RESPONSABILIDADE PELOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA NO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NAS AÇÕES DE EXECUÇÃO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
1.Introdução:
O presente artigo tem por objetivo, sem pretender esgotar o tema, discutir a distribuição dos honorários de sucumbência nas execuções extintas, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente.
Para tanto, inicialmente trazemos breve análise sobre os princípios da sucumbência e da causalidade e a aplicação deles no direito brasileiro, após o advento do CPC/2015.
Definido o responsável pelos custos do processo, passamos à análise da prescrição intercorrente no novo Código de Processo Civil para, então, verificar como o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo esta questão.
2. Da Responsabilidade Pelos Custos Do Processo No Direito Brasileiro:
As regras que tutelam os custos do processo e a responsabilidade pelo seu pagamento tem como espoco assegurar certos valores que podem ser expressos na máxima de que: a necessidade do processo não pode provocar uma diminuição no direito postulado.
Até o advento do CPC/2015, o ordenamento jurídico brasileiro adotava o princípio da sucumbência para definir o responsável pelos custos do processo.
Através deste princípio, aquele que perdesse a ação, arcava com o pagamento das custas processuais e dos honorários de sucumbência dos advogados da parte contrária.
Segundo Dinamarco, este princípio partia do pressuposto de que o processo deve resolver a controvérsia de modo integral, promovendo a satisfação do direito como se ele tivesse sido cumprido espontaneamente.
Não obstante a opção do legislador pela utilização do princípio da sucumbência na definição do responsável pelo pagamento dos custos do processo, a doutrina e a jurisprudência já vinham tecendo críticas à sua utilização como regra geral, especialmente porque ele não solucionava os casos em que, mesmo vencido, o titular do direito não teria dado causa à instauração da lide, como, por exemplo, nos casos em que a extinção da ação de execução decorre da declaração de prescrição intercorrente por ausência de localização de bens penhoráveis do devedor.
A partir daí, portanto, construiu-se a noção da causalidade como critério geral para definir quem deveria arcar com os custos do processo, de modo que, será onerado o demandante que provocou o surgimento do contraditório.
O novo Código de Processo Civil, portanto, na esteira da doutrina e da jurisprudência, observou que a sucumbência, na verdade, é o elemento mais importante da causalidade, mas é esta o verdadeiro critério geral de definição do responsável pelas despesas do processo. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o assunto esclarecem que:
“(…) aplica-se o princípio da causalidade para repartir as despesas e custas do processo entre as partes. O processo não pode causar dano àquele que tinha razão para o instaurar (…)” [1]
Assim, nos termos do CPC/2015, aquele que deu causa à propositura da ação ou à instauração do incidente processual, deve responder pelas despesas daí decorrentes. A adoção do princípio da causalidade não representou o abandono da sucumbência como forma de resolver esta questão. Via de regra, ela é o indício que na maioria dos casos aponta o responsável pelo ajuizamento da ação.
Não à toa, o art. 85, do CPC/2015, dispõe que o vencido pagará honorários aos advogados da parte vencedora. Entretanto, a aplicação desta regra jurídica deverá ser tomada a partir da análise da situação de fato, pois, naquelas em que, mesmo vencida, a parte sucumbente não tenha dado causa ao processo, o julgador ficará obrigado a verificar no plano do direito material, quem se recusou a cumprir espontaneamente a obrigação e, portanto, deu causa à interposição da ação.
A partir, portanto, do CPC/2015, vigora a máxima de que a obrigação de arcar com os custos do processo, aí incluídos os honorários de sucumbência, deve ser atribuída à parte que lhe deu causa.
3.Da Prescrição Intercorrente Nas Ações De Execução E A Posição Da Jurisprudência Do Stj Sobre Os Honorários De Sucumbência:
A prescrição, prevista no art. 189, do Código Civil, corresponde à extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia do titular da obrigação descumprida durante certo lapso de tempo.
O fundamento da prescrição é a segurança jurídica, verificada na estabilidade das relações sociais, que não se coaduna com a possibilidade de pretensões judiciais subsistirem indefinidamente no tempo.
Neste sentido, o direito persiste, mas seu titular não encontrará força junto ao poder judiciário para obrigar seu cumprimento por aquele que se nega a fazê-lo espontaneamente.
A prescrição intercorrente é aquela que pode ocorrer durante o trâmite processual, em razão da inércia do postulante em dar andamento ao processo. Nas ações de execução, ela pode ser definida como a perda da pretensão à tutela jurisdicional executiva pela falta de impulso processual pelo exequente.
A aplicação da prescrição intercorrente às ações de execução foi expressamente autorizada pelo CPC/2015, no art. 921, inc. III e §§:
“Art. 921. Suspende-se a execução:
(…)
III. Quando o executado não possuir bens penhoráveis.
(…)
§ 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.
§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.
§ 4º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.
§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4º e extinguir o processo.” (grifos nossos)
Com o advento do CPC/2015, portanto, pôs-se fim à dicotomia que havia na jurisprudência, quanto ao marco temporal de sua aplicação. Da leitura de referido artigo, verifica-se que o marco da contagem do prazo da prescrição intercorrente nas ações de execução é o dia seguinte ao término do prazo de um ano da suspensão do processo pela não localização de bens do devedor, independentemente de nova intimação do exequente.
Nos termos da Súmula 150, do STF, a consumação do prazo da prescrição intercorrente se dará no mesmo prazo da ação. Assim, se o prazo para a parte provocar o judiciário a fim de forçar o cumprimento de um direito recusado pela outra parte for de três anos, o credor terá três anos, a contar do término do prazo de suspensão da execução, para localizar bens do devedor passíveis de penhora. Esgotado este prazo, opera-se a prescrição intercorrente.
