O Voto Plural como Mecanismo de Alavancagem do Mercado de Capitais Brasileiro

A Lei 14.195/21, sancionada em 26/08/2021, dentre outros temas envolvendo a desburocratização do ambiente de negócios no País, trouxe importantes alterações na Lei de Sociedade por Ações (Lei 6.404/76), dentre elas, a ampliação da proteção dos acionistas minoritários, através da possibilidade de criação, pelas companhias abertas e fechadas, de classes de ações ordinárias com o denominado voto plural.  

  

O voto plural pode ser compreendido como um privilégio conferido a determinada ação de uma companhia, que passa a ter maior número de votos em relação às demais ações da mesma companhia.  

  

Até o advento da Lei 14.195/21, este privilégio era uma prerrogativa exclusiva do Estado, na hipótese de desestatização de sociedades, com a perda do controle estatal, as chamadas golden shares.  

  

Referidas ações conferiam ao poder público poderes especiais nas deliberações das assembleias gerais das companhias.  

  

A regra geral adotada pelo direito societário brasileiro é a da proporcionalidade, em que cada ação dá direito a um voto nas deliberações sociais (one share, one vote). Segundo Modesto Carvalhosa, a vedação então existente ao voto plural, tinha por finalidade a manutenção do equilíbrio entre poder de controle e capital investido, bem como evitar abusos por parte de acionistas controladores1.  

  

A mudança de posicionamento do legislador brasileiro surge como uma estratégia para incrementar o mercado de capitais no País, em consonância com a evolução regulatória de países como os Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália e Hong Kong, na medida em que a adoção do voto plural permite a dissociação entre poder político e poder econômico, dentro da sociedade.  

  

É o que se observa no parecer proferido em plenário à MPV nº 1.040 de 20212:  

  

“Inovação já incorporada em jurisdições como Singapura, Hong Kong, Estados Unidos e Reino Unido, a medida é necessária para tornarmos o mercado de capitais brasileiro mais dinâmico e para evitar perdas de listagem de empresas brasileiras para as quais a manutenção do controle acionário, num estágio inicial de abertura de capital, é fator essencial. Destacamos, ainda, que o voto plural é mecanismo mais transparente de descasamento entre poder econômico e político que as intrincadas engenharias societárias adotadas por companhias brasileiras, via manipulação do mecanismo de ações preferenciais.”  

  

A ação ordinária com voto plural confere ao acionista o direito a tantos votos quantos forem atribuídos àquela única ação. Ou seja, o acionista terá, por meio de uma única ação, direito de contabilizar mais de um voto nas deliberações sociais.  

  

Na prática, esse mecanismo permite que acionistas que detenham pequena parcela representativa do capital social exerçam maior poder político na sociedade.  

  

Geralmente, essas ações são atribuídas aos fundadores ou a outras pessoas que são de grande importância para o desenvolvimento do negócio.  

  

Neste sentido, ele funciona como um estímulo à abertura de capital de sociedades, especialmente startups, que necessitam de grande aporte de valores para seu desenvolvimento, sem que seus fundadores ou acionistas chaves, percam o controle dos negócios sociais neste processo.  

  

Intitulado de “Da Proteção de Acionistas Minoritários”, o art. 5º, da Lei 14.195/21 introduziu o inciso IV, ao artigo 16 e o artigo 110-A, na Lei 6.404/76 – Lei das Sociedades Anônimas.  

  

Assim, a partir do advento da Lei 14.195/21, as companhias abertas e fechadas ficaram autorizadas a criarem classes de ações ordinárias com o denominado voto plural, não superior a 10 (dez) votos por ação ordinária, vedado apenas nas empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias e nas sociedades controladas direta ou indiretamente pelo poder público.  

  

Nas companhias abertas, contudo, a instituição do voto plural deve ocorrer antes que a classe de ação ordinária seja negociada em mercados organizados de valores mobiliários (inc. II, art. 110-A, LSA).  

