LEGITIMIDADE DA SOCIEDADE NA EXECUÇÃO ESPECÍFICA DE ACORDO DE QUOTISTAS.

  • Acordo de Quotistas – Natureza Jurídica, Objeto e Eficácia

 

O acordo de quotistas, inspirado no acordo de acionistas previsto no art. 118, da Lei nº 6.04/76 – Lei das Sociedades Anônimas, é negócio jurídico celebrado entre sócios de uma sociedade limitada. Por meio deste instrumento seus signatários criam e regulam suas relações decorrentes do elo societário.

No direito brasileiro, sua natureza jurídica é de um contrato civil, que demanda, além dos requisitos previstos para a validade de todos os negócios jurídicos (art. 104, Código Civil), dois requisitos complementares: o subjetivo e o objetivo. O subjetivo, correspondente à necessidade de que seus signatários serem titulares de direitos de sócios da sociedade e o objetivo, correspondente à sua vinculação à existência da pessoa jurídica, pois ele é firmado tão somente para disciplinar os interesses sociais dos sócios de uma sociedade limitada.

 

Apesar de depender da sociedade para existir, as disposições do acordo de quotistas têm conteúdo distinto das declarações presentes no contrato social. Com efeito, os acordos de quotistas são concluídos para produzir efeitos no âmbito social, mas sua eficácia é limitada, em princípio, às partes que o celebram.

 

Não obstante ser pacífico na doutrina e na jurisprudência a impossibilidade de a sociedade ser parte em acordo de quotistas, na medida em que este pacto produzirá efeitos em sua esfera jurídica, é muito comum, além de aconselhável, que ela integre a contrato como interveniente.

 

Quanto ao seu objeto, contanto que acordo de sócios não contrarie o disposto no contrato social ou na lei, direta ou indiretamente, ele pode tratar de qualquer direito ou obrigação que decorra da condição de titulares de direitos de sócios da sociedade limitada.

 

As cláusula mais comuns dos acordos de quotistas dizem respeito ao direito de voto (que visa regular o exercício do direito de voto para influenciar nas deliberações sociais ou dos órgãos de administração da sociedade), direito de preferência (que visa regular a preferência na aquisição de quotas do sócio signatário do acordo de quotistas que deseje alienar, total ou parcialmente, sua participação no capital social) e direito de bloqueio, que tem por escopo restringir a livre cessão e circulação das quotas das partes do acordo de quotistas.

 

Entre as cláusulas de bloqueio, podemos destacar, como principais, as seguintes:

 

Lock up – período contratado pelas partes do acordo, em que os sócios ficam impedidos de alienar suas quotas sociais. Também conhecida como período de permanência com as quotas;

Tag along – Direito de venda conjunta. Mecanismo que condiciona a aquisição das quotas de um sócio por um terceiro, à aquisição das quotas dos demais sócios que exercerem o tag along pelo valor previamente estabelecido, normalmente correspondente a um percentual do valor de aquisição das quotas do sócio ofertante. Salienta-se que o tag along previsto na alienação de controle de companhia aberta (art. 254-A da LSA) não se aplica às sociedades limitadas.

Drag along –Pela cláusula de drag along, o sócio que receber uma oferta para a venda de suas quotas a terceiros, poderá exigir que os demais sócios também vendam as suas quotas ao terceiro.

Put option (opção de venda) e call option (opção de compra). Por meio da put option, o titular da opção de venda pode obrigar a outra parte a comprar as suas quotas por certo valor. Já por meio da call option, o titular da opção de compra pode obrigar a outra parte a vender-lhe suas quotas por determinado valor.

Buy or sell. Mecanismo que permite que um sócio faça uma oferta a outro para comprar toda as suas quotas pelo preço sugerido. Com a comunicação do exercício de referida cláusula, o outro sócio, ou compra todas as quotas pelo preço sugerido, ou vende todas as suas quotas pelo mesmo preço. Tem por finalidade solucionar disputas societárias sem a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário.

Independentemente da forma adotada ou do preenchimento de qualquer outro requisito formal, os acordos de sócios validamente celebrados produzirão efeitos em relação às partes, que estarão obrigadas a cumpri-lo.

 

No âmbito das sociedades anônimas, em que o acordo de acionistas é regulamentado no artigo 118, da Lei nº 6.404/76, desde que arquivado na sede da companhia, ele obriga a própria companhia e terceiros.

