O Princípio da Cooperação Como Fomento À Efetividade Jurisdicional

O Princípio da Cooperação Como Fomento À Efetividade Jurisdicional

I. INTRODUÇÃO

 

No sistema processual brasileiro, até o advento da Lei 13.105/2015 que instituiu o novo Código de Processo Civil, prevaleciam interesses não cooperativos de todos os sujeitos do processo. O juiz, atuando como protagonista de toda a atividade jurisdicional, tendo no processo uma forma de legitimação de suas pré-compreensões sobre os fatos e as partes no âmbito de uma litigância estratégica, com a finalidade de obtenção de êxito.

Entretanto, esta forma de pensar a estruturação do processo, como estabelecimento de focos de centralidade ora nas partes e advogados, ora nos juízes, é incompatível com o perfil democrático dos Estados de Direito atuais e com o modelo constitucional de processo.

A partir daí, a doutrina começou a desenvolver a ideia do policentrismo processual[1], que busca uma condução cooperativa do processo, sem destaques ou protagonismos, seja para o juiz, seja para as partes.

Surge então o que hoje se denomina princípio da cooperação, normatizado no novo Código de Processo Civil, no art. 6o, que assim dispõe:

Art. 6o. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Pelo princípio da cooperação, portanto, a condução do processo deixa de ser determinado pela vontade das partes e advogados e, também, o juiz deixa de ser o sujeito absoluto da atividade jurisdicional de ditar o direito.

Todos os sujeitos do processo passam a participar ativamente do método de composição do litígio, que tem no contraditório sua pedra angular, pois às partes é conferido o poder de influenciar efetivamente na construção do provimento jurisdicional e ao juiz é imposto o dever de levar em consideração a colaboração das partes no ato de julgar. É a vedação à decisão surpresa.

Segundo Humberto Theodoro Junior, Dirle Nunes, Alexandre Melo Franco Bahia e Flavio Quinaud Pedron[2], o princípio da cooperação é fundamental para se alcançar a efetividade da justiça, na medida em que permite a diminuição das taxas de recurso e do retrabalho, pois todos os sujeitos do processo, já na primeira vez, deverão exercer sua atividade com alta responsabilidade.

 

II. DOS DEVERES DOS SUJEITOS PROCESSUAIS EM UM MODELO COOPERATIVO DE PROCESSO

Para sua realização, o princípio da cooperação imputa, portanto, aos sujeitos do processo comportamentos pautados pela boa-fé objetiva. Desta forma, cria para eles deveres, necessário à obtenção de um processo cooperativo, onde todos participam ativamente da atividade jurisdicional. As partes influenciando o convencimento do juiz e este, levando em consideração as manifestações das partes na construção da decisão.

 

II.1. DOS DEVERES DO ÓRGÃO JURISDICIONAL

Os deveres dos magistrados podem ser resumidos em deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e assistência das partes.

O dever/poder de esclarecimento, previsto principalmente no art. 139, VIII, do CPC/2015, permite ao magistrado esclarecer fatos e situações jurídicas trazidas pelas partes e sobre as quais tenha dúvida.

O dever de prevenção representa o convite às partes para corrigirem deficiências de suas manifestações e estratégias adotadas. Não se confunde em absoluto com a substituição pelo juiz da atividade postulatória, pois não significa que será o próprio magistrado a suprir ou corrigir as deficiências, mas sim oportunizar a parte que o faça.

O dever de assistência significa ajudar as partes a removerem dificuldades no exercício de seus direitos, ou cumprimento de deveres e ônus processuais. Representa a adequação objetiva do processo às peculiaridades do caso concreto. Sua máxima expressão reside na possibilidade de distribuição dinâmica do ônus da prova, previsto no art. 373, §§ 1o e 2o, do CPC/2015, onde o juiz determinará àquele que tiver melhores condições de produzir determinada prova que o faça.

O dever de consulta representa a consagração definitiva do contraditório, enquanto garantia de influência nas decisões judiciais. Ele representa a necessidade do magistrado consultar as partes sempre que pretender conhecer de matérias de fato e de direito sobre a qual elas não tenham tido a possibilidade de se manifestar.