  

A despeito de sua necessidade, como forma de incentivar o crescimento do mercado de capitais brasileiro, alguns doutrinadores defendem ser prematura a instituição desse mecanismo no Brasil, por entenderem que ele está sendo introduzido de forma simplista, acompanhado de insuficientes mecanismos de proteção aos minoritários, não titulares desse privilégio.  

  

Para estes autores, mecanismos que conferem a uma única pessoa ou a um pequeno grupo de acionistas um poder acentuado nas deliberações sociais, tendem a se transformar em abuso, quando não existem institutos sólidos de proteção ao investidor. A dissociação entre controle e propriedade pode, por exemplo, incentivar a persecução de benefícios particulares pelos controladores.  

  

Como forma de resguardar a proteção dos minoritários não detentores desse privilégio e dos investidores, a Lei 14.195/21 estabeleceu uma série de salvaguardas ao voto plural no Brasil.  

  

Uma das principais salvaguardas diz respeito à limitação dos votos de cada ação ordinária com voto plural a 10 votos, assim como a limitação desse direito no tempo, válido por até 7 anos e cuja prorrogação depende que seja observado concomitantemente, aprovação por acionistas que representem, no mínimo, metade do total de votos conferidos à ações com direito a voto e das ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito; sejam excluídos das votações os titulares de ações da classe cujo voto plural se pretende prorrogar; e seja assegurado aos acionistas dissidentes, nas hipóteses de prorrogação, o direito de retirada.   

 Além disso, houve limitação quanto às matérias em que o voto plural pode ser adotado. Neste sentido, o voto plural não pode ser usado em assembleias que deliberarem a respeito da remuneração de administradores, nem sobre transações com partes relacionadas (§12, art. 110-A).  

  

Outras importantes proteções incluídas na Lei 14.195/21 são:  

  

  • Os acionistas dissidentes da deliberação sobre as ações com voto plural terão o seu direito de recesso assegurado, exceto nos casos em que a criação dessas ações já estiver prevista ou autorizada pelo estatuto social da empresa;  

  

  • Uma vez autorizada a negociação das ações com voto plural, as suas características só poderão ser alteradas para reduzir os direitos ou vantagens dessas ações;  

  

  • Ações com voto plural serão automaticamente convertidas em ações sem voto plural, caso sejam transferidas para terceiros;   
  • São vedadas as operações de incorporação ou cisão de companhias que não adotem o voto plural caso a empresa incorporadora, sobrevivente ou resultante utilize o instrumento;  

 Apesar das críticas, o voto plural foi bem recebido pelo mercado de capitais, por operar simultaneamente como um estímulo ao empreendedorismo brasileiro e à competitividade da bolsa nacional, encorajando especialmente as startups a abrirem seu capital, sem a perda do controle sobre a gestão dos negócios.  

  

Ao mesmo tempo, incentiva os investidores que se sentem mais seguros de investir em companhias com controle consolidado nas mãos dos criadores do negócio, que têm maior interesse e comprometimento com o sucesso das atividades a longo prazo.  

  

Bibliografia  

  

CARVALHOSA, Modesto. Voto Plural: evolução ou retrocesso? In Diálogos com Coutinho de Abreu – Estudos Oferecidos no Aniversário do Professor. Coimbra: Almedina, 2020.  

  

Parecer Proferido em Plenário à MPV nº 1.040 de 2021 – Disponível em <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2026492&filename=PRLP+1+%3D%3E+MPV+1040/2021> Acessado em 21/11/2021  

  

Novas Regras de Proteção dos Acioniostas Minoritários – Disponível em <http://blog.embsa.com.br/blog/novas-regras-de-protecao-dos-acionistas-minoritarios> Acessado em 21/11/2021.  

  

BRAGA, Anna Luiza Pires da Costa. A Mitigação do Princípio “One  Share, One Vote”. Trabalho de Conclusão de Curso (Direito Societário). FGV Direito Rio. Rio de Janeiro, 2020.   

Flávia de Faria Horta Pluchino