BOLETIM INFORMATIVO – ABRIL 2025

Boletim RES, Advogados

Abril de 2025

Prezados(as) Senhores(as), neste boletim trazemos artigos nas áreas do direito: trabalhista, imobiliário e do consumidor.

 

No campo do direito trabalhista, abordamos a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente, declarada pelo Supremo Tribunal Federal.

 

No espaço reservado para o direito imobiliário, tratamos sobre o Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711/2023) e a introdução da possibilidade de execução extrajudicial da hipoteca, bem como  o suposto conflito normativo entre o art. 9º do marco legal das garantias e o art. 1.484 do Código Civil.

 

Ainda, no campo do direito imobiliário, artigo analisa a possibilidade de registro do contrato de Built to Suit perante o Registro de Imóveis.

 

Por fim, no campo do direito consumerista, são analisados os prazos para reclamar de vícios construtivos, conforme a Teoria da Vida Útil na construção civil.

 

Lembramos que em nosso site você pode sempre encontrar notícias atualizadas.

 

Uma boa leitura!

 

Índice:

 

Direito Trabalhista:

 

Supremo Tribunal Federal declara a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente.

Fls………………………………………………………………………………………………………………………………………03-04

– Eduardo Galvão Prado

 

Direito Imobiliário:

 

O revigoramento da hipoteca e o aparente conflito entre o art. 9º do marco legal das garantias e o art. 1.484 do código civil.

Fls………………………………………………………………………………………………………………………………………05-10

Rodrigo Elian Sanchez

 

Considerações sobre a possibilidade de registro do contrato de Built to Suit no Registro Imobiliário.

Fls………………………………………………………………………………………………………………………………………..11-17

– Flávia de Faria Horta Pluchino

 

Direito do Consumidor:

 

A Teoria da Vida Útil na construção civil e os prazos de reclamação de vícios construtivos.

Fls……………………………………………………………………………………………………………………………………….18-25

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

 

Supremo Tribunal Federal Declara a Constitucionalidade do Contrato de Trabalho Intermitente.

 

O contrato de trabalho intermitente, foi uma inovação incluída pela reforma trabalhista de 2017, para suprir a necessidade de formalizar contratações por períodos alternados de atividade e inatividade do empregado.

 

O contrato de trabalho intermitente está previsto nos artigos 443, §3º e 452-A da CLT, deve ser registrado na carteira de trabalho, deve ser formalizado por escrito, deve indicar o valor da hora de trabalho que não pode ser inferior ao valor da hora proporcional ao salário-mínimo ou do salário recebido pelos demais empregados da empresa que exerçam a mesma função, e é recomendado que conste a forma de convocação do empregado.

 

A convocação pode ser realizada por qualquer meio de comunicação com, no mínimo, três dias de antecedência ao início do período de atividade e deve especificar a jornada e o período de prestação de serviço.

 

Ao final do período de atividade, o empregado receberá o salário, 13º salário, férias acrescidas de 1/3 e eventuais adicionais proporcionais ao período trabalhado, além do recolhimento de FGTS e contribuição previdenciária.

 

Nos períodos de inatividade, o empregado poderá prestar serviços para outros contratantes. Após 12 meses, o empregado terá direito a um mês de férias e, no período das férias, não poderá ser convocado ao trabalho.

 

Portanto, no contrato intermitente, o empregado tem os mesmos direitos das demais modalidade de contrato de trabalho, porém, supre a necessidade daquele empregador e daquele empregado que necessitam, de forma alternada, de períodos de atividade e períodos de inatividade de acordo com seus interesses e necessidades do momento.

 

Não obstante, no mesmo mês em que iniciou sua vigência, especificamente em novembro de 2017, a constitucionalidade do contrato intermitente foi questionada no Supremo Tribunal Federal, através de Ação Direta de Inconstitucionalidade, sob alegação de que essa modalidade de contratação deixaria o empregado em situação frágil e vulnerável, entendimento que não compartilhamos.

 

Certamente, tal questionamento gerou insegurança por parte dos empregadores em utilizar essa modalidade contratual.

 

Após sete anos, o Supremo Tribunal Federal concluiu, no dia 13/12/2024, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e, em nossa opinião, de forma acertada e por maioria de votos, declarou a constitucionalidade, ou seja, a validade do contrato de trabalho intermitente.

 

Esta importante decisão gerou maior segurança jurídica para a adesão ao contrato intermitente por parte dos empregadores, o que poderá contribuir para a redução da informalidade e aumentar a geração de empregos.

 

Eduardo Galvão Prado

 

 

O Revigoramento da Hipoteca e o Aparente Conflito Entre o Art. 9º do Marco Legal das Garantias e o Art. 1.484 do Código Civil.

 

Sumário: A Lei nº 14.711/2023, o Marco Legal das Garantias, modernizou a hipoteca ao permitir sua execução extrajudicial. Neste artigo, analisamos seus principais impactos e o possível conflito com o Código Civil.

 

É tendência, há mais de década, a chamada desjudicialização, pela qual questões que anteriormente necessitavam tramitar exclusivamente perante o poder judiciário, são transferidas para outras esferas de resolução, como as câmaras de mediação e arbitragem, órgãos administrativos e outros mecanismos extrajudiciais.

 

Este movimento busca reduzir a sobrecarga dos tribunais, promover uma resolução mais ágil e eficiente dos conflitos e aumentar a satisfação dos jurisdicionados com o sistema de Justiça[1]. Exemplo marcante desta tendência foi a entrada em vigor da Lei n.º 11.441/2007, que permitiu a realização de divórcio e inventários extrajudicialmente; da Lei n.º 13.465/2017 que permitiu a usucapião extrajudicialmente, ou a recente Lei n.º 14.382/2022 que autorizou a adjudicação extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel[2].

 

Seguindo esta tendência, a Lei n.º 14.711/2023, também conhecida como Marco Legal das Garantias, dentre outras inovações, veio permitir a execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca.

 

Historicamente, a execução das garantias imobiliárias em nosso país dependia de ação judicial. Em 1997, pela Lei Federal 9.514, o ordenamento jurídico passou a prever a alienação fiduciária em garantia imobiliária (AFI) e o procedimento extrajudicial para a sua excussão.

 

O procedimento simplificado, aliado ao diminuto espaço relegado para adoção de defesas e meio protelatórios pelos devedores, tornou a alienação fiduciária a modalidade de garantia mais utilizada no mercado imobiliário[3].

 

Diante deste cenário, a hipoteca acabou perdendo parte de sua atratividade.

 

Porém, com a entrada em vigor do Marco Legal das Garantias, espera-se que a hipoteca venha a retomar parte de sua relevância, como instrumento assegurador do crédito imobiliário.

 

Ao regular a execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca, o Marco Legal das Garantias buscou aproximá-lo ao regime adotado na AFI. Transcrevemos abaixo o art. 9º do referido diploma legal:

 

“Art. 9º Os créditos garantidos por hipoteca poderão ser executados extrajudicialmente na forma prevista neste artigo.

§ 1º Vencida e não paga a dívida hipotecária, no todo ou em parte, o devedor e, se for o caso, o terceiro hipotecante ou seus representantes legais ou procuradores regularmente constituídos serão intimados pessoalmente, a requerimento do credor ou do seu cessionário, pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel hipotecado, para purgação da mora no prazo de 15 (quinze) dias, observado o disposto no art. 26 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, no que couber.

§ 2º A não purgação da mora no prazo estabelecido no § 1º deste artigo autoriza o início do procedimento de excussão extrajudicial da garantia hipotecária por meio de leilão público, e o fato será previamente averbado na matrícula do imóvel, a partir do pedido formulado pelo credor, nos 15 (quinze) dias seguintes ao término do prazo estabelecido para a purgação da mora.

[…]

§ 5º Na hipótese de o lance oferecido no primeiro leilão público não ser igual ou superior ao valor do imóvel estabelecido no contrato para fins de excussão ou ao valor de avaliação realizada pelo órgão público competente para cálculo do imposto sobre transmissão inter vivos, o que for maior, o segundo leilão será realizado nos 15 (quinze) dias seguintes.”

 

Uma primeira dúvida que surgiu com a publicação da nova lei é se o §5º do art. 9º teria revogado o art. 1.484 do Código Civil.

 

O art. 1.484 do Código Civil estabelece ser lícito que o devedor e o credor, façam constar nas escrituras o valor entre si ajustado dos imóveis hipotecados, o qual, devidamente atualizado, será a base para as arrematações, adjudicações e remições, dispensada a avaliação.

 

Por outro lado, o §5º do art. 9º do Marco Legal das Garantias, estabelece que o imóvel apenas poderá ser arrematado em primeiro leilão se o valor do lance for igual ou superior ao valor do imóvel estabelecido no contrato para fins de excussão ou ao valor de avaliação realizada pelo órgão público competente para o cálculo do imposto sobre transmissão inter vivos, o que for maior. Ou seja, se as partes tiverem estabelecido na escritura de hipoteca[4] o valor de avaliação do bem para fins de arrematação e se este valor for inferior ao utilizado pelo município como base de cálculo do ITBI, é este último que será utilizado como valor mínimo para o primeiro leilão.

 

O conflito normativo, porém, é aparente. O Código Civil apenas regulava as arrematações e adjudicações judiciais. Por outro lado, o art. 9º do Marco Geral das Garantias regula unicamente o procedimento de execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca.

 

Resta claro que o âmbito de incidência das normas é diverso. Se o credor deseja realizar a excussão extrajudicial estará sujeito a regra do Marco Legal das Garantias, que é, aliás, similar a adotada para excussão da garantia fiduciária (§ único, art. 24 da Lei nº 9.514/1997).

 

Por outro lado, se o credor adotar a excussão judicial, incidirá a regra contida no art. 1.484 do Código Civil. Deverá, portanto, à luz do caso concreto, avaliar qual será o “caminho” mais vantajoso.

 

Com as recentes alterações, a excussão da garantia hipotecária poderá ser tão rápida e simples como a garantida por AFI.

 

Não obstante, na comparação entre os dois institutos [Hipoteca versus AFI] uma vantagem continua a pesar em favor da AFI, já que os créditos garantidos por alienação fiduciária não sofrem os efeitos da recuperação judicial do devedor, por expressa disposição legal [parágrafo 3º do artigo 49 da Lei 11.101/2005].

 

É também verdade que esta vantagem não terá implicação prática quando o devedor for pessoa física. Todavia, dentre as vantagens que a garantia hipotecária apresenta em relação a alienação fiduciária, inclui-se a possibilidade do imóvel hipotecado poder ser alienado [art. 1.475 do Código Civil], enquanto o imóvel alienado fiduciariamente não pode, em razão do devedor ter transferido ao credor a propriedade resolúvel e a posse indireta sobre o imóvel.

 

Como a hipoteca segue o imóvel [sequela] não importa quem venha a ser o proprietário do imóvel, ele continuará a garantir o crédito. É possível, porém, que no instrumento de constituição da hipoteca seja previsto que o crédito hipotecário terá vencimento antecipado, se o imóvel for alienado [§ único, art. 1.475 do Código Civil]. Ou seja, ocorrendo uma situação de liquidez, o crédito deverá ser quitado.

 

Sem entrar em maiores detalhes, já que a hipoteca é instituto riquíssimo e com várias nuances, é possível asseverar que as inovações trazidas pelo Marco Legal das Garantias “revigoraram” a hipoteca e podem impulsionar a sua utilização como instrumento de crédito imobiliário. É certo, também, que em certos cenários poderá ser mais adequada e vantajosa sua utilização em comparação à AFI.

 

Bibliografia

[1] A Meta nº 9 para o Poder Judiciário, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e aprovada para os anos de 2020 e 2021, estabelece que os Tribunais devem “realizar ações de prevenção e desjudicialização de litígios.

[2] É importante ressaltar, que as leis que permitiram que estes procedimentos tramitem administrativamente perante cartórios de notas ou registro de imóveis, trouxeram requisitos e vedações, sendo que no caso de conflito entre as partes, o procedimento deverá ser dirimido exclusivamente pelo poder judiciário.

[3] O ESTADO DE SÃO PAULO. Hipoteca ou alienação fiduciária? Entenda qual garantia domina o financiamento imobiliário. disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/educacao-financeira/hipoteca-alienacao-fiduciaria-garantia-financiamento-imobiliario/. Acesso em 22.março.2025.

[4] É importante ressaltar que a hipoteca pode ser constituída por instrumento particular [prescindindo de escritura pública],  se o valor do imóvel, nos termos do art. 108 do Código Civil, não for superior a 30salários-mínimoss ou independentemente do valor do bem quando o financiamento for  concedido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

 

Rodrigo Elian Sanchez

 

 

Considerações Sobre a Possibilidade de Registro do Contrato de Built to Suit no Registro Imobiliário.

 

1. O Contrato de Built to Suit:

 

Instituído pela Lei 12.744/2012, que introduziu o art. 54-A na Lei 8.245/91 (Lei de Locações), trata-se, segundo Gasparetto, “de um negócio jurídico por meio do qual uma empresa contrata outra, usualmente do ramo imobiliário ou de construção, para identificar um terreno e nele construir uma unidade comercial ou industrial que atenda às exigências específicas da empresa contratante, tanto no que diz respeito à localização, como no que tange às características físicas da unidade a ser construída. Uma vez construída, tal unidade será disponibilizada, por meio de locação, à empresa contratante, por determinado tempo ajustado entre as partes”.

 

As vantagens dessa modalidade de contratação residem na possibilidade da empresa contratante, que não atua no setor da engenharia civil, obter um imóvel novo e segundo suas especificações e necessidades, sem assumir os custos da aquisição e/ou construção do imóvel e sem imobilizar seu capital. Em contrapartida, o investidor ou construtor firma um contrato de longo prazo, podendo obter lucro com a cessão de uso do espaço, remunerando o investimento da construção.

 

Por reunir elementos próprios da locação comercial e da empreitada, é considerado pela maioria da doutrina como contrato atípico, isto é, que não possui seus aspectos essenciais regulados de forma completa pela lei.

 

Os próprios objetivos do contrato built to suit demonstram a importância da garantia de continuidade da utilização do imóvel pelo período determinado estipulado pelas partes, situação que pode ser alcançada com seu registro junto à matrícula do imóvel, nos termos do art. 8º da Lei de Locações.

 

Relativamente ao exercício do direito de preferência na aquisição do imóvel, a discussão quanto a possibilidade de averbação do contrato built to suit na matrícula é praticamente inexistente, diante do que dispõe o art. 246 da Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/73) e, por isto, não é tema do presente artigo.

 

Não obstante, com relação ao registro do contrato para fins de exercício do direito de continuidade da locação em caso de alienação do imóvel pelo construtor/locador, a questão é tormentosa, diante de sua atipicidade.

 

2. Da Possibilidade de Registro do Contrato de Built to Suit no Cartório de Registro de Imóveis:

 

As obrigações podem ser divididas em obrigações pessoais e obrigações reais. A obrigação pessoal é estabelecida numa relação jurídica horizontal, que vincula tão somente devedor e credor ao cumprimento de determinada prestação. As obrigações reais se estabelecem em uma relação vertical, entre um sujeito e uma coisa e podem ser oponível a toda a coletividade.

 

Há, ainda, as obrigações híbridas, que são obrigações que mantém sua natureza pessoal, porém, quando registradas junto ao registro imobiliário, adquirem eficácia erga omnes. O exemplo mais comum desse tipo de obrigação é justamente o contrato de locação que, se for escrito, tiver prazo determinado, cláusula de vigência em caso de alienação e for registrado no registro de imóvel, deverá ser respeitado por eventual adquirente.

 

Nesses casos, o locatário tem a segurança de que eventual adquirente do imóvel locado ficará obrigado a respeitar o prazo da locação. Daí a importância do debate acerca da registrabilidade do contrato built to suit.

 

Não obstante a Lei de Locações, no art. 8º, falar em averbação, nos termos do art. 167, inc. I, alínea 3 da Lei de Registros Públicos, na verdade, esse direito é objeto de registro:

 

Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I – o registro:

(…)

3)  dos contratos de locação de prédios, nos quais tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada.;

(…)

 

Antes da entrada em vigor da Lei nº 12.744/12, que incluiu o contrato de built to suit na Lei de Locações, não havia muita discussão quanto à impossibilidade do registro, conforme se verificava no entendimento recorrente da Corregedoria Geral de Justiça do TJSP:

 

Os atos de registro em sentido estrito, previstos no incido I do art. 167 da Lei 6.015/73, são destinados à inscrição da aquisição de direitos e constituição de ônus, o que é feito em consonância com o princípio da tipicidade dos direitos reais.” (CGJSP, Processo 0001159-24.2019.8.26.0515, Des. Ricardo Mair Anafe, j. 14/12/2020).

 

A problemática toma corpo quando essa modalidade contratual passa a constar do art. 54-A da Lei de Locações, pois, a despeito dos doutrinadores defenderem a possibilidade de registro do built to suit junto à matrícula do imóvel, na prática, alguns registradores ainda recusam o registro desse tipo contratual.

 

O principal argumento é justamente sua atipicidade, que não encontraria respaldo na taxatividade do art. 167, inc. I da Lei 6.015/73. Em outras palavras, somente poderiam ser registrados os negócios jurídicos descritos nas alíneas de 1 a 48 do inciso I da referida norma e, como o contrato de built to suit é atípico, ele não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas nela.

 

A despeito da posição dos registradores, várias teorias foram desenvolvidas no sentido de demonstrar a possibilidade do registro do built to suit, como forma de garantir a continuidade da locação, nos termos do art. 8º da Lei de Locações.

 

Para Vitor Frederico Kumpell, se o núcleo da locação ou a causa locatícia do negócio puder ser identificado, não haveria razoabilidade em impedir o registro do contrato que a própria lei considera subespécie de locação não residencial.

 

Segundo o autor, não há como equiparar indiscriminadamente a taxatividade das hipóteses de registro previstas no art. 167, inc. I da Lei de Registros Públicos, a uma exigência de tipicidade negocial, pois, a preocupação com a segurança jurídica não pode suplantar a eficácia dessa modalidade contratual, que busca articular de forma eficiente o interesse do locatário e do locador.

 

No mesmo sentido, o Enunciado nº 29 da 1ª Jornada de Direito Notarial e Registral do Conselho da Justiça Federal já definiu que a locação built to suit pode ser registrada ou averbada nas hipóteses do art. 167, I, alínea 3 e II, alínea 16 da Lei de Registros Públicos.

 

As justificativas para referido enunciado se vinculam à própria dinâmica deste modelo de contratação, que “embora seja intitulado built to suit e, portanto, não expressamente elencado no referido rol [do art. 167, I da Lei de Registros Públicos] não há como negar que possui como principal prestação contratual a própria cessão do uso remunerada (locação) e, portanto, título apto para o registro ou averbação.”

 

Para a corrente que defende a registrabilidade do built to suit, a tipicidade dos direitos reais não acarreta direta e necessariamente a tipicidade dos fatos inscritíveis, pois são duas realidades distintas. O que identifica um determinado ato como apto ao registro é a capacidade do título de, sem vícios, constituir ou modificar direitos reais ou direitos obrigacionais com eficácia real.

 

Sobre o tema, Carlos Kennedy da Costa Leite defende que devem ser acolhidos a registro quaisquer títulos que formalizem legitimamente atos inter vivos, objetivando a transferência de propriedade ou constituição de direitos reais ou obrigacionais com eficácia real sobre imóveis, aí incluídos os contratos atípicos.

 

Sob este aspecto, o built to suit é fato registralmente típico, na medida em que cria direito obrigacional com eficácia real, sendo inadequado impedir seu registro como forma de assegurar eficácia da cláusula de vigência da locação contra todos.

 

3. Conclusão:

 

O contrato de locação built to suit adquiriu importância no direito brasileiro, em razão da sua capacidade para promover o desenvolvimento econômico do país, ao permitir o uso eficiente da propriedade imobiliária, sem a necessidade de o locatário desembolsar grande soma de dinheiro na aquisição, construção ou reforma do imóvel, podendo destinar esse investimento ao desenvolvimento de seu negócio.

 

Para que esta modalidade contratual represente efetivamente uma vantagem para seus contratantes, é imprescindível dotá-la da garantia de continuidade da cessão de uso remunerado do imóvel pronto, em caso de modificação na propriedade do bem.

 

Os benefícios do built to suit enfrentam hoje um obstáculo concernente à segurança jurídica, em razão da resistência de grande parte dos registradores em permitir seu ingresso no registro imobiliário para fins de exercício do direito de continuidade, por não figurar no rol taxativo previsto no art. 167, inc. I da Lei de Registros Públicos.

 

As correntes favoráveis ao registro do contrato built to suit defendem que a recusa é infundada, pois, o que determina a registrabilidade não é a taxatividade do rol legal, mas sim o escopo do negócio jurídico sob registro. Desde que o negócio jurídico validamente constitua ou modifique direitos reais ou direitos obrigacionais com eficácia real, ele deve ser admitido ao registro.

 

Nesse sentido, não há dúvidas de que o contrato de built to suit, apesar de atípico, permite a identificação precisa da locação, além de ser considerado pela Lei uma subespécie de locação não residencial e, portanto, apto a registro.

 

Bibliografia

DIP, Ricardo. São Taxativos os Atos Registráveis? In https://www.irib.org.br/obras/sao-taxativos-os-atos-registraveis Acesso em 09/03/2025.

GASPARETTO, Rodrigo Ruete. Contratos Built to Suit: um estudo da natureza, conceito e aplicabilidade dos contratos de locação atípicos no direito brasileiro. São Paulo: Scortecci, 2009, p. 58

KUMPEL, Vitor Frederico. Aspectos registrais do contrato de locação não residencial de imóvel cm prévia aquisição, construção ou substancial reforma por parte do locador ou de terceiros (built to suit) – Parte II. Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/registralhas/246754/aspectos-registrais-do-contrato-de-locacao-nao-residencial-de-imovel-com-previa-aquisicao–construcao-ou-substancial-reforma-por-parte-do-locador-ou-de-terceiros–built-to-suit—-parte-ii. Acesso em 09/03/2025.

PETROCELLI, Moacyr de Ávila Ribeiro e OLIVEIRA, João Camilo Rodrigues de. Da Registrabilidade do Contrato Built to Suit: Apontamentos sobre o seu acesso ao Registro de Imóveis. Revista de Direito Imobiliário. Ano 45. Número 93. p.

 

Flávia de Faria Horta Pluchino

 

 

A Teoria da Vida Útil na Construção Civil e os Prazos de Reclamação de Vícios Construtivos.

 

A Teoria da Vida Útil refere-se ao período durante o qual um bem (neste caso, uma obra de construção civil) deve manter suas condições de uso e segurança, conforme as expectativas estabelecidas no momento da sua entrega. Trata-se, portanto, de um conceito deveras importante na construção civil, quando falamos em garantir a durabilidade das obras e dos materiais.

 

Se aplicássemos a Teoria da Vida Útil em relação a um simples produto, como, por exemplo, uma televisão ou um telefone celular, o trabalho de definir o período durante o qual ele deve manter suas condições seria uma tarefa relativamente simples.

 

No entanto, no universo de itens que compõem uma obra de construção civil, a questão se torna mais complexa, pois há inúmeros materiais cuja vida útil tem expectativa de durabilidade maior, e outros tantos cuja durabilidade é menor: logicamente espera-se uma vida útil muitíssimo maior da parte estrutural de uma construção (vigas, colunas, lajes, fundações etc.) do que se espera de outros itens, como motor da piscina, rejuntes etc.

