FRAUDE À EXECUÇÃO: ENTRE A ANULAÇÃO E A INEFICÁCIA DO ATO FRAUDULENTO

Nas operações imobiliárias, tema recorrente é o exame pelo interessado em adquirir o imóvel, se a aquisição pode ser considerada fraudulenta, ou mesmo se a operação pela qual o atual proprietário adquiriu o bem foi assim considerada.

A fraude à execução caracteriza-se quando a alienação de bens é feita já na pendência de um processo cujo desfecho possa conduzir à imposição de medidas sobre o bem alienado[1]. Com essas condutas, o obrigado deseja prejudicar o titular do direito a ser satisfeito, alienando seus bens de modo que, ao final do processo e vencido, já não tenha patrimônio para responder pela dívida ou obrigação.

 

Neste tipo de situação é comum a confusão entre dois conceitos diferentes: nulidade e ineficácia.

 

A nulidade é a consequência de um defeito intrínseco do ato, que o tira a capacidade de produzir os efeitos programados. Em princípio a validade do ato depende do tríplice requisito: agente capaz, objeto lícito e juridicamente possível, e forma obediente à lei (ex. a compra e venda feita por pessoa incapaz é nula).

 

Por outro lado, o negócio pode ser válido, porém não produzir efeitos em face de terceiros (ineficácia). A ineficácia é o fenômeno jurídico pelo qual o ato não produz efeito em relação a algum, ou alguns sujeitos de direito, permanecendo hígido e válido em relação aos demais.

 

Neste sentido, a ineficácia é a técnica utilizada para que a venda fraudulenta não impacte na diminuição do credor em receber seu crédito, após ter se sagrado vencedor em um processo.

 

Assim, o negócio fraudulento produz efeitos em relação ao devedor e ao alienante, porém é ineficaz perante o credor. As fraudes do devedor devem ser encaradas, exclusivamente, pelo prisma do empenho em preservar o bem para a execução, pouco importando ao credor que ele haja passado de um dono a outro, desde que continue à disposição para satisfazer o crédito[2].

 

Por isso, o ato judicial que reconhece a fraude não retira do negócio fraudulento a eficácia programada de transferir a propriedade em favor de terceiro, mesmo que se trate de disposição do bem já constrito. Por outro lado, a anulação do negócio jurídico, seria um prêmio ao devedor alienante e um ônus desproporcional ao terceiro adquirente, que ficaria inteiramente privado do bem.

 

Podemos imaginar a hipótese que após uma operação realizada em fraude à execução ter sido declarada como “nula”, o devedor venha a ter sucesso nos embargos à execução, sendo extinta a execução que gerou a decisão de fraude em razão de prescrição. Neste caso, o bem teria desnecessariamente retornado ao patrimônio do vendedor, em evidente prejuízo ao comprador, que se veria despossuído de bem.

 

Outra hipótese seria de, após satisfeito o crédito com o leilão do bem penhorado, ainda restar saldo (o valor pago para arrematar o imóvel é superior ao do débito que o levou a ser leiloado), sendo que, se anulada a compra e venda fraudulenta, recolocando-se o devedor na posição de dono do bem, a ele seria restituído saldo e não ao adquirente[3]!

 

Outra questão, que é objeto de grandes dúvidas, é a possibilidade do registro de transferência de bem imóvel, após ter sido reconhecida como fraudulenta a operação pela qual o atual proprietário tenha adquirido o imóvel (inclusive com averbação, na matrícula do imóvel, de ineficácia de tal operação).

 

Retomando as premissas deste artigo, a ineficácia não se confunde com a nulidade do ato. Neste sentido, a existência de averbação de ineficácia não impede a alienação do imóvel, nem seu registro.

 

Tal tema já foi objeto de análise pela E. Corregedoria Geral de Justiça do TJSP (autos n.° 1070704-51.2019.8.26.0100, Relatora Dra. Tânia Mara Ahualli), que assim decidiu:

 

[…] “Há ineficácia quando os efeitos do negócio jurídico não se produzem em relação a algum, ou alguns sujeitos de direito, mas se irradiam relativamente a outro, ou outros. […]

Daí ser possível concluir que a declaração de ineficácia, com relação a um sujeito de direito, não acarreta nulidade do negócio, o que resultaria no cancelamento do registro. Neste contexto, a transferência da propriedade permanece existente e válida […].

Ressalto que o reconhecimento da fraude à execução não contamina o registro, já que não lhe tira a validade”.

 

Em resumo e de acordo com robustos e sólidos entendimentos da doutrina e jurisprudência da E. Corregedoria Geral de Justiça do TJSP, não é necessário o prévio cancelamento de averbação de ineficácia para que o atual proprietário possa vender o imóvel, não obstante o adquirente terá ciência da existência de tal “constrição” sobre o imóvel, que poderá responder ao crédito devido a quem a declaração de ineficácia aproveite.

 

Tais conceitos apesar de vagos, têm grande relevância prática nos negócios imobiliários, não somente em razão da preservação dos interesses dos terceiros adquirentes, como também, em razão de permitir compra de imóvel, em que a operação atual ou anterior possa ser considerada como fraudulenta. Caberá, nesses casos, ao interessado bem assessorado, analisar os riscos e oportunidades de sua eventual aquisição, à luz do valor do débito que gerou ou poderá gerar o reconhecimento da fraude em comparação com o valor do próprio imóvel.

 

Rodrigo Elian Sanchez

 

[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Malheiros Editores, 2019, p. 404.

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Malheiros Editores, 2019, p. 408.

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo, Malheiros Editores, 2019, p. 409.