DA MITIGAÇÃO DA TAXATIVIDADE DO ROL DO ARTIGO 1.015, DO CPC: CONTRIBUIÇÃO OU PREJUÍZO À EFETIVIDADE DA ATIVIDADE JURISDICIONAL?

O presente artigo tem por objetivo, trazer breve reflexão sobre a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu pela mitigação da taxatividade do rol das decisões imediatamente recorríveis através do agravo de instrumento.

Importante destacar, que nos últimos anos, diante da crise do Poder Judiciário, caracterizada pelo abarrotamento do número de processos por juiz, compilada à morosidade na entrega da prestação jurisdicional, o legislador passou a expressar verdadeira preocupação com a efetividade da prestação jurisdicional, ancorada no binômio: razoável duração do processo e satisfação do direito pretendido.

Esta preocupação ensejou sucessivas reformas, cujo escopo era justamente restringir o cabimento do agravo de instrumento, tendo como premissa o entendimento de que a recorribilidade irrestrita de decisões proferidas no curso da lide, implicava em alargar o trâmite processual em prejuízo da busca do processo célere e efetivo.

Com efeito, se tomarmos como referência o regime anterior, que permitia que toda e qualquer decisão fosse recorrível, e que um único recurso de agravo de instrumento poderia ensejar ao menos quatro outros recursos dele decorrentes (agravo interno de decisão monocrática, recurso especial, agravo em recurso especial e embargos de declaração) é mesmo impossível se falar em razoável duração do processo; pelo contrário, a recorribilidade irrestrita em face de cada decisão interlocutória é fórmula infalível para o abarrotamento e consequente morosidade do Poder Judiciário.

Neste sentido, o CPC/2015, acompanhando a evolução doutrinária e legislativa, alterou o regime de preclusões, o que possibilitou a restrição das decisões agraváveis, como forma de reduzir o número de recursos junto aos Tribunais. Criou-se, portanto, rol taxativo de hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento, em seu art. 1.015. Nos demais casos, em que não seja possível a interposição do agravo de instrumento, a impugnação da decisão interlocutória será realizada quando da interposição do recurso de apelação, sendo que o tribunal apreciará, em um só momento, todas as impugnações do recorrente, seja em relação às decisões interlocutórias irrecorríveis através do agravo de instrumento, seja em relação a própria sentença.

Porém, logo após a entrada em vigência do novo código, se acendeu, como objeto de debates, a possibilidade de ampliação de referido rol taxativo, na medida em que algumas questões não podem aguardar o desfecho da fase cognitiva, sem que haja efetivo prejuízo ao próprio princípio da razoável duração do processo, seja porque a apreciação tardia da questão ensejará a anulação não somente da própria decisão interlocutória, mas de todos os atos processuais subsequentes que dele dependam, inclusive da sentença, com o retorno dos autos à fase imediatamente anterior à decisão impugnada, com reforma e refazimento de pronunciamento judicial; seja pela inutilidade do provimento jurisdicional, como no caso do indeferimento do pedido de tramitação do processo em segredo de justiça, em que, se tal decisão não for passível de ser impugnada de imediato, de nada servirá ser reformada após longa tramitação do processo, pois os fatos que se buscava resguardar já terão caído em conhecimento público.

Este debate chegou ao STJ, através do Recurso Especial no 1.704.520/MT, que afetou a controvérsia sob a sistemática dos recursos repetitivos e classificou sob o TEMA n.° 988. O caso paradigma se tratava de ação de rescisão de contrato de franquia, com indenização de danos materiais e compensação de danos morais, onde foi arguida preliminar de incompetência relativa, com prevalência à cláusula de eleição de foro constante no contrato. Após o não conhecimento do recurso de agravo de instrumento, o caso chegou ao STJ, através de recurso especial, onde a recorrente sustentou que examinar questão de competência do juízo somente como preliminar de apelação, acarretaria movimentação desnecessária da máquina judiciária e prejuízo ao interesse de ambos os litigantes.

Em 19/12/2018, foi publicado o v. acórdão que, ao interpretar a natureza jurídica do rol do art. 1.015, do CPC, fixou a tese de que “O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência, decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.

No entendimento da Corte, a regra continua a ser a da taxatividade das decisões agraváveis, sendo admitida a mitigação em casos excepcionais, em que restar demonstrada a urgência, em razão da inutilidade do julgamento da questão posteriormente.

Entretanto, como esta tese será aplicada pelos demais Juízes e Tribunais, terá grande impacto no que se refere a efetividade do processo, corolário do princípio constitucional da razoável duração do processo. Isto porque, ela deixou de fixar critérios objetivos a serem observados na definição da urgência e prejudicialidade que autorizariam a mitigação do rol taxativo, cabendo ao alvedrio de cada Juiz ou Tribunal sua verificação.

Assim, caso a aplicação da tese seja utilizada de forma frequente e alargada, todo o esforço do legislador será letra morta e retornará as partes ao regime processual anterior, o qual já se mostrou nefasto quando se busca a efetividade da prestação jurisdicional.

Por outro lado, caso a tese firmada pela Corte Superior seja aplicada em caráter excepcional, mantendo-se a regra da taxatividade, é impossível se a da conquista que esta decisão trouxe aos aplicadores do direito e à efetividade da justiça.

 

Flávia Horta Pluchino