 

Muito se discute se esta norma contida na Lei das S/A seria também aplicável aos acordos de sócios no âmbito das sociedades limitadas, especialmente naquelas em que o contrato social não prevê a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima, em face do que dispõe o art. 997, parágrafo único do Código Civil.

 

Apesar de existirem correntes contrárias, nos filiamos à corrente defendida por autores como Modesto Carvalhosa, Herbert Morgenstern Krugler e André Luiz Meneses Azevedo Sette, que entende que, independentemente do contrato social prever ou não a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima, deve-se aplicar, por analogia, o art. 118, da Lei das S/A aos acordos de sócios, naquilo que não contrariar a essência da sociedade limitada.

 

Desta forma, o pressuposto de ordem material para que o acordo de quotistas produza efeitos perante a sociedade e terceiros, é que ele tenha como objeto as matérias previstas no artigo 118, da Lei das S/A, a saber, compra e venda de quotas, preferência para sua aquisição, exercício do direito de voto ou do poder de controle, pois são somente estas matérias que são oponíveis pela lei à sociedade e à terceiros.

 

Já os pressupostos de ordem formal são: (i) arquivamento do acordo na sede da sociedade, para que esta tenha inequívoca ciência quanto aos seus termos; e (ii) dar publicidade ao acordo por meio de seu arquivamento na Junta Comercial, dado que a sociedade limitada não possui livros de registros que funcionem como registro de caráter público e nem emite certificados.

 

Cumpridos estes pressupostos, os acordos de sócios obrigarão a sociedade e os terceiros.

 

  • Da Execução Específica dos Acordos de Sócios – Legitimidade Processual Ativa e Passiva

Feitas as breves considerações sobre a natureza jurídica do acordo de quotistas, seu objeto, partes e eficácia, passamos agora à análise do mecanismo judicial para obrigar seu cumprimento pelo sócio inadimplente.

 

Nos termos do art. 118, da Lei das S/A, em caso de inadimplemento de algum acionista ao disposto no acordo por ele celebrado, os demais podem promover a execução específica das obrigações assumidas.

 

Neste sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (STJ):

 

“Entretanto, nos termos do § 3°, do art. 118, da Lei n° 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), o acordo de acionistas enseja obrigação específica das obrigações nele assumidas. Portanto, a ação em que se busca o cumprimento do acordo de acionistas é regulada pelos atuais arts. 466-A a 466-C, do CPC (antigos arts. 639 a 641, na redação do CPC anterior à Lei n.o 11.232/2005), eis que, via de regra, a pretensão é o cumprimento de obrigação de fazer (prestar declaração de vontade, como e.g., votar na sociedade; ou contratar, como na compra e venda de ações) ou o cumprimento de obrigação de dar coisa certa (como e.g., entregar ações). Superior Tribunal de Justiça (STJ), Resp. n° 784.267 – RJ (2005/0159503-0). Rel. Min Nancy Adrighi. d.j. 17/9/2007”.

 

Desta forma, diante do inadimplemento, por uma das partes, de obrigações assumidas no acordo de quotistas, poderão os demais sócios participantes do pacto exigir em Juízo a emissão de declaração de vontade (art. 501, do CPC/2015). Neste sentido, a sentença judicial substituirá a declaração de vontade não emitida, produzindo o mesmo efeito que ela.

 

Não obstante a sociedade não ser parte do acordo de quotistas, muitas controvérsias surgem quanto à necessidade de que seja ela parte na ação de execução específica de suas obrigações.

 

A legitimidade de parte relaciona-se à qualidade expressa em lei que autoriza o sujeito a buscar seu direito em juízo (legitimidade ativa) contra quem entende ser responsável por seu cumprimento (legitimidade passiva).

 

Nas ações que envolvem o cumprimento de obrigações de acordo de quotistas, portanto, é evidente que a legitimidade passiva ordinariamente pertence ao sócio que deixar de cumprir a obrigação assumida no acordo de quotistas.

 

Quanto à legitimidade ativa, ela pertence ao(s) sócio(s) que se sentir(em) prejudicado(s) pelo eventual descumprimento da obrigação assumida, pois dele é o direito de exigir seu adimplemento.

