Da legalidade da cobrança de taxas de manutenção e conservação por associações de moradores

Nas últimas décadas, tem sido comum a constituição de associações de moradores, sejam em loteamentos, seja em bolsões urbanos, seja entre grupo de residências geograficamente próximas, com a finalidade de rateio de serviços – tais como portaria, coleta de lixo, água, segurança particular etc., sendo tal prática mais incidente em zonas litorâneas, interior e bairros mais afastados dos centros urbanos.

Ou seja, tais associações não têm surgido apenas em loteamentos planejados, mas, muitas vezes, entre residências próximas, visando suprir deficiências do poder público, no que se refere à serviços em geral.

Tratado na prática como se fosse “condomínio de fato”, mas que verdadeiramente não o é, pois não estabelecido de acordo com os preceitos legais e, portanto, sem existência de área comum, a obrigatoriedade do pagamento destas taxas mensais, bem como a regularidade da constituição das associações que administram os loteamentos fechados é questão comum em nossos tribunais.

Tal discussão se fundamenta no princípio constitucional da liberdade de associação.  Aqui em São Paulo, o TJSP se dividiu sobre o tema, sendo que diversas câmaras entendem como legitima a cobrança, seja em razão de admitirem a aplicação das regras dos artigos 1.331 a 1.358 do CC aos condomínios de fato, como também  com fundamento da alegação de que o morador ao usufruir dos benefícios oferecidos pela associação, não poderia deixar de realizar o pagamento da taxa, sob pena de constituição de enriquecimento ilícito. De outro lado, outras câmaras mantêm entendimento sobre a ilegalidade da cobrança, em razão da ausência de fundamento legal, já que a taxa associativa é obrigatória apenas aos moradores que manifestaram sua anuência e interesse em compor tais associações.

A discussão sobre essa cobrança, chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que ao julgar o REsp 1.439.163/SP, tema 882 dos recursos repetitivos, pacificou (sob o enfoque infraconstitucional) o entendimento de que: “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou que a elas não anuíram“, ou seja até mesmo àqueles que adquiriram o imóvel cientes que seria integrante de uma associação de moradores, porém após a aquisição não manifestaram interesse em manter -se associado e a contribuir com referida taxam não são obrigados; já que tal taxa tem natureza pessoal e não propter rem (obrigação ligada ao imóvel).

Ou seja, o Superior Tribunal de Justiça, em seu papel de intérprete da lei federal, apesar de reconhecer este tipo de associação como um condomínio de fato, entendeu que não pode ser comparada aos condomínios dispostos na Lei Federal n.° 4.591/64 e no Código Civil.

Durante o julgamento, o relator do recurso, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, apresentou voto pela qual as taxas, contribuições de manutenção ou de conservação criadas por associação de moradores ou administradora de loteamento só poderiam ser impostas à proprietário de imóvel adquirido após a constituição da associação ou que a ela tenha voluntariamente se associado. Os principais fundamentos para o relator eram que os novos moradores saberiam da situação consolidada e, inclusive, buscaram aqueles imóveis pelo conforto que as associações oferecem.

Não obstante, a maioria do colegiado, pelo voto encabeçado pelo Ministro Marco Buzzi, firmou o entendimento de que a taxa não pode ser imposta nem à novos, nem à antigos moradores, em razão de não se poder obrigar alguém a associar-se (tácita ou expressamente), por se tratar de obrigação pessoal e não ligada ao imóvel.

Tal julgamento é de vital importância, pois realizado sob a sistemática de repetitivo (pela qual existe participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese, sendo realizadas audiências públicas; visando ampla participação da sociedade), sendo que ao final a tese fixada têm efeitos vinculantes à todas os tribunais inferiores.

Não obstante o tema, pode ainda sofrer alguma reviravolta, já que está pendente de julgamento, perante o STF, recurso que trata da mesma questão, trata-se do RE 695.911, tema 492 da lista da repercussão geral.

Neste recurso, obviamente o enfoque é estritamente constitucional: se a imposição das taxas associativas, entre outras, viola a disposição dos artigos 5º, incisos II e XX (princípios da legalidade e da liberdade de associação), e 175, ambos da CF.

A PGR, por meio de parecer do então subprocurador-Geral da República, Rodrigo Janot, apresentou posição favorável à possibilidade de cobrança da taxa associativa, inclusive, aos que não anuíram expressamente. Entre os fundamentos da PGR, estão os princípios constitucionais da equidade, vedação de enriquecimento sem causa. Para a PGR, “se de um lado há o interesse comum dos moradores de implementarem infraestrutura e serviços que venham a beneficiar a todos, embora não se configure um condomínio nos termos estritos da lei e não seja ninguém obrigado a se associar, de outro, não é razoável que prevaleça o interesse particular daquele que se recusa a partilhar das despesas, se locupletando do esforço alheio”.

Porém, nossa expectativa é que o julgamento não irá divergir do próprio entendimento do STJ, já que o próprio STF já julgou o tema, na 1ª turma, ainda em 2011. Conforme abaixo:

“ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – MENSALIDADE – AUSÊNCIA DE ADESÃO. Por não se confundir a associação de moradores com o condomínio disciplinado pela Lei nº 4.591/64, descabe, a pretexto de evitar vantagem sem causa, impor mensalidade a morador ou a proprietário de imóvel que a ela não tenha aderido. Considerações sobre o princípio da legalidade e da autonomia da manifestação de vontade –artigo 5º, incisos II e XX, da Constituição Federal.” (Recurso Extraordinário n. 432106/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, data do julgamento: 20/09/2011, publicado em 04/11/2011).

O tema é de grande relevância, sendo importante a decisão breve deste assunto, para definitiva segurança jurídica para interessados em adquirir imóveis e proprietários de imóveis, localizados em áreas atendidas por associações de moradores, bem como empreendedores imobiliários, envolvidos na implantação de loteamentos.

Por: Rodrigo Elian Sanchez