Câmaras de arbitragem admitem inclusão de terceiros em processos

Câmaras de arbitragem admitem inclusão de terceiros em processos

As câmaras de arbitragem têm admitido a inclusão de terceiros nos procedimentos – partes que não assinaram os contratos com cláusula arbitral, mas que estão diretamente ligadas às disputas. Pelo menos dois casos nesse sentido foram registrados no último ano. Um deles no Centro de Arbitragem da Amcham-Brasil e o outro na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), da BMF&Bovespa.


Os dados constam na mais recente edição da pesquisa “Arbitragem em Números e Valores”, de autoria da advogada e professora Selma Lemes. Trata-se de um dos mais importantes levantamentos relacionados à arbitragem brasileira. É realizado todos os anos, desde 2005, e apresenta informações como a quantidade de novos procedimentos, setores predominantes e valores envolvidos nas disputas (leia mais abaixo).

É a primeira vez, no entanto, que traz informações referentes à inclusão de terceiros nos processos. “Essa situação é anômala”, diz a autora da pesquisa. A extensão da cláusula a um terceiro, explica, vai depender de como o negócio se desenvolveu na prática. “Se esse terceiro participou da consecução do contrato em todas as suas fases, por exemplo, assumiu tacitamente deveres e obrigações”, pondera Selma Lemes. Isso geralmente ocorre, acrescenta, com empresas que pertencem a um mesmo grupo econômico.

Essa é uma situação que costuma gerar divergências no meio jurídico. A arbitragem é um método de resolução de conflitos alternativo ao Judiciário. Árbitros são escolhidos pelas partes e decidem a disputa. Essa decisão é final, ou seja, não cabe recurso à Justiça (com exceção de possíveis vícios previstos na legislação).

Só que para esses julgamentos ocorrerem deve haver a anuência das partes. Isso está previsto de forma expressa na legislação que regula a prática no país (nº 13.129, de 2015) e é utilizado como o principal argumento por aqueles que foram incluídos sem que tivessem, oficialmente, aceitado participar.

A União é um deles. Recorreu recentemente ao Judiciário pedindo para ser excluída de uma disputa em que acionistas da Petrobras buscam a reparação dos prejuízos que teriam sofrido com as ações adquiridas antes do escândalo de corrupção na estatal. Esse caso envolve mais de cem investidores estrangeiros e tramita na Câmara da BMF&Bovespa.

A Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu liminar na primeira e na segunda instância da Justiça Federal em São Paulo para ficar de fora do processo, mas no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a ministra Nancy Andrighi derrubou a decisão. Ela levou em conta, para manter a União no caso, o fato de o tribunal arbitral sequer ter sido constituído quando a AGU procurou a Justiça. O que existia era somente uma decisão provisória do presidente da Câmara.

No entendimento da ministra, então, essa discussão – se a União permanece ou não na disputa – deveria ocorrer na arbitragem e não no Judiciário. Pelo menos nesse primeiro momento (conflito de competência nº 151.130).

“Ficou muito claro, por esse julgamento, que o Judiciário não pode interferir na arbitragem até que ela termine”, diz Marcelo Escobar, um dos advogados que atua em favor dos acionistas nesse caso. Ele afirma que a União foi incluída na disputa entre os investidores e a Petrobras pela sua condição de acionista controladora. “Nos termos da Lei das S.A, a União tem responsabilidades.”

Uma das características da arbitragem é a confidencialidade. As câmaras e as partes envolvidas não podem divulgar informações sobre os processos. Esse caso da União veio à tona, no entanto, porque a decisão da ministra do STJ foi publicada no Diário Oficial da Justiça. É o primeiro caso que se tem notícias, segundo advogados, de extensão da cláusula arbitral envolvendo a administração pública.

A pesquisa da advogada e professora Selma Lemes trata somente dos números e das câmaras de arbitragem. Não há informações, portanto, sobre quais são exatamente os casos e as partes envolvidas nas disputas registradas no Centro da Amcham-Brasil e na Câmara do Mercado, da BMF&Bovespa – as duas em que foram admitidos os terceiros (mesmo sendo público que o caso da União tramita nessa segunda câmara).

Adriana Braghetta, sócia da área de arbitragem do escritório L.O. Baptista, chama a atenção, por outro lado, que esse não é um assunto novo para a arbitragem brasileira. A primeira decisão do Judiciário sobre a extensão da cláusula arbitral é de 2004. O caso envolve a Trelleborg AB, um grupo de engenharia com sede na Suécia (apelação nº 267.450.4/6-00, julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo).

A companhia detinha 99% das participações da Trelleborg Brasil, que foi quem assinou o contrato com a cláusula arbitral. Ela foi incluída no procedimento porque, na visão dos julgadores, criou o braço brasileiro somente para operacionalizar negócios no país. Seria, então, como se ela mesma tivesse firmado a cláusula.

“Existe, por trás da doutrina, um racional de efetividade”, observa a advogada. “Os contratos, com passar dos anos, foram ficando mais complexos e envolvendo mais partes”, complementa.

Há uma outra situação, que também não é inédita no país, mas que ganhou muita força com os casos relacionados à Petrobras. São as arbitragens multipartes – quando há várias partes envolvidas em um único procedimento. A pesquisa da advogada e professora Selma Lemes trata dessa questão.

No Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá – onde tramita o maior número de arbitragens do país – foram registrados 78 procedimentos multipartes no ano passado, com uma média de 12 participantes em cada caso. Já na Câmara do Mercado, da BMF&Bovespa, para onde são levadas as disputas contra a Petrobras, foram registrados 11 procedimentos desse tipo, mas com uma média de 138 participantes em cada.

“É a primeira vez que isso ocorre no país”, frisa Selma Lemes, a autora da pesquisa, sobre os casos envolvendo um número muito grande de partes. E, segundo a advogada, deve abrir caminho para novos casos semelhantes.

FONTE: Joice Bacelo – São Paulo