Estes quatro deveres sustentam a participação colaborativa do juiz, ao garantir a participação dos interessados na formação da decisão, além de permitir o controle dos argumentos judiciais, através do diálogo entre todos os sujeitos do processo, que reflete incontestavelmente na segurança jurídica, por induzir à previsibilidade e à geração de expectativas legítimas por todos os sujeitos do processo. Isto, por óbvio, enseja diminuição das taxas de recurso e de reforma dos pronunciamentos judiciais, cuja consequência imediata é a agilidade e efetividade da prestação jurisdicional.

 

II.2. DOS DEVERES DAS PARTES

Alguns autores consideram impossível a cooperação entre as partes, pois elas defenderiam interesses antagônicos, de modo que não poderiam colaborar harmonicamente no processo.

Entretanto, como já dito, o dever de cooperação entre as partes, ao contrário de pretender afastar a dinâmica processual de defender interesses próprios, busca, inspirado pelo Código Português, o estabelecimento de standards de conduta, pautados pela atuação conforme a boa-fé objetiva, prevista no art. 5o, do CPC/2015.

Este dever abrange a lealdade processual, a vedação ao exercício abusivo do direito, à proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprio) e a proteção da legítima confiança, como forma de se evitar vitórias baseadas em malícia, fraudes processuais, artifícios ardilosos, etc.

 

III. CONCLUSÃO

O novo CPC tem como premissa basilar resolver de uma vez o conflito de interesses, dando ênfase à efetividade da tutela jurisdicional.

Um dos pilares dessa premissa reside no princípio da cooperação, que parte do pressuposto de que para se alcançar o propósito processual de restauração da paz social, deve-se abandonar a noção de segmentação da atuação das partes e dos juízes.

Ele busca, portanto, uma estruturação do processo, onde todos os sujeitos (partes e juiz) tornam-se parte ativa do método judicial de composição do litígio, através de uma atuação pautada pela boa-fé objetiva.

E isto contribui para a efetividade da justiça, na medida em que uma atuação responsável aprimora a solução da controvérsia. Além disso, quando as partes têm a sensação de que o juiz escuta, compreende e absorve suas alegações na formação da decisão, elas se conformam melhor com o resultado.

Não se trata, contudo, da aplicação deste modelo processual através da visão romântica de pôr fim às posições antagônicas das partes na lide.

Muito ao contrário, a cooperação processual parte justamente do antagonismo das partes, para estabelecer a elas standards de comportamento, identificados com a ideia de lealdade e lisura perante o órgão jurisdicional, que permita um diálogo franco e transparente de suas posições, afastando-se chicanas e abuso de direito, a fim de contribuírem para a construção do resultado.

Não se espera que as partes, em suas relações processuais, deponham suas armas e passem a oferecer argumentos em benefício da outra, mas sim que o resultado em favor de um ou outro litigante não advenha de malícia, fraudes, dolo, chicanas, desonestidades.

Assim, a despeito das críticas ao modelo cooperativo de processo e à sua impossibilidade no que se refere ao comportamento das partes entre si, a adoção desse modelo processual, tomado em relação ao seu real significado de aperfeiçoamento do diálogo entre os sujeitos do processo na marcação de suas posições processuais e da atuação responsável desde o primeiro ato, haverá um aprimoramento na atividade de solução dos litígios e pacificação social, pois, quando todos os sujeitos contribuem e influenciam para o resultado, as chances de com ele se conformarem é muito maior.

– Flávia de Faria Horta Pluchino

 

  1. THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC. Fundamentos e Sistematização. 2ª. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

 

  1. DIDIER JR, Freddie; NUNES, Dierle, FREIRE, Alexandre. Grandes Temas do Novo CPC. Normas Fundamentais. 8. Salvador: Jus Podium, 2016.

 

  1. DIDIER JR., Freddie. Curso de Direito Processual Civil. 1. 20ª ed. Salvador: Jus Podium, 2018.

 

  1. AUILO, Rafael Stefanini. O Modelo Cooperativo de Processo Civil. A Colaboração Subjetiva na Fase de Cognição do Processo de Conhecimento. 2014. Dissertação (Mestrado em Direito). Departamento de Direito Processual Civil. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

[1] THEODORO JUNIOR, Humberto, NUNES, Dierle, BAHIA, Alexandre Melo Franco e PEDRON, Flavio Quinaud. Novo CPC: Fundamentos e Sistematização. 2a. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense.

 

[2] THEODORO JUNIOR, Humberto, NUNES, Dierle, BAHIA, Alexandre Melo Franco e PEDRON, Flavio Quinaud. Ob cit. p. 82