 

Assim, em princípio, não sendo parte do acordo de quotistas, a sociedade careceria de legitimidade para figurar na ação, seja como autor, seja como réu.

 

Relativamente à legitimidade ativa, nenhum autor pesquisado entende que possa a sociedade demandar o sócio em razão de descumprimento de acordo de quotistas, pelo simples fato de que ela nunca será titular do direito pretendido, esbarrando, portanto, no óbice do art. 18, do CPC/2015.

 

Entretanto, como já salientado, mesmo que não seja parte do acordo de quotistas, tem-se que, em determinados casos, a sociedade terá sua esfera jurídica diretamente atingida.

 

Assim, a doutrina majoritária firmou seu entendimento no sentido de que a legitimidade passiva da sociedade, ainda que não seja parte do acordo de quotistas, pode surgir, a depender dos efeitos que a execução específica da obrigação produzirem.

 

Marcelo M. Bertoldi explica que, quando os efeitos da execução específica limitarem-se a substituir a declaração de vontade não emitida pelo sócio faltoso, a sociedade não teria legitimidade passiva para responder pela demanda, pois nestes casos, o efeito atinge apenas a esfera jurídica dos próprios sócios e a sociedade irá apenas recepcionar a sentença.

 

Por outro lado, nos casos em que os efeitos da execução específica ensejarem a ineficácia dos atos registrados na sociedade, sua esfera jurídica será diretamente afetada, pois deverá sujeitar-se aos efeitos da sentença, com a anulação da deliberação ou no que se refere aos registros quanto à eventual cessão de quotas que serão desconsiderados.

 

Este entendimento também é manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça:

 

“Recurso Especial. Direito Processual Civil e Direito Societário. Acordo de Acionistas. Execução Específica de obrigações de fazer e de entregar coisa certa (…)

– A sociedade também tem legitimidade passiva para a causa em que se busca o cumprimento de acordo de acionistas, porque terá que suportar os efeitos da decisão; como na espécie em que o cumprimento do acordo implicaria na cisão parcial da sociedade. Recursos especiais não conhecidos.”[1]

 

Nestes casos, portanto, poderá surgir a legitimidade passiva da sociedade para responder pela ação de execução específica e, até mesmo, para que a sentença proferida produza seus efeitos perante ela.

  • Conclusão

Nos termos do 18, do CPC/2015, ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.

 

A sociedade, mesmo sendo o pressuposto do acordo de quotistas, em nenhuma hipótese dele será parte. Logo, na esteira da doutrina majoritária sobre o tema, entendemos que fica afastada sua legitimidade ativa para as ações de execução específica do pacto, pois os direitos e deveres nele contidos não lhe pertencem.

 

Entretanto, a particularidade principal do acordo de quotistas é justamente sua capacidade de produzir efeitos perante a esfera jurídica de terceiros, aí incluída a sociedade.

 

Toda vez, portanto, que os efeitos da execução específica do acordo de sócios atingir diretamente a esfera jurídica da sociedade, ela terá legitimidade passiva para responder aos termos da ação. Exemplos disto são vistos nas ações envolvendo direito de voto ou de bloqueio, em que, além de recepcionar a sentença, deverá a sociedade invalidar o ato jurídico registrado.

 

Dito isto, pode-se concluir que a legitimidade da sociedade nas ações de execução específica de acordos de quotistas não é automática. Ela deverá ser analisada caso a caso e dependerá dos efeitos que a declaração de vontade não emitida produzirá na esfera jurídica da sociedade.

 

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

 

[1] STJ – 3ª Turma – REsp 784267/RJ, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. 31.08.2007.

 

 

BARBI FILHO, Celso. Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no direito brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Vol. 121. São Paulo: Malheiros, 2001.

 

CARVALHOSA, Modesto. Eficácia e execução específica do acordo de acionistas. Revista EMERJ, vol. 7, n. 26, 2004.

 

SETTE, André Luiz Menezes Azevedo, Acordo de quotistas sob a ótica do novo Código Civil. Repertório de Jurisprudência. IOB, nº 13/2003, vol. III.

 

BENEMOND, Fernanda Hennenberg. Acordo de quotistas de sociedades limitadas. 54 f. Dissertação (Mestrado em Direito Societário) – Instituto de Ensino e Pesquisa – INSPER, São Paulo, São Paulo, 2015.