Disto se concluiu que nas ações de execução, a prescrição intercorrente sempre terá como causa a impossibilidade de localização de bens penhoráveis aptos à satisfação da dívida.
À primeira vista, a extinção da ação de execução pela declaração da prescrição intercorrente decorreria de culpa do exequente, que teria se quedado inerte em impulsionar o processo após o término do prazo de suspensão da ação de execução, o que faria presumir ser sua a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios.
Entretanto, a declaração da prescrição intercorrente não afeta a presunção de certeza e liquidez do título executivo e nem o inadimplemento do devedor e sua exigibilidade, que são os requisitos que autorizam o ajuizamento da ação de execução.
Desta forma, ainda que o credor tenha falhado em dar o devido andamento ao feito durante o prazo prescricional inaugurado nos termos do art. 921, inc. III e §§, a única consequência desta situação para ele, é a perda da pretensão de exigir judicialmente a satisfação do seu direito. Os custos do processo e especialmente os honorários advocatícios, serão imputados ao devedor, que foi quem deu causa ao ajuizamento da ação, ao se recusar a cumprir espontaneamente sua obrigação.
Neste sentido se consolidou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, sobre o tema:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. HONORÁRIOS EM FAVOR DO EXECUTADO. DESCABIMENTO. CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA DO EXEQUENTE. 1. Consoante jurisprudência do STJ, “declarada a prescrição intercorrente por ausência de localização de bens, incabível a fixação de verba honorária em favor do executado, eis que diante dos princípios da efetividade do processo, da boa-fé e da cooperação, não pode o devedor se beneficiar do não cumprimento de sua obrigação. A prescrição intercorrente por ausência de localização de bens não retira o princípio da causalidade em desfavor do devedor, nem atrai a sucumbência para o exequente’ (REsp 1769201/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotii, Quarta Turma, julgado em 12/03/2019, DJe 20/03/2019). ” (AgInt no REsp 1837468/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04/02/2020). ”
Não obstante, a questão é tormentosa e controversa, pois nas instâncias ordinárias, há predominância do critério isolado da sucumbência nestes casos e é o exequente, em sua maioria, quem é condenado nos honorários advocatícios.
4.CONCLUSÃO:
Segundo a posição que predomina hoje no Superior Tribunal de Justiça, nos casos de encerramento da ação de execução em decorrência do reconhecimento da prescrição intercorrente, o princípio da causalidade prevalece sobre o princípio da sucumbência.
Neste sentido, independente da causa que ensejou o reconhecimento da prescrição intercorrente, o devedor permanece como sendo o único responsável pela necessidade de instauração da demanda executiva e, portanto, é considerado, exclusivamente, responsável pelos custos do processo.
Logo, o reconhecimento da prescrição intercorrente, de acordo com o STJ, não significa a liberação do devedor de toda e qualquer obrigação decorrente da ação de execução, uma vez que será onerado com condenação ao pagamento dos honorários sucumbenciais.
Porém, tal entendimento se levado ao limite, demonstra fragilidades, como no caso em que o devedor beneficiado pela extinção do processo em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente é condenado ao pagamento de honorários e os advogados beneficiados com tal condenação não encontram bens do devedor para satisfazer o crédito, ou mesmo, são desidiosos em dar andamento ao cumprimento de sentença referente ao crédito sucumbencial.
Neste caso, o devedor, após o decurso de certo tempo, poderá alegar a prescrição intercorrente. Seria, porém, novamente condenado em honorários, criando um processo sem fim e solapando a garantia de pacificação social e segurança albergada pelo instituto da prescrição.
Portanto, a aplicação destemperada do princípio da causalidade poderá agir em sentido diametralmente oposto justamente à situação que o instituto da prescrição visa coibir, ao criar ininterruptas obrigações com honorários advocatícios que jamais serão pagas.
Ademais, ela cria distorção ao favorecer o credor que, após o término do prazo de suspensão da execução, mantém-se inerte na adoção das medidas necessárias à localização de bens do devedor.
Diante disso, a questão permanece sem uma solução adequada pelo Judiciário. Não seria o caso de isenção de condenação de quaisquer das partes no pagamento de honorários de sucumbência, pois assim nem o devedor que deu causa à ação seria beneficiado injustamente; nem o exequente desidioso seria premiado? Não se deveria, também nestes casos, verificar realmente se o credor foi diligente e realizou todas as medidas em seu alcance para localizar bens do devedor e não teve êxito?
Estas são questões que entendemos pertinentes e que, no nosso entendimento, autorizariam a parte prejudicada a buscar uma solução junto ao judiciário.
Flávia de Faria Horta Pluchino e Aline Hitomi Kawakami Yamaguchi
[1] Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery; Comentários ao Código de Processo Civil; Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais; 2ª Tiragem; página 430.
- DOS SANTOS FILHO, Orlando Venâncio. O ônus do pagamento dos honorários e o princípio da causalidade. Disponível em <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/330/r137-04.pdf?sequence=4>. Acessado em 20/07/2020.
- LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Comentários ao Código de Processo Civil: das partes e dos procuradores. Arts. 70 ao 118. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
- CRUZ E TUCCI, José Rogério. STJ traz nova orientação sobre o reconhecimento da prescrição intercorrente. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2015-nov-03/paradoxo-corte-stj-traz-orientacao-prescricao-intercorrente-execucao>. Acessado em 23/07/2020.
- Superior Tribunal de Justiça. Pesquisa pronta. Disponível em <https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&O=RR&preConsultaPP=000006792%2F0>. Acessado em 13/07/2020.