilidade apenas quando o litígio já estiver instaurado, de comum acordo entre o juiz e as partes, e em casos excepcionais, nos termos do artigo 191, § 1º do mesmo diploma legal:
“Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.
§1º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.
§2º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário”.
Feitas as ressalvas acima, via de regra, as partes têm a liberdade para, pela via contratual, exercer a criatividade para dispor e obter benefícios mútuos em termos de convenção e negociar as condições de um possível litígio, no âmbito dos deveres processuais disponíveis.
Em relação à limitação da negociação processual, ensina Teresa Arruda Alvim Wambier (em Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 356-357) que não é “possível a pactuação de negócio jurídico processual que tenha por objeto deveres processuais imperativamente impostos às partes, sob pena de ser-lhe ilícito o objeto. Não vigora, ipso facto, o ‘vale tudo’ processual. O negócio jurídico processual não tem, e nem deve ter, esta extensão. (…) Não se pode, é nossa convicção, dispor em negócio jurídico processual que uma decisão poderá ser não fundamentada, ou que não vigora o dever de cumprir as decisões judiciais. Admiti-lo seria algo comparável à admissão do objeto ilícito na celebração do negócio jurídico processual.”
A possibilidade de negociar questões processuais enfrenta resistência e dificuldade de aceitação, pois o modelo adotado pelos Códigos Processuais Brasileiros (de 1939 e 1973), era o de um processo inquisitivo, ou seja, o juiz era o protagonista e a marcha processual dependia dele para avançar.
O CPC vigente retirou esse protagonismo do Juiz, concedendo maior autonomia às partes, para, em processos que versem sobre direitos que admitam autocomposição, adequarem as soluções processuais à especificidade da causa e de seus interesses, utilizando a criatividade para prever soluções processuais que lhes beneficiem em casos de litígios, não somente no plano do direito processual, como também no plano do direito material.
Obviamente, há opiniões contrárias em relação à possibilidade das partes estabeleceram negócios jurídicos processuais. Em linhas gerais, elas entendem que a vontade das partes seria irrelevante, pois não teriam o poder de alterar os efeitos dos atos processuais. Nas palavras de Didier Junior: “A vontade das partes seria, então, irrelevante na determinação dos efeitos que os atos processuais produzem. Os efeitos dos atos processuais não seriam, em outras palavras, moldáveis. A única disponibilidade que as partes teriam seria a opção de praticar ou não o ato previsto numa sequência predeterminada pelo legislador. Qualquer que fosse a opção da parte, os efeitos dos atos processuais já estariam tabelados”. (DIDIER JÚNIOR, 2016, p. 50).
Não obstante entendimentos contrários, fato é que há, sim, na via contratual, espaço para efetiva aplicação da cláusula geral de negociação prevista no art. 190 do CPC/2015. As oportunidades são as mais diversas, e tem como principal incentivo, o interesse das partes em buscar uma situação de “ganha-ganha” que alterem, delimitem e/ou simplifiquem procedimentos no decorrer do processo judicial, sabidamente moroso.
Dentre os exemplos de ajustes pela via contratual que podem ser citados, estão: (i) a obrigação de uma perícia prévia para aferir a ocorrência ou não de ilícito contratual e sua extensão, bem como a contratação ou a dispensa consensual de assistente técnico; (ii) a obrigação de rateio de custas processuais entre as partes litigantes; (iii) a obrigação de uma sessão de mediação prévia, ou até mesmo uma rotina de sessões de mediação durante o curso do processo; (v) acordo para se estabelecer o julgamento antecipado da lide, desde que a matéria permita.
Em que pese o histórico de insegurança jurídica que temos no país, não se pode negar que a cláusula geral de negociação é um bom caminho, pois a solução da qual as partes efetivamente participem é melhor aceita por elas, o que minimiza a frustração e a demora na pacificação dos conflitos.
Assim, a cláusula geral de negociação segue a esteira de técnicas que já são amplamente utilizadas em procedimentos arbitrais e está em harmonia com o dinamismo que a tecnologia atual imprimiu aos negócios jurídicos, exigindo que os contratos prevejam, sempre que possível, meios alternativos de tornar mais rápidos e econômicos os eventuais litígios.
Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho