artigo | A LOCAÇÃO DE “ACOMODAÇÕES” POR TEMPORADA E SUAS LIMITAÇÕES, A MODA DO AIRBNB

A LOCAÇÃO DE “ACOMODAÇÕES” POR TEMPORADA E SUAS LIMITAÇÕES, A MODA DO AIRBNB

Com a intensificação da “era digital” o surgimento de novas tecnologias atreladas à diversos serviços avançou. Diversas oportunidades surgiram, dentre elas o de intermediação de locação de “acomodações” e não mais de imóveis, por períodos curtos de tempo, especialmente visando como público, turistas (seja turismo de lazer, negócio ou de estudo).

Ou seja, pode-se locar um imóvel ou apenas uma acomodação dentro do imóvel. Tal segmento tem atraído muitos proprietários de imóveis, diante da rentabilidade gerada pela locação de “acomodações” e pelo valor obtido nessas diárias ser muito superior se comparado com o obtido por dia, no sistema de locações tradicionais. Do mesmo modo, tal serviço abriu espaço para que turistas tenham novas opções além da rede hoteleira e diversidade de espaços e experiências.

Uma das empresas que mais se destacou neste segmento, de aproximação de locadores e locatários, foi a AIRBNB. “Fundado em agosto de 2008 e com sede em São Francisco, Califórnia, o AIRBNB é um mercado comunitário confiável para pessoas anunciarem, descobrirem e reservarem acomodações únicas ao redor do mundo, seja de um computador, de um celular ou de uma tablet”[1].

Não obstante todas as facilidades criadas pelo serviço, a atuação do Airbnb tem gerado uma série de discussões tanto em relação à tributação, quanto em relação à problemas de descumprimento de normas condominiais.

É sabido que o relacionamento entre condôminos gera atritos; tais atritos se tornam ainda mais constantes quando os condôminos não têm um relacionamento de longo prazo, ou seja, quando se tratam de locatários de curta temporada, que não criam vínculos sociais com os demais indivíduos do condomínio e, portanto, ainda que de forma velada, abusam do direito de vizinhança, de silêncio, etc.

Nestes casos, é recorrente ouvir reclamações de condôminos sobre a perturbação da ordem, seja com festas e barulho excessivo, seja com não observância das regras condominiais diversas: dispensa de lixo, circulação de animais, circulação em trajes de banho, etc.

Em razão destas reclamações, diversos condomínios vêm criando regras para locação por temporada as quais estão sendo levadas ao poder Judiciário para avalizar sua validade ou abusividade.

A dificuldade enfrentada pelo judiciário, se revela entre os limites de direitos de propriedade, e os limites das regras que o condomínio pode inserir nos regulamentos internos.

Isso porque, em alguns casos – mais frequentes em cidades com maior movimento turístico, nas quais a locação por temporada é mais comum – diante dos abusos cometidos por alguns inquilinos, os condomínios estão deliberando em assembleias a proibição de locação por temporada, ou sua limitação, estipulando, nestes casos, prazos mínimos.

Em um dos casos localizados, uma “decisão judicial validou a proibição de locação de apartamentos por temporada em um condomínio na cidade de Gramado/RS. A medida foi aprovada em assembleia entre os condôminos. A decisão, em caráter liminar, é do Juiz de Direito Ramiro Oliveira Cardoso, da 3ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre. Alguns proprietários ajuizaram ação contra a deliberação que ocorreu entre os condôminos, na qual foi decidida a proibição da locação por temporada. Os autores, que já haviam acertado inúmeras locações para os meses posteriores, alegaram que a decisão prejudicaria terceiros e que não havia quórum suficiente na deliberação. O Juiz de Direito Ramiro Oliveira Cardoso decidiu por manter a proibição, mas postergou a validade da medida para março de 2017, quando termina o período de festas, a fim de não prejudicar as pessoas que já haviam acertado o aluguel. Ao decidir, o magistrado ilustrou a preocupação dos condôminos registrada na ata da última reunião, em que os condôminos narram situações constrangedoras que presenciaram, como o uso de drogas nas dependências do prédio, banhos de piscina com roupas íntimas e excesso de locatários em um mesmo imóvel. Processo número 001/1.16.01538163 (Comarca de Porto Alegre)”[2]

Evidentemente, há outras decisões judiciais contrárias, nas quais foi consignado que “A convenção de condomínio é ato normativo imposto a todos os condôminos com o objetivo primordial de regular os direitos e deveres dos moradores, tanto proprietários como ocupantes, porém, não é plena a liberalidade na sua elaboração” (AI nº 2014.001480-6, – TJSC – Des. Rel. Sebastião César Evangelista – J. 16/07/2015).

Na decisão acima, foi registrado que “o direito à propriedade não é absoluto e comporta limitações, de modo que não se pode considerar a regra aprovada pelo condomínio ilegal, porquanto estabelecida a fim de cessar as interferências prejudiciais à segurança, sossego e saúde dos condôminos vizinhos, nos termos do artigo 1.277 do Código Civil.”

Neste caso, o proprietário do imóvel, ou seja, o locador, em resposta, afirmou que “a alteração na convenção condominial fere o direito do proprietário de usar, gozar e dispor de seu imóvel de forma exclusiva, nos termos dos artigos 1.228 do Código Civil e 19 da lei n. 4.591/64.”

Ao decidir a questão controvertida, o julgador afirmou que “é sabido que as deliberações das Assembleias de Condomínio fazem “lei” entre os condôminos. Contudo, assim como as leis – na concepção jurídica da palavra – as determinações deliberadas nas convenções de condomínio não são absolutas, de modo que, caso venham a se confrontar com direitos já estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro, podem ser revistas e invalidadas.”

Para fundamentar a decisão, utilizou-se como apoio a doutrina de Silvio de Salvo Venosa, segundo a qual: “O objetivo da convenção de condomínio é regular os direitos e deveres dos condôminos e ocupantes do edifício ou conjunto de edifícios. Trata-se da lei básica do condomínio. É ato normativo imposto a todos os condôminos presentes e futuros. […] esse ato normativo pode decorrer de avença contratual, mas não é sua natureza primordial. […] Às partes cabe acrescentar o que lhes convier, desde que não contrarie a lei ou direito de cada titular. […] A convenção pode incluir quaisquer outras disposições não conflitantes com a lei e seu espírito. […] Como percebemos não existe plena liberdade dos interessados na elaboração da convenção. Há imposições cogentes. Desse modo, devem ser consideradas nulas as disposições da convenção, e consequentemente também no regulamento interno, que contrariem norma impositiva” (Direito Civil: direitos reais. 5ª ed. – São Paulo: Atlas, 2005. p. 370-375).

Neste sentido, entendeu-se abusiva a proibição de locação por prazo inferior a 1 (um) ano, e, com isso, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina afastou a multa em caso de descumprimento da regra que havia sido implementada pela assembleia de condôminos.

Em outro caso analisado pelo Poder Judiciário, determinado condomínio alegou que a limitação à locação por temporada foi imposta em razão de reiteradas reclamações de desordem e perturbação do sossego dos demais condôminos, sobretudo nas épocas de temporada, quando muitos dos apartamentos eram alugados para turistas que vinham ao litoral para passar o veraneio. Sustentou o condomínio em suas razões, que havia “algazarras, gritos e som muito alto nas unidades do Edifício, aliados a superlotação”.

No entanto, também neste caso, a decisão foi no sentido de que a limitação genérica de prazo para locação, vedando, portanto, a locação por temporada, fere abruptamente o direito previsto no art. 1.228 do CC/02, o qual determina que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

O julgador retratou na decisão, a regra disposta no art. 1.335 do Código Civil, pela qual o condômino tem direito, entre outros, de usar, fruir e livremente dispor das suas unidades autônomas.

Citou-se, ainda, o evidente direito da pessoa que adquire um ou mais apartamentos em determinado condomínio residencial, com o intuito de locar o imóvel à terceiro com o simples objetivo auferir renda, mesmo que seja apenas no período da temporada de veraneio, desde que a locação respeite a destinação residencial que foi concedida ao edifício.

Neste sentido, concluiu-se que as regras que proíbem a locação por temporada, extrapolam o objetivo da vedação e acabam ferindo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Mesmo porque, apesar de haver entendimentos no sentido de que “via de regra, quem se vale de apartamento em alguns dias da temporada não está atento às regras peculiares do condomínio nem se esmera ao cultivo da boa vizinhança”, é sabido que a desordem e o excesso em detrimento do sossego é muitas vezes perpetrado pelo próprios condôminos, sejam eles locatários anuais ou proprietários do imóvel.

Importante destacar, que as ações desordeiras que dão causa à decisões proibitivas em Assembleia de Condomínio (abandono de lixo nas áreas comuns, bloqueio de carros nas garagens, utilização dos corredores e portas para micção, poluição sonora) são vistas com maus olhos pela sociedade em geral, e não somente em locações por temporada.

Assim, da mesma forma que qualquer sujeito poderia praticá-las – não apenas locatário de temporada – não é necessário ser condômino ou proprietário para ter ciência de que a prática de tais atos é proibida, ou seja: a simples locação por temporada não é condição para que a desordem se instale no condomínio residencial.

É claro que a desordem deve ser coibida e, se necessário, penalizada, entretanto, para situações assim, estão previstas, tanto na lei quanto nas convenções de condomínio em geral, sanções e multas para cada situação específica. Com efeito, o art. 1.337 do CC/02 prevê:

“Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.”

Neste sentido, após a análise de casos concretos e decisões judiciais favoráveis e desfavoráveis, podemos concluir que: (i) os serviços que advieram das novas tecnologias e que permitem a aproximação de partes e locação por temporada de “acomodações” são uma realidade que dificilmente será proibida; (ii) a vedação à locação por temporada através de decisão assemblear fere princípios constitucionais e caros ao Direito, e, portanto, o Judiciário vem anulando referidas decisões; (iii) a melhor alternativa para casos de locação por temporada, é enviar ao locatário cópia do regulamento interno do condomínio e de forma explicita informar que eventual violação de tais regras poderá ensejar multa imposta pelo condomínio, previstas no art. 1.137 do Código Civil, e que o mesmo terá que arcar com as multas de acordo com o regimento de cada condomínio.

Acreditamos que ao informar previamente o locatário das regras, valores de multas e da possibilidade de ter que arcar com tal ônus, se desestimulará condutas inadequadas e que tem causado tanta celeuma.

Por: Marcelo Barretto de Ferreira da Silva Filho