A prescrição intercorrente passou a ser expressa no novo Código de Processo Civil.
A prescrição intercorrente antes da entrada em vigor do novo código de processo civil (que ocorreu em meados de março de 2016) era polêmica e seu reconhecimento incerto, já que o tema carecia de regras que o regulamentassem, com exceção da esfera tributária onde havia disciplina própria.
Importante esclarecer, que a prescrição intercorrente é a que pode vir a ocorrer durante o trâmite processual, ou seja, além do postulante ter o dever de observar o prazo adequado para distribuir demanda, a parte que durante o curso processual não vier a dar impulso ao processo, durante longo e contínuo período de tempo, pode ser apenada com a declaração de prescrição intercorrente, ou seja, de não poder mais vindicar sua pretensão jurídica.
O prazo da prescrição intercorrente é o mesmo do direito material. Para facilitar a compreensão utilizamos como exemplo a dívida de alugueres. Sendo o prazo para cobrança de alugueres de três anos (art. 206, §3°, I, CC), após distribuída a ação de cobrança (dentro de referido prazo), caso ocorra falta de impulso processual por três anos consecutivos, deve ser reconhecida a prescrição intercorrente e o locador não terá mais direito de cobrar tal débito locatício.
Antes da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, as interpretações sobre a aplicação deste instituto (prescrição intercorrente), além de execuções fiscais (em que o tema era regulamentado) era controverso: questionava-se se tal instituto se aplicava às demais áreas do direito, como também se durante a paralisação do processo, por falta de bens penhoráveis, se suspenderia o prazo para início da contagem da prescrição intercorrente.
O Novo Código de Processo Civil disciplinou com muita precisão tal instituto. De acordo com a atual legislação, dentre as situações que ensejam a suspensão da execução, previstas no artigo 921, encontra-se aquela que é provocada pela inexistência de bens penhoráveis de propriedade do executado (inciso III). O juiz, nesse caso, determinará a suspensão do processo de execução pelo prazo de um ano, “durante o qual se suspenderá a prescrição” (artigo 921, parágrafo 1º, do CPC).
Dispõe o parágrafo 4º do mesmo artigo 921, que, transcorrido o prazo de suspensão, sem manifestação do exequente, inicia-se o prazo de prescrição intercorrente.
Ou seja, não tendo sido encontrados bens penhoráveis, o processo ficará suspenso por um ano, período pelo qual não se iniciará o prazo de fluência para contagem da prescrição. Transcorrido tal período, cabe ao autor requerer novos andamentos, sendo que no caso de não o fazer, o prazo prescricional começará a fluir.
Transcorrido o prazo da prescrição intercorrente, poderá o juiz de ofício ou a pedido da parte declarar sua ocorrência, porém, previamente, o juiz deverá determinar a intimação das partes para que se manifestem no prazo de 15 dias (parágrafo 5º do artigo 921). Justifica-se esta providência no princípio do contraditório efetivo, caro ao novo Código de Processo Civil (artigo 10), evitando-se decisão surpresa. O exequente, em particular, terá oportunidade de explicar o motivo de sua prolongada inércia.
Em seguida, considerando a manifestação das partes, sendo injustificável a paralisação do processo, o juiz, reconhecendo, de ofício, a prescrição intercorrente, proferirá sentença extintiva do processo executivo.
Cumpre anotar que, mesmo antes da entrada em vigor do novo código de processo civil, revendo a orientação então predominante, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.522.092-MS, relatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, passou a entender que a situação de abandono do processo não se confunde com a inatuação do exequente no âmbito do processo de execução. Tal decisão, mencionada pelo Prof. José Rogério Cruz e Tucci, em recente matéria publicada sobre o tema, é esclarecedora (http://www.conjur.com.br/2016-out-04/paradoxo-corte-prescricao-intercorrente-cpc-atual-jurisprudencia-stj) e demonstra que o novo código está em sintonia com a tendência que já despontava nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
“Uma consequência indesejável desse entendimento é a possibilidade de pretensões executórias subsistirem indefinidamente no tempo, não obstante a inércia da parte interessada. Essa consequência, a meu juízo, não pode ser admitida com tamanha amplitude, pois atenta contra o objetivo principal do sistema jurídico, que é a pacificação dos conflitos de interesse. Como é cediço, o instituto da prescrição tem por fundamento a segurança jurídica proporcionada às relações jurídicas, fulminando a pretensão pelo transcurso do tempo associado à inércia do credor…
Esse objetivo de pacificação social não parece ser compatível com o prolongamento indefinido de pretensões executórias ao longo do tempo. Quanto a esse ponto, o caso dos autos é emblemático, pois a execução permaneceu suspensa por 13 anos (de 1999 a 2012), sem qualquer iniciativa da parte credora, quando então os devedores, pretendendo livrarem-se do débito, requereram a declaração da prescrição intercorrente, que teria sido consumada após 5 anos de suspensão do processo, por se tratar de dívida líquida (cf. artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do CC). Evidentemente, é mais salutar para o sistema jurídico manter a pacificação social, obtida pelo transcurso de 13 anos sem o exercício da pretensão, do que manter eficácia do crédito por tempo indefinido. Essa ponderação que conduz ao reconhecimento da prescrição intercorrente, embora seja vencida na jurisprudência desta Corte, ganhou fôlego com a recente promulgação do novo Código de Processo Civil. Pelo novo Código de Processo Civil, a suspensão da execução por ausência de bens penhoráveis implica também a suspensão da prescrição, mas somente pelo prazo de 1 ano, após o qual começa a fluir a prescrição intercorrente. A propósito, confira-se o disposto no artigo 921. Cabe esclarecer que a intimação mencionada no parágrafo 5º, desse dispositivo, diz respeito exclusivamente à observância do princípio do contraditório, nada tendo a ver com aquela intimação para dar andamento ao feito, mencionada nos precedentes desta Corte. Sobre esse novo dispositivo legal, merece referência a doutrina de Gilson Delgado Miranda, em obra coordenada por Teresa Arruda Alvim Wambier, dentre outros (Breves comentários ao novo CPC, Ed. RT, São Paulo, 2015, p. 2.065): ‘Por quanto tempo o processo de execução ficará suspenso? Há prazo? 10 anos? 20 anos? Pode o exequente requerer o desarquivamento de uma execução suspensa há 70 anos? O novo Código resolveu esse claro dilema. Realmente, na vigência do Código de 1973 houve muita divergência sobre o tema. Em precedente antigo do Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Sálvio de Figueiredo, relator do Recurso Especial 280.873, 4ª Turma, j. 22-3-2001, verberou: ‘estando suspensa a execução, em razão da ausência de bens penhoráveis, não corre o prazo prescricional. Nunca concordamos com essa orientação, especialmente depois da edição da Súmula 314/STJ: Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por 1 ano, findo o qual se inicia o prazo de prescrição quinquenal intercorrente. Em outras palavras, no nosso sentir não há foro de prosperidade para se distinguir a orientação adotada em execução fiscal e aquela prevista para se aplicar à execução civil. Não comungamos da ideia de que uma execução suspensa há 70 anos possa ser desarquivada para expropriar os bens do executado. Em suma, em prol da segurança jurídica, à evidência, viável a defesa da prescrição intercorrente’. Essa inovação trazida pelo novo CPC, a meu juízo, confere contornos mais precisos a questão, pois, em nosso sistema jurídico, a prescrição é a regra, a imprescritibilidade é a exceção. Desse modo, os casos de imprescritibilidade devem-se limitar aos expressamente previstos no ordenamento jurídico, não sendo adequado criar outras hipóteses de imprescritibilidade pela via da interpretação, como ocorre ao se afastar a possibilidade de declaração da prescrição intercorrente na execução.
É por esta razão que se propõe, desde já, uma revisão da jurisprudência desta Corte Superior, para revigorar o entendimento consolidado na Súmula 150/STF, aplicando esse entendimento ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973. Nesse passo, observa-se que o Código em vigor não estabeleceu prazo específico para a suspensão da execução.
A propósito, confira-se a redação dos artigos 791 e 793 do Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 202, parágrafo único, do Código Civil, a prescrição interrompida recomeça a correr do último ato do processo. Como o Código de Processo Civil em vigor não estabeleceu prazo para a suspensão, cabe suprir a lacuna por meio da analogia, utilizando-se do prazo de 1 ano previsto no artigo 265, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil e artigo 40, parágrafo 2º, da Lei 6.830/80.
Caso o juízo tivesse fixado prazo para a suspensão, a prescrição seria contada do fim desse prazo, após o qual caberia à parte promover o andamento da execução. No caso concreto, consta no acórdão recorrido que o processo de execução foi suspenso, sine die, em 1999, a requerimento do credor, tendo ficado paralisado até 2012, quando os devedores peticionaram, requerendo a declaração da prescrição intercorrente. O prazo de prescrição começou a fluir em 2000, 1 ano após a suspensão, pelo prazo geral de 20 anos. Em 2003, com a entrada em vigor do novo Código Civil, recomeçou a contagem pelo prazo quinquenal, por se tratar de dívida líquida constante em instrumento particular, estando fulminada a pretensão em 2008 (cf. artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do CC). Correto, portanto, o entendimento do Tribunal de origem, que proclamou a prescrição intercorrente…”.
Por: Rodrigo Elian Sanchez