A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO RETIRANTE PELO PASSIVO NA SOCIEDADE LIMITADA.

Dispõe o art. 1.052, do Código Civil:

 

“Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”

 

Em outras palavras, perante a sociedade, cada sócio encontra-se obrigado a integralizar as próprias quotas. Já perante terceiros, todos os sócios respondem solidariamente pela integralização de todo o capital.

 

A integralização do capital social corresponde à efetiva entrega do montante prometido pelo sócio à sociedade. Quando duas ou mais pessoas se reúnem para constituir uma sociedade limitada, eles se comprometem a investir um determinado valor, que irá compor o capital social da pessoa jurídica. Esta operação se denomina subscrever.

 

Ao subscrever o capital social, ou seja, prometer que irá conferir determinado valor à sociedade, o sócio cria para si a obrigação de efetivamente entregar à sociedade aquele valor, isto é, a integralizar o valor na sociedade.

 

Até que todo o valor prometido por cada sócio seja integralizado, a responsabilidade de todos eles perante terceiros é solidária e limitada ao montante que restar ser integralizado.

 

O dispositivo legal do art. 1.052, do Código Civil é o que justifica o enunciado do art. 1.058, da mesma Lei, que confere aos sócios o direito de excluir da sociedade o sócio que deixa de integralizar o capital subscrito (prometido) ou, ainda, tomar para si ou para terceiros a parcela do capital prometido não integralizado.

 

Isto porque o capital social representa uma garantia financeira mínima para os credores da sociedade. Logo, sua expressão econômica deve corresponder àquela informada no contrato social.

 

Uma vez, portanto, integralizado o capital social, os bens pessoais dos sócios não respondem pelas obrigações da sociedade. Somente nas seguintes hipóteses, previstas na Lei, os prejuízos decorrentes do desenvolvimento normal dos negócios podem ser opostos aos sócios. São elas:

 

(a)          pelas dívidas fiscais, no caso de liquidação de sociedade de pessoas;

 

(b)          pela parte que falta para a integralização do capital social;

 

(c)          pela avaliação dos bens conferidos ao capital social, em caso de superavaliação e, quando os bens forem créditos detidos pelo sócio contra terceiro, pela solvência deste terceiro;

 

(d)         quando o sócio praticar atos contrários à Lei ou ao contrato social, hipótese em que se dispensa a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

 

(e)          nos casos de desconsideração da personalidade jurídica;

 

(f)          no caso de recebimento de lucros fictícios ou de lucros ilícitos, que atingem apenas os sócios que receberam os valores; e

 

(g)          no limite do patrimônio social transferido, na hipótese de a sociedade entrar em liquidação e reembolsar os sócios.

 

Não obstante a regra da limitação da responsabilidade do sócio da sociedade limitada à integralização do capital social, havia uma discussão quanto à responsabilidade do sócio retirante pelo passivo social existente no momento da retirada, em virtude do que determina o art. 1.032, do Código Civil.

 

A dúvida residia no fato de que, se, por força da Lei, no caso, do art. 1.032, do CC, o sócio se mantem responsável pelas obrigações sociais pelo período de até 2 (dois) anos após a sua saída, contado da data do registro do ato de retirada, ele ficaria, destarte, responsável pelo pagamento do passivo existente na data de sua saída da sociedade.

 

A controvérsia, contudo, foi resolvida, e hoje é consenso na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade prevista no art. 1.032, do Código Civil não é genérica pelo passivo social a descoberto. Ela se limita às obrigações legais que tinha como sócio, inerentes ao tipo societário da pessoa jurídica.

 

E como visto, na sociedade limitada, essas obrigações se circunscrevem à responsabilidade solidária pela integralização do capital social, aí compreendidos, também, a exata estimação de bens porventura conferidos ao capital social, a evicção dos bens que aportou ou a solvência dos créditos cedidos.

