LOCAÇÃO DE IMÓVEIS ATRAVÉS DE APLICATIVO AIRBNB É ANALISADA PELO STJ.

Em artigo anterior, de janeiro de 2017, analisamos conflitos que surgiram entre condomínios e proprietários de imóveis que locavam suas unidades através do aplicativo AirBNB.

Naquela oportunidade, havia poucas decisões judiciais sobre a matéria. Porém, como a locação de “acomodações” (através do AirBNB) demonstrou ser rentável se comparada com a obtida no sistema de locações tradicionais, os conflitos se intensificaram e os tribunais de justiça estaduais passaram a proferir decisões divergentes: ora reconhecendo o direito dos proprietários de alugar as unidades por curtas temporadas, ora reconhecendo o direito do condomínio de cercear e, às vezes, até proibir tal modalidade de locação, por meio de decisão da assembleia dos condôminos ou regra contida na convenção condominial.

 

Conforme afirmamos no artigo anterior, a dificuldade enfrentada pelo judiciário girava em torno dos limites do direito de propriedade e dos limites das regras que o condomínio pode inserir nos regulamentos internos.

 

Ao analisarmos as decisões judiciais proferidas naquela época, concluímos que: (i) os serviços que advieram das novas tecnologias e que permitem a aproximação de partes e locação por temporada de “acomodações” são uma realidade que dificilmente será proibida; (ii) a vedação à locação por temporada, através de decisão assemblear, fere princípios constitucionais e caros ao Direito, e, portanto, o Judiciário vinha anulando referidas decisões.

 

A questão é polêmica, sendo que se de um lado existe a necessidade de não coibir novas formas de realizar negócios e do direito de propriedade, não deixa de ser verdadeiro que as locações, através de AirBNB, têm sido utilizadas como sucedâneo à hospedagens, com locações, muitas vezes, por períodos de poucos dias, tendo se desenvolvido, inclusive, empresas especializadas em prestar serviços à imóveis locados em tal modelo (desde decoração da unidade até serviço de lavanderia e limpeza, fornecimento de roupas de cama, mesa e banho).

 

Neste sentido, o condomínio se sente desvinculado do morador e dificuldades práticas surgem, inclusive, com a necessidade de identificação do locatário, para liberação de ingresso na unidade.

 

A alta rotatividade e curtos períodos de locação, também, geram a ausência de sentimento de pertencimento do “hospede/locatário” à comunidade condominial, sendo frequente reclamações de que tais hospedes/locatários tem comportamento antissocial.

 

Neste cenário e com o aumento de litígios sobre a matéria, a questão foi parar no Superior Tribunal de Justiça, em um caso específico, que analisará três questões centrais: (a) se a locação ou sublocação de imóveis pelo período de até 90 dias, a chamada locação temporária prevista em lei, retira a característica residencial do imóvel; (b) se há limite para o direito de propriedade ou se o proprietário do imóvel pode dar a destinação que quiser ao seu imóvel; (c) se há diferenças entre a hospedagem comercial e a locação temporária de imóvel residencial para fins de hospedagem.

 

A questão começou a ser analisada no Recurso Especial nº 1819075/RS, sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça; ela não será seja julgada sob o regime de “recursos repetitivos”, ou seja, não vinculará os casos semelhantes em instâncias inferiores, porém, a definição certamente servirá como orientação para todos os Tribunais Estaduais, sendo que será a primeira vez que o Superior Tribunal de Justiça se manifestará sobre locações por meio de aplicativos.

 

O julgamento já se iniciou e foi suspenso, tendo o relator proferido voto pelo qual afirmou que tal atividade não é caracterizada como comercial e que, na ausência de lei que limita tal comportamento, não pode condômino ser proibido de locar imóvel ou parte dele por curto período.

 

Do extenso voto do relator, entendemos importante destacar alguns pontos.

 

Primeiro: o Ministro frisou que a jurisprudência delimita de maneira clara o contrato de hospedagem, sendo aquele que tem como atividade preponderante uma série de serviços adicionais, tais como portaria, segurança, limpeza e arrumação dos cômodos: “O contrato de hospedagem compreende a prestação de múltiplos serviços, sendo essa se não a tônica do contrato”.

 

Segundo: o relator afirmou que entende não ser possível caracterizar a atividade realizada pelos proprietários como comercial: “A alegação de alta rotatividade de pessoas, ausência de vínculo dos ocupantes e suposto incremento patrimonial dos recorrentes, não demonstrado, não servem para configuração da exploração comercial dos imóveis, sob pena de desvirtuar a própria caracterização da atividade.

 

O relator destacou o ponto que, em nossa ótica, é o mais relevante, qual seja: a potencialização do aluguel por curto ou curtíssimo prazo decorrente da transformação econômica pelo uso da internet. Ao destacar tal ponto, o ministro reconhece que o Tribunal Superior está atento a nova realidade de realização de negócios por meio de plataformas digitais, e da economia de compartilhamento, citando, inclusive, casos com situações semelhantes que já tiveram sua constitucionalidade analisada pelo Supremo Tribunal Federal, como é o caso do Uber, em que o ministro Luís Roberto Barroso, concluiu pela constitucionalidade dos aplicativos de transporte individual de passageiros.

 

Por fim, o relator destacou a necessidade de regulamentação da matéria; frisou que o tema também é analisado no exterior, e em todos os locais, a necessidade de regulamentação é ponto comum.

 

Contudo, logo após o voto pelo qual deu provimento ao recurso para permitir a locação, o ministro Raul Araújo, ao iniciar seu voto, reforçou que a atividade ainda não é regulada, de tal sorte que não há lei que proíba, concluindo que a locação é atividade lícita.

 

O ministro Raul Araújo avançou e levantou dúvida sobre a possibilidade de a convenção de condomínio fazer essa limitação, superando o interesse geral dos condôminos sobre o interesse particular: “Me parece o ponto mais importante. Nesses prédios de conotação residencial familiar típica pode ter na convenção do condomínio essa proibição.

 

O ministro Luís Felipe Salomão esclareceu que, no caso concreto que estava sendo analisado, a convenção do condomínio não vedava a locação por temporada, surgindo então um debate sobre a questão, que levou a pedido de vista pelo ministro Raul Araújo, suspendo o julgamento.

 

Desde 04/11/2019 o recurso está concluso para julgamento ao ministro Raul Araújo, sendo que, em breve, deverá haver uma decisão, quando então voltaremos a analisar o tema.

– Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho