BOLETIM INFORMATIVO – DEZEMBRO DE 2019.
Boletim RES, Advogados
dezembro de 2019
Prezados Srs.
Neste boletim, os artigos tratam de matérias nas áreas: trabalhista, tributário, cível e processual.
No campo do direito do trabalho, novo precedente em relação a responsabilidade do empregador em acidente de trabalho é objeto de análise.
No campo de direito tributário, artigo trata da incidência do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) na partilha de bens em separação ou divórcio, bem como cautelas na aquisição de imóveis.
Na área cível, o assunto tratado foi a discussão sobre a liberdade da locação através de aplicativo AIRBNB e o julgamento em curso perante o STJ.
Por fim, na área de direito processual, o artigo trata da produção antecipada de provas perante o poder judiciário, quando existe cláusula compromissória arbitragem.
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Uma boa leitura.
Índice:
Direito Trabalhista:
A Responsabilidade do Empregador em Acidente de Trabalho. Fls. 3-5
– Eduardo Galvão Prado
Direito Tributário:
ITBI na partilha de bens imóveis em separação ou divórcio. fls. 6-11
– Rodrigo Elian Sanchez
Direito Cível:
Locação de imóveis através de aplicativo AIRBNB é analisada pelo STJ. fls. 12-17
– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho
Direito Processual:
Produção Antecipada de Provas sem Urgência e Arbitragem: Possibilidade de Extensão da Competência do Poder Judiciário. fls. 18-24
– Flávia de Faria Horta Pluchino
A responsabilidade do empregador em acidente de trabalho.
A Constituição Federal de 1988, estabelece de forma expressa que a responsabilidade do empregador, em caso de acidente de trabalho, é subjetiva, ou seja, depende de dolo, que é uma conduta intencional, ou de culpa, que é uma conduta praticada com imprudência, imperícia ou negligência.
Ocorre que atualmente, há inúmeras decisões judiciais reconhecendo, com fundamente no código civil, que, se a atividade exercida pelo empregado for de risco, a responsabilidade do empregador em caso de acidente do trabalho é objetiva, ou seja, independe de dolo ou culpa.
Apesar de não existir um conceito de atividade de risco definido legalmente para os fins trabalhistas, podemos partir do princípio que atividade de risco é aquela que gera um risco incomum em relação à outras atividades, bem como, as atividades classificadas como insalubres ou perigosas nos artigos 189 e 193 da CLT e outras leis especiais.
De qualquer forma, o Juízo irá classificar a atividade como sendo de risco ou não, em cada caso concreto e, mesmo nas atividades de risco, se o acidente não for causado pelo “risco incomum” em relação à outras atividades ou pelo agente insalubre ou perigoso, deverá ser aplicada a responsabilidade subjetiva prevista na Constituição Federal.
Se existia, anteriormente, ampla discussão sobre o tema, já que a regra contida no inc. XXVIII do art. 7º, CF/88, declara que a responsabilidade do empregador em casos de acidentes de trabalho depende da demonstração de culpa, mesmo a mais leve (negligência, imperícia e imprudência), com o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, do Recurso Extraordinário nº 828040, foi admitido que a regra da responsabilidade subjetiva comporta exceções.
Como fundamento para flexibilizar a regra constitucional, o STJ destacou a necessidade da proteção da vítima, a proteção da dignidade humana (CF, art. 1º), a valorização do trabalho (CF, art. 170).
Tendo em vista que a decisão do Supremo Tribunal Federal tem repercussão geral, as instâncias inferiores devem seguir o mesmo entendimento.
Tal entendimento apontado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 828040, já era tendência em julgados do TST, que admitia a imputação da responsabilidade civil objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho em atividades de risco.
Portanto, está consolidado o entendimento de que, nas atividades de risco, a responsabilidade do empregador em caso de acidente de trabalho independe de dolo ou culpa e, nos casos de atividades que não são de risco, a responsabilidade do empregador continua a depender da demonstração de dolo ou culpa, por parte do empregador.
Em resumo, a regra contida no inc. XXVIII do art. 7º, CF/88, foi flexibilizada para algumas situações, porém não afastada completamente.
Podem ser consideradas atitudes culposas, por exemplo, a falta de manutenção adequada dos equipamentos de segurança contra incêndio, desrespeito a determinações de segurança do trabalho, entre outras faltas que acabam ampliando o risco dos empregados de se submeterem à acidentes.
– Eduardo Galvão Prado
ITBI na partilha de bens imóveis em separação ou divórcio.
Apesar da área de expertise de nosso escritório não ser a tributária, atuamos com grande intensidade na área imobiliária, sendo que uma questão que tem sido frequente motivo de dissabores, se refere ao recolhimento do ITBI ou ITCMD na partilha de bens e cautelas prévias para aquisição de propriedades.
Neste sentido, nos aventuramos a tratar deste tema.
Não é incomum que os proprietários deixem de registrar a carta de sentença, expedida em processo de separação ou divórcio, sendo que só o vão realizar quando premidos pela necessidade de regularizá-los, especialmente, por ocasião da venda destes imóveis.
Por outro lado, para interessados em adquirir um imóvel, após a análise de pendências que onerem o imóvel e passivos dos atuais proprietários, importante não relegar para segundo plano questão relacionada a cadeia dominial, nos casos em que uma pessoa se diz único proprietário do imóvel e, ao analisar a matrícula, se verifica que o imóvel pertence ao vendedor e ao seu ex-cônjuge.
Nestes casos, o vendedor, por exemplo, demonstra ser o único proprietário, ao exibir carta de sentença expedida em processo de divórcio, pelo qual referido imóvel ficou pertencendo, exclusivamente, a ele. É também usual mencionar que se a venda for adiante, se enviará, simultaneamente à registro, tanto a carta de sentença, como a escritura de venda, tendo como único vendedor este cônjuge.
Porém, neste momento, surpresas desagradáveis podem surgir, para registrar a carta de sentença; ato antecedente para viabilizar o registro da posterior venda do imóvel.
É corriqueiro a exigência, por parte dos cartórios de registro de imóveis, de demonstração de quitação de ITBI, quando os bens do casal não tenham sido partilhados, em iguais quinhões.
Como na partilha dos bens comuns, os cônjuges podem decidir se e como dividirão o patrimônio comum, não é raro que se opte por dividir os bens de forma a evitar a copropriedade. Assim, por exemplo, um casal que possui um imóvel e aplicações financeiras de igual valor, podem optar por partilhar seus bens de modo que uma das partes fique, integralmente, com o imóvel e a outra, integralmente, com as aplicações financeiras.
Porém diversos municípios vêm entendendo que a transferência de bens imóveis, nestas hipóteses equivale à venda de metade do imóvel, exigindo recolhimento de ITBI.
Entendem, portanto, que se o imóvel não for partilhado metade para cada cônjuge, teria ocorrido “venda” de metade do imóvel por metade da aplicação financeira.
Porém, tal entendimento é descabido, já que o ITBI (imposto de transferência de bens imóveis) apenas incide em operações onerosas, sendo que a partilha de bens representa apenas a divisão patrimonial dos bens já existentes em comunhão, afastando qualquer hipótese de venda ou transmissão e, portanto, não incidindo, ITBI.
Nesse sentido é o entendimento de diversas Câmaras do TJSP:
“REPETIÇÃO DE INDÉBITO – ITBI – Exercício de 2012 – Município de São Sebastião – Existência de excesso na meação havida na separação judicial da autora, com o consentimento desta – Divisão patrimonial não igualitária – Transmissão de bem imóvel por ato oneroso não configurada – Consorte que abre mão de sua meação em favor do outro – Inocorrência do fato gerador, neste caso, do ITBI – Precedentes jurisprudenciais – Pleito inaugural agora acolhido – Inversão da sucumbência – Sentença reformada – Apelo provido, com determinação. (Apelação nº 0000797-10.2013.8.26.0587, em 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, j. em 14.05.2015 Relator Silva Russo).
“ITBI – Município de Santos – Repetição de indébito – Divórcio consensual – Excesso de meação – Transmissão a título não oneroso – Hipótese de não incidência do imposto – Recolhimento indevido – Devolução que se impõe – Recurso não provido. (Apelação nº 0144859-71.2007.8.26.0000, 15ª Câmara de Direito Público, julgado em 19.01.2012, Relator Erbetta Filho).
“Apelação. Ação declaratória de inexistência jurídico tributária. ITBI. Partilha de bens em alteração de regime matrimonial. Sentença de procedência. Pretensão à reforma. Desacolhimento. Partilha de bens sem caráter oneroso. Mera divisão equânime do patrimônio, sem reposição pecuniária, que não constitui fato gerador do ITBI, nos termos do artigo 156, II, da CF, tampouco doação para fins de ITCMD. Precedentes do STJ e desta E. Corte. Sentença mantida. Recurso não provido” (Apelação nº 1037783-88.2016.8.26.0053, 18ª Câmara de Direito Público, j. 10.08.2017, Rel. Des. Ricardo Chimenti).
Não obstante, podemos conjecturar a hipótese do valor do imóvel recebido, exclusivamente, por uma das partes ser superior ao do bem móvel (veículo, aplicações financeiras, etc.) recebido, exclusivamente, pela outra, tendo sido convencionado pagamento em dinheiro de tal diferença. Nesta hipótese o ITBI será exigível, sobre esta diferença de valores, pois estará caracterizado o ato oneroso.
É importante destacar, que no caso de desigualdade entre os valores dos quinhões atribuídos à cada um dos cônjuges, sem pagamento de contraprestação, poderá ser caso de recolhimento de ITCMD (imposto estadual) que incide sobre atos gratuitos: doação[1].
Ou seja, e retornando ao exemplo utilizado, caso o imóvel, tenha valor superior à aplicação financeira e se um dos cônjuges ficou, integralmente, com o imóvel e o outro com as aplicações, sobre a diferença entre os quinhões incide o ITCMD[2], pois um dos cônjuges renunciou à parte de valores. A renúncia, equivale à doação, sendo a responsabilidade pelo pagamento do ITCMD de quem for dela beneficiário.
Porém fora da hipótese acima mencionada, os contribuintes que forem obrigados a recolher o ITBI, em razão de partilha desigual de imóveis sem contraprestação, para que possam registrar cartas de sentença, tem imensa probabilidade de afastarem judicialmente tal exigência descabida.
Vejam, portanto, que nas aquisições imobiliárias, questões que são tratadas muitas vezes como facilmente superáveis, devem ser melhor observadas para evitar frustrações e ônus, que podem surgir tanto da demora em poder concluir a aquisição do imóvel, como da necessidade de “correr” atrás do vendedor para exigir recolhimento de imposto, referente ato antecedente para permitir a conclusão da compra e venda.
Importante ainda relembrar, que antes do registro do título translativo (carta de sentença expedida em processo, escritura de compra e venda, etc.) o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (art. 1.245, Código Civil).
– Rodrigo Elian Sanchez
Locação de imóveis através de aplicativo AIRBNB é analisada pelo STJ.
Em artigo anterior, de janeiro de 2017, analisamos conflitos que surgiram entre condomínios e proprietários de imóveis que locavam suas unidades através do aplicativo AirBNB.
Naquela oportunidade, havia poucas decisões judiciais sobre a matéria. Porém, como a locação de “acomodações” (através do AirBNB) demonstrou ser rentável se comparada com a obtida no sistema de locações tradicionais, os conflitos se intensificaram e os tribunais de justiça estaduais passaram a proferir decisões divergentes: ora reconhecendo o direito dos proprietários de alugar as unidades por curtas temporadas, ora reconhecendo o direito do condomínio de cercear e, às vezes, até proibir tal modalidade de locação, por meio de decisão da assembleia dos condôminos ou regra contida na convenção condominial.
Conforme afirmamos no artigo anterior, a dificuldade enfrentada pelo judiciário girava em torno dos limites do direito de propriedade e dos limites das regras que o condomínio pode inserir nos regulamentos internos.
Ao analisarmos as decisões judiciais proferidas naquela época, concluímos que: (i) os serviços que advieram das novas tecnologias e que permitem a aproximação de partes e locação por temporada de “acomodações” são uma realidade que dificilmente será proibida; (ii) a vedação à locação por temporada, através de decisão assemblear, fere princípios constitucionais e caros ao Direito, e, portanto, o Judiciário vinha anulando referidas decisões.
A questão é polêmica, sendo que se de um lado existe a necessidade de não coibir novas formas de realizar negócios e do direito de propriedade, não deixa de ser verdadeiro que as locações, através de AirBNB, têm sido utilizadas como sucedâneo à hospedagens, com locações, muitas vezes, por períodos de poucos dias, tendo se desenvolvido, inclusive, empresas especializadas em prestar serviços à imóveis locados em tal modelo (desde decoração da unidade até serviço de lavanderia e limpeza, fornecimento de roupas de cama, mesa e banho).