 

Desta forma, “Se o capital já houver sido integralizado, isto é, se todas as quotas estiverem inteiramente liberadas, nenhum quotista, como tal, poderá ser compelido a fazer qualquer prestação. Nada deve ele, nem à sociedade, nem aos credores dela, cuja garantia repousa exclusivamente sobre o patrimônio social.” [1]

 

A propósito, veja-se o entendimento do STJ, sobre o tema:

 

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PROFERIDA CONTRA SOCIEDADE LIMITADA. 1. DISTRATO DA PESSOA JURÍDICA. EQUIPARAÇÃO À MORTE DA PESSOA NATURAL. SUCESSÃO DOS SÓCIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 43 DO CPC/1973. TEMPERAMENTOS CONFORME TIPO SOCIETÁRIO. 2. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. FORMA INADEQUADA. PROCEDIMENTO DE HABILITAÇÃO. INOBSERVÂNCIA. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Debate-se a sucessão material e processual de parte, viabilizada por meio da desconsideração da pessoa jurídica, para responsabilizar os sócios e seu patrimônio pessoal por débito remanescente de titularidade de sociedade extinta pelo distrato. 2. A extinção da pessoa jurídica se equipara à morte da pessoa natural, prevista no art. 43 do CPC/1973 (art. 110 do CPC/2015), atraindo a sucessão material e processual com os temperamentos próprios do tipo societário e da gradação da responsabilidade pessoal dos sócios. 3. Em sociedades de responsabilidade limitada, após integralizado o capital social, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal pelas dívidas titularizadas pela sociedade, de modo que o deferimento da sucessão dependerá intrinsecamente da demonstração de existência de patrimônio líquido positivo e de sua efetiva distribuição entre seus sócios. 4. A demonstração da existência de fundamento jurídico para a sucessão da empresa extinta pelos seus sócios poderá ser objeto de controvérsia a ser apurada no procedimento de habilitação (art. 1.055 do CPC/1973 e 687 do CPC/2015), aplicável por analogia à extinção de empresas no curso de processo judicial. 5. A desconsideração da personalidade jurídica não é, portanto, via cabível para promover a inclusão dos sócios em demanda judicial, da qual a sociedade era parte legítima, sendo medida excepcional para os casos em que verificada a utilização abusiva da pessoa jurídica. 6. Recurso especial provido.” (STJ – 1.784.032/SP – Rel. Min. Marco Aurélio Belizze – j. 02/04/2019).

 

Recentemente, o E. TJSP, em decisão monocrática da Em. Des. Jane Franco Martins, ao julgar o agravo de instrumento nº 2155823-64.2022.8.26.0000, reafirmou o entendimento de que “em uma dissolução parcial de sociedade limitada, o sócio retirante não possui uma responsabilidade genérica pela eventual constatação de uma situação patrimonial deficitária, em virtude de sua mera participação social.”

 

Nem mesmo o contrato social pode determinar ao sócio retirante que pague à sociedade o montante equivalente ao que competiria a ele nos prejuízos. Segundo Luis Felipe Spinelli:

 

“primeiro, porque, na hipótese de exclusão do sócio, isso pode se transformar em mecanismo de chantagem; segundo, porque corresponde, na prática, à deturpação do regime da limitação da responsabilidade (criando-se algo semelhante a uma sociedade em nome coletivo); terceiro, porque, com já visto (item 1.2.23) é proibido no país a existência de prestações suplementares. Da mesma forma, não se pode imputar ao sócio excluído a responsabilidade pelo pagamento dos débitos sociais.” [2]

 

Logo, se ao se apurar os haveres do sócio retirante, seja porque foi excluído, seja por exercício do direito potestativo de retirada, verificar-se que o patrimônio líquido da sociedade é negativo, ou seja, que ela apresenta prejuízo, ele nada terá a receber, mas também, nada terá a pagar à sociedade.

 

Em outras palavras, o sócio da sociedade limitada perde, apenas e tão somente, o capital investido no negócio.

 

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

Bibliografia

[1] BORGES, João Eunápio. Curso de Direito comercial e terrestre. Rio de Janeiro: Forense, 1697, p. 130.

[2] SPINELLI, Luis Felipe. Exclusão de sócio por falta grave na Sociedade Limitada. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 504/505.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2015.

 

SPINELLI, Luis Felipe. Exclusão de sócio por falta grave na Sociedade Limitada. São Paulo: Quartier Latin, 2015.

 

BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial e terrestre. Rio de Janeiro: Forense, 1967.