A LEGITIMIDADE DE DEPENDENTES PARA PROPOR AÇÃO TRABALHISTA PELO FALECIDO.

A lei determina que quem tem legitimidade para propor ação trabalhista é o próprio empregado, em razão do caráter intuitu personae[1] da relação de trabalho, sendo que a morte deste último é considerada umas das causas extintivas do contrato individual de trabalho, o que tornaria impossível, portanto, a continuidade de sua execução.

 

Em outras palavras, no caso de falecimento do empregado, a rescisão do contrato de trabalho é automática, já que um dos requisitos que caracterizam essa relação, qual seja, o da pessoalidade, previsto no artigo 3º da CLT, deixa de existir.

 

Contudo, tal regra é relativizada, pelo art. 1º, da Lei 6.858/80, que autoriza os dependentes a receberem as verbas trabalhistas que seriam devidas ao falecido. Confira-se o enunciando da norma:

 

“Art. 1º – Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento.”

 

Logo, de acordo com a norma supracitada, em caso de falecimento do empregado, os créditos trabalhistas devem ser pagos em quotas iguais da seguinte forma: a) dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares; e b) na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil.

 

Ou seja, não havendo dependentes do empregado que estejam devidamente habilitados perante a Previdência Social ou na forma da lei dos servidores civis e militares, o artigo 1.829 do Código Civil será imediatamente aplicado[2].

 

A vigência posterior do Código Civil de 2002, lei geral, esta não implicou na revogação da Lei nº 6.858/80, que é lei especial, posto que o Código Civil nada considerou a respeito dos requisitos para sucessão de empregado falecido, matéria disposta apenas nesta última.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é uníssona ao estabelecer a legitimidade de dependentes para propor ação trabalhista pelo falecido, in verbis:

 

“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. 1. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. HERDEIRO. Esta Corte Superior ao interpretar o artigo 1º da Lei nº 6.858/80, tem entendido que os dependentes habilitados perante a Previdência Social e os sucessores previstos na lei civil tem legitimidade para pleitear os direitos do titular não recebidos em vida decorrentes da relação empregatícia, independentemente de inventário ou arrolamento, sendo que a falta de habilitação dos herdeiros perante a previdência social, por si só, não autoriza a extinção do processo sem julgamento do mérito, na medida em que a habilitação pode ser feita até mesmo quando da liquidação da sentença. Precedentes. (TST – RR- 13200-66.2009.5.06.0002, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª Turma, DEJT 25.5.2012)”.

 

“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. ILEGITIMIDADE ATIVA. DIREITOS DECORRENTES DO CONTRATO DE TRABALHO. FILHOS DO EMPREGADO FALECIDO HABILITADOS PERANTE O INSS. O Tribunal Regional consignou que o autor é filho do “de cujus”, empregado do reclamado, e está regularmente habilitado junto ao INSS. O artigo 18, caput, do CPC prevê que somente o titular do direito pode pleitear em juízo a sua satisfação, salvo nos casos autorizados por lei. Por sua vez, o artigo 1º da Lei 6.858/80 trata exatamente da referida exceção prevista no artigo 18, caput, do CPC, para os créditos trabalhistas de empregado falecido. O referido disposto prevê que os dependentes habilitados perante o INSS podem pleitear judicialmente direitos trabalhistas devidos ao empregado falecido. Precedentes. (RR-112800-90.2010.5.17.0011, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 26/05/2017)”.

 

Mas afinal, são todos os direitos trabalhistas que poderão ser pleiteados pelos dependentes?

 

E nos casos de acidente de trabalho que consequentemente gerou a morte do trabalhador, é possível postular na justiça do trabalho indenização por danos materiais ou danos morais?

 

A Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004 acrescentou ao artigo 114 da Constituição Federal o inciso VI, que dispõe que a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.

 

Inclusive, o Tribunal Superior do Trabalho já firmou entendimento de que, o pedido de indenização por danos morais e materiais configura direito patrimonial transmissível por herança, nos termos do art. 943 do Código Civil e, por se tratar de uma indenização em razão do acidente que o de cujus sofreu durante o contrato de trabalho, os dependentes terão legitimidade ativa ad causam para pleitear a indenização por danos materiais na esfera trabalhista. Vejamos:

 

“ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. INTERPOSIÇÃO DA AÇÃO PELO ESPÓLIO POSTULANDO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO CUJO RESULTADO VITIMOU O TRABALHADOR. DIREITO PATRIMONIAL DO DE CUJUS TRANSMISSÍVEL POR HERANÇA. Discute-se, no tópico, a legitimidade do espólio para pleitear crédito derivado do contrato de trabalho, qual seja, indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho cujo resultado vitimou o trabalhador. Ressalte-se que o espólio não pleiteia para si qualquer indenização decorrente do falecimento do trabalhador (direito próprio), mas sim em face do acidente que ele sofreu no curso do contrato de trabalho, indenização esta que o próprio empregado pleitearia caso o acidente lhe tivesse causado apenas incapacidade e não o evento morte. Assim, ante a leitura dos arts. 1.784, 943 e 12, parágrafo único, do Código Civil e na esteira da jurisprudência desta Corte, há que se concluir que o espólio tem legitimidade ativa ad causam, tendo em vista que o pedido de indenização por danos morais e materiais decorre do contrato de trabalho havido entre o empregador e o de cujus. Ora, o pedido de indenização por danos morais e materiais configura direito patrimonial transmissível por herança, nos termos do citado art. 943 do Código Civil. Para a hipótese dos autos, o espólio efetivamente postula a reparação por dano extrapatrimonial sofrido em vida pelo de cujus, razão pela qual é parte legítima para figurar no polo ativo da lide. Por essa razão, a decisão regional pela qual se manteve a legitimidade do espólio para propor a presente ação não merece reforma. Nesse cenário, não há que se falar em afronta aos arts. 12, V, do CPC de 1973 (art. 75, VII, do NCPC) e 12, parágrafo único, do Código Civil ou mesmo em divergência com os arestos transcritos, à luz do artigo 896, § 7º, da CLT e da Súmula 333 do TST. Recurso de revista não conhecido. (RR-19000-24.2010.5.21.0002, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 11/12/2017)”.

 

Portanto, conclui-se que os herdeiros possuem legitimidade para propor ação trabalhista decorrente do contrato de trabalho do empregado falecido, desde que devidamente habilitados perante a Previdência Social, ou, na falta destes, os herdeiros da ordem civil.

 

Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi e Laura Mesquita Muniz

[1] Trata-se de contrato em que apenas uma determinada pessoa poderá cumprir o acordado, uma vez que foi celebrado em razão de suas características pessoais.

[2] O Código Civil dispõe em seu artigo 1.829 uma ordem de preferência acerca da sucessão legítima de forma geral, elencando primeiro os descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, em seguida os ascendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, em terceiro o cônjuge sobrevivente, e por fim, os colaterais.