Neste sentido, o condomínio se sente desvinculado do morador e dificuldades práticas surgem, inclusive, com a necessidade de identificação do locatário, para liberação de ingresso na unidade.
A alta rotatividade e curtos períodos de locação, também, geram a ausência de sentimento de pertencimento do “hospede/locatário” à comunidade condominial, sendo frequente reclamações de que tais hospedes/locatários tem comportamento antissocial.
Neste cenário e com o aumento de litígios sobre a matéria, a questão foi parar no Superior Tribunal de Justiça, em um caso específico, que analisará três questões centrais: (a) se a locação ou sublocação de imóveis pelo período de até 90 dias, a chamada locação temporária prevista em lei, retira a característica residencial do imóvel; (b) se há limite para o direito de propriedade ou se o proprietário do imóvel pode dar a destinação que quiser ao seu imóvel; (c) se há diferenças entre a hospedagem comercial e a locação temporária de imóvel residencial para fins de hospedagem.
A questão começou a ser analisada no Recurso Especial nº 1819075/RS, sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça; ela não será seja julgada sob o regime de “recursos repetitivos”, ou seja, não vinculará os casos semelhantes em instâncias inferiores, porém, a definição certamente servirá como orientação para todos os Tribunais Estaduais, sendo que será a primeira vez que o Superior Tribunal de Justiça se manifestará sobre locações por meio de aplicativos.
O julgamento já se iniciou e foi suspenso, tendo o relator proferido voto pelo qual afirmou que tal atividade não é caracterizada como comercial e que, na ausência de lei que limita tal comportamento, não pode condômino ser proibido de locar imóvel ou parte dele por curto período.
Do extenso voto do relator, entendemos importante destacar alguns pontos.
Primeiro: o Ministro frisou que a jurisprudência delimita de maneira clara o contrato de hospedagem, sendo aquele que tem como atividade preponderante uma série de serviços adicionais, tais como portaria, segurança, limpeza e arrumação dos cômodos: “O contrato de hospedagem compreende a prestação de múltiplos serviços, sendo essa se não a tônica do contrato”.
Segundo: o relator afirmou que entende não ser possível caracterizar a atividade realizada pelos proprietários como comercial: “A alegação de alta rotatividade de pessoas, ausência de vínculo dos ocupantes e suposto incremento patrimonial dos recorrentes, não demonstrado, não servem para configuração da exploração comercial dos imóveis, sob pena de desvirtuar a própria caracterização da atividade. ”
O relator destacou o ponto que, em nossa ótica, é o mais relevante, qual seja: a potencialização do aluguel por curto ou curtíssimo prazo decorrente da transformação econômica pelo uso da internet. Ao destacar tal ponto, o ministro reconhece que o Tribunal Superior está atento a nova realidade de realização de negócios por meio de plataformas digitais, e da economia de compartilhamento, citando, inclusive, casos com situações semelhantes que já tiveram sua constitucionalidade analisada pelo Supremo Tribunal Federal, como é o caso do Uber, em que o ministro Luís Roberto Barroso, concluiu pela constitucionalidade dos aplicativos de transporte individual de passageiros.
Por fim, o relator destacou a necessidade de regulamentação da matéria; frisou que o tema também é analisado no exterior, e em todos os locais, a necessidade de regulamentação é ponto comum.
Contudo, logo após o voto pelo qual deu provimento ao recurso para permitir a locação, o ministro Raul Araújo, ao iniciar seu voto, reforçou que a atividade ainda não é regulada, de tal sorte que não há lei que proíba, concluindo que a locação é atividade lícita.
O ministro Raul Araújo avançou e levantou dúvida sobre a possibilidade de a convenção de condomínio fazer essa limitação, superando o interesse geral dos condôminos sobre o interesse particular: “Me parece o ponto mais importante. Nesses prédios de conotação residencial familiar típica pode ter na convenção do condomínio essa proibição. ”
O ministro Luís Felipe Salomão esclareceu que, no caso concreto que estava sendo analisado, a convenção do condomínio não vedava a locação por temporada, surgindo então um debate sobre a questão, que levou a pedido de vista pelo ministro Raul Araújo, suspendo o julgamento.
Desde 04/11/2019 o recurso está concluso para julgamento ao ministro Raul Araújo, sendo que, em breve, deverá haver uma decisão, quando então voltaremos a analisar o tema.
– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho
Produção antecipada de provas sem urgência e arbitragem: possibilidade de extensão da competência do poder judiciário.
- O Direito autônomo à prova no CPC/2015
Antes da entrada em vigor do CPC/2015, a prova era uma importante etapa no exercício da função jurisdicional, como meio e não um fim em si mesma. Ou seja, a antecipação da prova no direito brasileiro era mero instrumento acautelatório, com o propósito de se resguardar e conservar a plena eficácia da prova a ser utilizada no processo principal.
Uma das grandes inovações do CPC/2015 diz respeito à “(…) admissão expressa do legislador de que a prova não se destina exclusivamente ao juiz, mas presta-se, igualmente, à formação do convencimento das partes quanto às chances de sucesso ou insucesso em uma eventual demanda, ou mesmo para viabilizar a solução extrajudicial dos conflitos. ” [3]
Ou seja, com o novo CPC, a prova deixou de ser uma simples etapa no exercício da função jurisdicional, para ser alçada à categoria de um direito autônomo, quando o conflito a ser solucionado se estabelece em torno da própria prova.
Neste sentido, o CPC/2015, no artigo 381, previu a produção antecipada de prova em duas novas hipóteses. No inciso II, a prova a ser produzida é suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito. Já no inciso III, nas situações em que o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
Em ambas estas hipóteses, o legislador dispensou o requisito de urgência, indispensável no regime do antigo Código de Processo Civil de 1973, para viabilizar a produção antecipada de prova, pois reconheceu que em algumas situações sua finalidade será meramente aclaratória.
E será nestas duas novas situações que o artigo irá focar, para trazer algumas considerações sobre a possibilidade de ajuizar ação probatória como exercício do direito autônomo à prova perante o Juízo estatal, em contrato que possui cláusula arbitral.
- Arbitragem e produção autônoma de provas
Via de regra, a opção das partes pela solução de seus conflitos perante o Tribunal Arbitral afasta a competência do Poder Judiciário para sobre eles se pronunciar.
Entretanto, nos termos dos artigos 19 e 22-A da Lei 9.307/1996 – Lei de Arbitragem, nos casos de medidas urgentes, a escolha da arbitragem não é incompatível com a possibilidade das partes se socorrerem ao Poder Judiciário.
Desta forma, quando se está diante da produção antecipada de prova enquanto tutela de urgência, não há dúvidas da possibilidade do ajuizamento do pedido perante o judiciário, quando o tribunal arbitral ainda não estiver instaurado.
Ocorre que, como visto, não é sempre que a produção antecipada de provas se reveste do caráter de urgência. Nestes casos, estariam as partes autorizadas a pleitear a medida perante o Poder Judiciário?
Nos termos da Lei de Arbitragem e conforme o entendimento da maioria da doutrina, a regra é que as medidas probatórias não revestidas do caráter de urgência estão abrangidas pela convenção de arbitragem. Em outras palavras, se não há risco de que a obtenção da prova fique comprometida posteriormente, é necessário que primeiro seja instalado o Tribunal Arbitral para só então, se pleitear as medidas probatórias aos próprios árbitros.
Não obstante, uma vez que o CPC/2015 reconheceu que a função primordial do processo é solucionar conflitos e promover a pacificação social, alguns doutrinadores vêm entendendo que em determinadas situações excepcionais e enquanto não instalado o Tribunal Arbitral, é possível requerer a produção da prova em caráter antecipatório perante o Poder Judiciário, mesmo sem o requisito de urgência.
Eduardo Talamini[4] identifica três hipóteses em que se deve admitir a extensão da competência do Poder Judiciário às providências probatórias sem o caráter de urgência, enquanto não instalado o Tribunal Arbitral.
A primeira é verificada quando a produção probatória é que irá definir os contornos da pretensão da parte, permitindo até mesmo verificar se ela está abrangida pela convenção arbitral.
Também, nos casos em que já se sabe de antemão que haverá recusa da outra parte ao acesso à prova, sendo necessárias medidas coercitivas preliminares, cuja competência é exclusiva do juiz.
Como terceira hipótese, quando a produção da prova é de baixa complexidade e de curta duração, por exemplo, apresentação de documentos, de modo que exigir a instalação do Tribunal Arbitral, com todos os custos a ele inerentes se demonstra desarrazoado.
Apesar de ainda incipiente, a jurisprudência vem, em casos isolados e muito específicos, permitindo a produção antecipada de provas sem o requisito de urgência perante o Poder Judiciário, mesmo que as partes tenham optado pela solução dos conflitos perante a arbitragem.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do recurso de apelação n. 1093560-14.2016.8.26.0100, entendeu possível a produção antecipada de prova sem o requisito de urgência, como medida preparatória do procedimento arbitral perante o Poder Judiciário, por entender que a medida tinha por finalidade estabelecer um ambiente adequado para a instauração do juízo arbitral.
E apesar de aproximar a produção probatória autônoma das medidas cautelares, o fundamento relevante da decisão do Tribunal foi justamente permitir a delimitação pela parte dos contornos da pretensão e, com base na conclusão, decidir pelo início do procedimento arbitral.
III. Conclusão
O direito autônomo à prova é uma realidade no direito brasileiro moderno e é um importante elemento de pacificação social e de racionalização da prestação jurisdicional. A possibilidade da utilização da produção autônoma de provas, enquanto fim está adequada à otimização e eficiência processual.
Fundamentada nestas premissas, verifica-se hoje uma tendência, na doutrina e na jurisprudência, de se permitir a extensão da competência pré-arbitral às providências probatórias não urgentes, em situações excepcionais, quando a finalidade da prova seja delimitar os contornos da pretensão e verificar sua subsunção à arbitragem; quando houver dificuldade ou recusa concreta de acesso à prova; e quando a prova a ser produzida for de baixa complexidade e pequena duração.
Os defensores desta flexibilização da competência arbitral firmam seu entendimento no fato de que o juiz não se pronunciará sobre a ocorrência ou inocorrência do fato e nem sobre suas consequências jurídicas, de modo que a competência do Juízo Arbitral estará preservada.
Por outro lado, aqueles que defendem a impossibilidade de produção autônoma de provas sem o requisito de urgência perante o Poder Judiciário, quando as partes optaram por submeter seus conflitos à arbitragem, sustentam seu entendimento no fato de que a Lei 9.307/96 prevê de forma restrita e taxativa as hipóteses de cooperação entre juízes e árbitros e a produção antecipada de provas perante o Poder Judiciário sem o perigo de dano não é uma delas.
No nosso entendimento, a evolução do direito à prova e do processo enquanto mecanismo de pacificação social, acabarão por consolidar a posição minoritária de se permitir a produção autônoma de provas sem o requisito de urgência perante o Poder Judiciário, mesmo existindo no contrato cláusula arbitral ou compromissória, em situações excepcionais como as já enumeradas.
Apesar disto, uma vez que inexistem critérios objetivos para definir as hipóteses em que a produção autônoma de prova perante o Poder Judiciário seria cabível, será necessário cautela dos Juízes e Tribunais na análise destas situações, sob pena de fazer da regra geral da Lei 9.307/96, letra morta.
Qualquer que seja a hipótese, contudo, uma vez instalado o tribunal arbitral, a competência para decidir sobre as provas é exclusiva dele.
– Flávia de Faria Horta Pluchino
- CALDAS, Adriano e JOBIM, Marcos Felix. Direito Probatório. 2a. ed. rev. atual. Salvador: JusPodivm. P. 553.
- TALAMINI, Eduardo. Produção antecipada de prova no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo, vol. 260, out. 2016, p. 75-101.
- MAZZOLA, Marcelo e TORRES, Rodrigo. A produção antecipada de prova no Judiciário viola o juízo arbitral e a competência do árbitro? Disponível em <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI269294,11049-A+producao+antecipada+de+prova+no+Judiciario+viola+o+juizo+arbitral+e> Acesso em 14/11/2019.
[1] O ITCMD é imposto estadual que incide em transmissão de bens causa mortis (sucessão) e nos casos de doação de bens e direitos.
[2] No Estado de São Paulo, a alíquota do ITCMD é de 4% (quatro por cento) e apenas são tributáveis as doações de valores superiores à 2500 unidades fiscais do Estado de São Paulo, que equivalem neste ano à R$ 66.325,00 (sessenta e seis mil, trezentos e vinte e cinco reais), sendo as de valor inferior isentas.
[3] CALDAS, Adriano e JOBIM, Marcos Felix. Direito Probatório. 2a. ed. rev. atual. Salvador: JusPodivm. P. 553.
[4] TALAMINI, Eduardo. Produção antecipada de prova no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo, vol. 260, out. 2016, p. 75-101.
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