 

Justamente por isso, a Teoria da Vida Útil, ao ser aplicada à construção civil, deve fazer uma distinção entre esses itens para fins de garantia legal: nem sempre será aplicável o prazo de 5 (cinco) anos – previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 618 do Código Civil – pois tal prazo seria deveras exíguo para vícios estruturais (cuja expectativa de durabilidade deve ser de aproximadamente 30 anos), mas, por outro lado, deveras longo para, por exemplo, a pintura da fachada ou a troca de um rejunte de área externa, sujeitos à agressiva ação do tempo.

 

Nestes casos, o que se esperaria, mas que, infelizmente, não temos visto na jurisprudência pátria, é que os vícios fossem divididos e analisados de forma técnica, tomando como base, por exemplo, as normas da ABNT, que tratam dos requisitos para a gestão e manutenção de edificações (NBR 5674/2012), assim como a que estabelece os requisitos e critérios de desempenho que se aplicam às edificações como um todo integrado, bem como de forma isolada por sistemas específicos (NBR 15575-1/2013), e que estabelece prazos mínimos de desempenho (neste último caso, desde que observadas a manutenção e o uso corretos. logicamente).

 

Mais recentemente, temos ainda a NBR 17170/2022 que traz conceitos, referências técnicas, requisitos, diretrizes e procedimentos para a definição das garantias das edificações, ou, como dito acima, de suas partes, levando em consideração os sistemas, componentes e equipamentos contidos na obra de construção civil como um todo.

 

Percebe-se que a aplicação da Teoria da Vida Útil à construção civil permitiria que as partes envolvidas (tanto os construtores quanto os consumidores e prestadores de serviço) pudessem estabelecer de forma técnica e precisa as expectativas de durabilidade da obra ao longo do tempo, e com isso, ter melhor horizonte para provisionar tanto seus direitos quanto responsabilidades.

 

No que se refere aos prazos para reclamar, é conveniente esclarecer, de antemão, que os vícios se subdividem em aparentes e ocultos, sendo aqueles os de fácil constatação (v.g., pintura, vidro quebrado, piso trincado etc.) e estes os não verificáveis à primeira vista ou cuja identificação pode levar tempo (v.g., problema na impermeabilização, problema na rede elétrica etc.).

 

No Código de Defesa do Consumidor, os vícios aparentes são tratados no art. 26, II, §1º, que estabelece que o prazo para reclamação é de 90 dias a partir da entrega do imóvel (entrega das chaves). Após esse prazo, o consumidor perde o direito de reclamar o reparo perante a construtora:

 

“Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: II – noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. § 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.”

 

Já com relação aos vícios ocultos, o CDC, em seu art. 26, § 3º, estabelece que o prazo para reclamação também é de 90 dias, porém, contados apenas a partir do momento em que ficar evidenciado o defeito. Neste caso, o consumidor deve reclamar o reparo à construtora de maneira formal, se possível emitindo um laudo pericial, com vistas a registrar que o defeito restou evidenciado.

 

“§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.”

 

Outros dois pontos importantes a serem destacados com relação aos prazos são: (i) as reclamações desses vícios, pelo art. 26, sejam aparentes ou ocultos, devem mirar a sua reparação e não a resolução do contrato; (ii) esses prazos são decadenciais, ou seja, se o vício não for reclamado dentro dele, o consumidor perde o direito.

 

Cabe apontar, também, o vício construtivo causado por fato do produto, ou seja, por acidentes causados por algum defeito. Como exemplo, citamos uma janela que, por estar mal instalada, venha a cair e machucar alguém. Neste caso, o CDC prevê, em seu art. 27, o prazo de 5 (cinco) anos, “iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”.

 

“Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”

 

Por outro lado, o Código Civil trata da questão dos vícios redibitórios em seu art. 441 e seguintes, estabelecendo que o adquirente poderá enjeitar a coisa (no caso, o imóvel) “por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”.

 

“Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.”

 

A regra geral do art. 441 do CC permite sua aplicação para resolução do contrato para os casos de vícios de maior gravidade que tornem a coisa imprópria, como, por exemplo, uma questão estrutural. Porém, se o vício for de menor gravidade, que comporte reparação (como o refazimento de uma parede ou de uma impermeabilização), pode-se aplicar também o disposto no art. 445 do CC, que permite “o abatimento no preço”:

 

“Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade. § 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.”

 

O Código Civil também trata da questão no Capítulo VIII (da Empreitada) e estabelece em seu art. 618 que o prazo de reclamação para resolução do contrato é de 5 anos.

 

Tal prazo foi historicamente eleito pela jurisprudência como prazo de “garantia legal mínima” da construção civil, pelo qual as construtoras respondem por vícios construtivos em geral. Abre-se aqui um parêntese para esclarecer que o parágrafo único do art. 618 estabelece, para o dono da obra, um prazo decadencial de 180 dias para ajuizar a ação de resolução do contrato, contados de sua constatação:

 

“Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo.

Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.”

 

Cabe destacar que, sendo uma relação de consumo, o consumidor poderá reclamar os vícios ocultos e aparentes no prazo de 90 dias (conforme visto acima), mas, mesmo ultrapassado esse prazo, ele poderá se valer das disposições legais do Código Civil, que, como visto, estabelece prazo maior de 5 (cinco) anos contados da constatação do vício.

 

Por outro lado, e quando não se tratar de resolução contratual (mas de direito à indenização ou de obrigação de reparar o vício), há entendimento jurisprudencial dominante, tanto no STJ quanto no TJSP, no sentido de que deve ser aplicado o prazo geral prescricional previsto no Código Civil (atualmente, de 10 anos, conforme art. 205 do CC):

 

“DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DEFEITOS APARENTES DA OBRA. PRETENSÃO DE REEXECUÇÃO DO CONTRATO E DE REDIBIÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. APLICABILIDADE. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. SUJEIÇÃO À PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos materiais e compensação de danos morais. 2. Ação ajuizada em 19/07/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 08/01/2018. Julgamento: CPC/2015. 3. O propósito recursal é o afastamento da prejudicial de decadência e prescrição em relação ao pedido de obrigação de fazer e de indenização decorrentes dos vícios de qualidade e quantidade no imóvel adquirido pelo consumidor. 4. É de 90 (noventa) dias o prazo para o consumidor reclamar por vícios aparentes ou de fácil constatação no imóvel por si adquirido, contado a partir da efetiva entrega do bem (art. 26, II e § 1º, do CDC). 5. No referido prazo decadencial, pode o consumidor exigir qualquer das alternativas previstas no art. 20 do CDC, a saber: a reexecução dos serviços, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço. Cuida-se de verdadeiro direito potestativo do consumidor, cuja tutela se dá mediante as denominadas ações constitutivas, positivas ou negativas. 6. Quando, porém, a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição. 7. À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 (“Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra”). 8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp 1.721.694/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 03/09/2019). (destaques nossos)

 

Conclusão:

 

Como vimos, a Teoria da Vida Útil aplicada à construção civil permite maior clareza tanto para as construtoras, em relação às suas obrigações e responsabilidades, quanto para os consumidores e adquirentes, em relação aos deveres de manutenção e direitos relativos à garantia e durabilidade, sendo as regras da ABNT o mais adequado aferir a durabilidade e segurança das construções, bem como para avaliar se os vícios ou defeitos surgiram dentro do prazo de garantia legal ou contratual. Não obstante, os tribunais não têm se utilizado de tais critérios, em sua grande maioria, para analisar pedidos de resolução ou indenizações por vícios e defeitos.

 

Com relação aos prazos, eles variam conforme a natureza do vício (aparente e oculto), bem como com relação à intenção da parte prejudicada (se é a reparação do vício, o abatimento do preço, a resolução do contrato ou uma indenização pelos danos causados), sendo que a jurisprudência tem posição bastante flexível em relação ao prazo prescricional para reclamar indenização ou de obrigação de reparar o vício; entendimento que entendemos acaba por gerar grande insegurança jurídica e que impacta negativamente no bom funcionamento do mercado imobiliário.

 

Marcelo Barretto Ferreira da Silva Filho

 

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