Critérios Jurisprudenciais para gradação do percentual de retenção em rescisão de contratos de imóveis adquiridos na planta.
Antes de esclarecer o tema em análise, é necessário apontar que os contratos de venda e compra de imóveis adquiridos na planta têm sofrido forte críticas em relação às cláusulas que tratam de rescisão ou distrato, em razão das multas, bem como da forma de devolução do saldo (valor pago pelo consumidor descontado as multas) serem consideradas abusivas.
Importante destacar, que não há dúvidas sobre a possibilidade da rescisão (casos de inadimplemento) ou do distrato (resilição ou simples intenção de desfazer o contrato) sendo certo que, em quaisquer dos casos, ao final, sempre se terá o seguinte cenário: o vendedor receberá o imóvel objeto do contrato e o comprador os valores que pagou. Resta apenas saber qual valor será devolvido ao comprador, em qual prazo e de que forma (corrigido, com juros, ou valor histórico).
Ocorre que, não raras vezes, as cláusulas incluídas nos contratos de compra e venda de imóveis adquiridos na planta, preveem que, após o distrato ou a rescisão, as incorporadoras e construtoras poderiam reter até 40% do valor pago pelo consumidor – devolvendo os 60% restantes ao comprador – e muitas vezes tais cláusulas ainda preveem que essa devolução será feita em tantas parcelas quantas o consumidor tenha pagado o preço.
E diante do elevado número de ações judiciais, no final do ano de 2010, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo fixou súmulas sobre o tema, em harmonia e complementação ao disposto no art. 53 do Código de Defesa do Consumidor, as quais transcrevemos abaixo:
Súmula 1:
O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.
Súmula 2:
A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição.
As sumulas acima, apesar de terem criado certa segurança para os consumidores, foram escritas de forma que permitem uma vasta intepretação, sobretudo quando mencionam que o consumidor pode “reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem”.
Nesta toada, diante da dificuldade – e porque não impossibilidade? – de se delimitar quais seriam os gastos com administração e propaganda, que poderiam ser retidos pelas incorporadoras e construtoras.
Visando aprimorar a interpretação que deve direcionar e orientar os julgadores, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem consolidando jurisprudência segundo a qual existiriam quatro faixas gradativas, para delimitar qual o percentual de retenção nos casos de rescisão ou distrato. De acordo com o voto da lavra de Desembargador Moreira Viegas[1], as quatro faixas são:
(i) a mora exclusiva da construtora ou incorporadora, que, por exemplo, não entrega a obra no prazo;
(ii) quando o comprador se coloca em mora, não efetuando o pagamento mas, de imediato, notifica a construtora ou incorporadora e pleiteia o distrato /rescisão;
(iii) quando o comprador se coloca em mora e somente depois de tempos é que toma a iniciativa de notificar a construtora ou incorporadora sobre sua intenção de distratar o contrato;
(iv) quando a iniciativa é tomada pela própria alienante, diante da mora do comprador.
Em relação as quatro hipóteses acima, devem ser acrescentadas mais duas situações: o imóvel haver sido ou não ocupado, e o comprador permanecer ou não nele quando optar pela rescisão.
A referência na ordem acima destacada, não foi aleatória: objetiva, claramente, demonstrar a gradação que a restituição deve ter em função desses elementos, sendo certo que a jurisprudência tem admitido a retenção de 10% a 30%, conforme as várias hipóteses.
Sendo assim, em nossa visão, caso o comprador de imóvel adquirido na planta opte por distratar ou rescindir o contrato, seja qual for o motivo, deverá tomar medidas imediatas no sentido de notificar a construtora, de imediato, alienante sobre sua intenção, pois, desta forma, aumentará consideravelmente as chances de receber de volta um percentual maior dos valores que pagou, independentemente do que dispõe o contrato nas cláusulas relativas à rescisão. O recomendável é que o faça, inclusive, antes de ficar em situação de atraso no pagamento das parcelas, mas que se antecipe e verificando que terá dificuldades em cumprir com o compromisso, que comunique – por escrito através de notificação – sua intenção de distrato quando ainda está adimplente com as parcelas.
A despeito dos parâmetros fixados pela jurisprudência paulista, desde dezembro de 2015 está em tramitação no Senado o PL 774, de autoria de Romero Jucá (PMDB), sob relatoria de Benedito Lira (PP). A iniciativa pretende criar um marco legal visando evitar discussões sobre qual seria o percentual lícito de retenção.
Referido projeto de lei prevê que a “pena convencional” seria de 25% sobre o valor das quantias pagas pelo consumidor, até o momento do distrato, além do abatimento da taxa de corretagem de 5% sobre o preço de venda, como também a possibilidade do incorporador “exigir indenização suplementar”, isto é, aumentar as retenções se provar que seu prejuízo decorrente do cancelamento da venda superou esses 25%. O projeto corre em caráter terminativo e se encontra na Comissão de Constituição e Justiça.
Por: Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho